É claro que é boa notícia a General Motors investir cada vez mais em linhas de produtos em São Caetano, principalmente porque a montadora foge como o diabo da cruz, sendo que o diabo são os sindicalistas e a cruz São José dos Campos. Deu no Estadão de anteontem o que não lemos nadinha nos jornais daqui ao longo dos últimos anos: a General Motors aumentou bastante a capacidade produtiva com novas linhas de montagem.
O dinheiro em forma de tributos e de geração de empregos que entra nos cofres da Prefeitura deve levar o prefeito Paulo Pinheiro às alturas. Ainda mais que, por mais que tenha sido embalado no berço eleitoral pelos petistas ávidos por um naco do poder, não entregou nem as mãos nem os anéis do terminal da Petrobrás, mais que ambicionado, perseguido pelo prefeito de Mauá, Donisete Braga.
Não é saudável depender ainda mais da Doença Holandesa que nos ataca diretamente, ou seja, do setor automotivo. A literatura econômica é farta de exemplos de cidades e regiões que deram com os burros nágua quando a biruta virou e as montadoras e as autopeças escafederam, em busca de novos ganhos de rentabilidade. Aliás, já passamos por isso, embora longe do grau destrutivo de Detroit, por exemplo.
Se a General Motors resolveu valorizar a planta de São Caetano, depois de anos e anos de emagrecimento de investimentos por conta da descentralização em busca de paz sindical, harmonia político-institucional e muito mais competitividade, eis que de uns tempos para cá redescobriu a galinha de ovos de ouro da produtividade. Sem o contraponto da impertinência sindical ostensiva. Daí ter trazido para o Município de maior qualidade de vida da Região Metropolitana de São Paulo as linhas de montagem dos modelos Cobalt, Cruze e Spin, como mostrou a reportagem da experiente Cleide Silva no Estadão. Aliás, uma matéria repleta de informações.
A todo vapor
A fábrica da General Motors em São Caetano está funcionando 24 horas por dia e ainda há jornadas extras de dois sábados por mês. Enquanto isso, São José dos Campos, no Vale do Paraíba, chora as dores do radicalismo sindical que nos anos 1980 causou tantos estragos na região – embora com inegáveis ganhos de cidadania corporativa, de dentro das fábricas, com tratamento mais civilizado entre as partes. A fábrica da GM no Vale opera com 80% de ociosidade na área de automóveis e os trabalhadores tentam evitar o corte de 1,4 mil vagas, metade prevista para março.
A inflexibilidade do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos beneficiou São Caetano de sindicalismo mais ameno. No Vale do Paraíba, o prejuízo calculado atinge R$ 1,5 bilhão em investimentos na produção de dois novos carros, o sedã Cobalt e o monovolume Spin, lançados nos últimos 15 meses. São Caetano ganhou os dois investimentos e 1,5 mil novos empregos no período. Nada mal, porque as contratações ajudaram a contabilizar o saldo de 7.413 postos de trabalho com carteira assinada no setor industrial que São Caetano totalizou durante os 10 anos de governo petista, os oito de Lula e os dois primeiros de Dilma Rousseff.
A estagnação econômica de São Caetano quando confrontada com o G-20, o grupo dos municípios mais importantes do Estado, sem contar a Capital, possivelmente será levemente restaurada quando os resultados de produção da General Motors saltarem do PIB Industrial e do PIB Geral que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) anunciará no final desta temporada.
Em dezembro do ano passado São Caetano ocupava a 13ª posição no G-20 no critério de PIB Industrial e 14º no PIB Geral. O crescimento no período de 10 anos de 195,89% em valores nominais, sem considerar a inflação do período, foi superior à média dos demais municípios da região que integram o G-20 (apenas Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não constam da lista), mas abaixo da média dos demais municípios selecionados. De qualquer modo, não foram resultados decepcionantes.
A General Motors está dando um exemplo de eficiência e determinação com os investimentos em São Caetano. Tudo parecia impossível por conta da escassez de espaços físicos, entre outros obstáculos. Segundo o relato do Estadão, para ampliar a capacidade de 210 mil para 270 mil veículos ao ano, a linha de montagem recebeu 158 novos robôs para solda e quatro para pintura, entre outros equipamentos, num espaço de produção que ganhou 16 mil metros quadrados de área construída, totalizando 322 mil. Nove linhas antigas de prensas foram substituídas por uma moderna.
Multinacionais introspectivas
As multinacionais que aportaram na Província do Grande ABC principalmente a partir da metade do século passado, estimuladas pelo Governo Federal e seu Plano de Metas, contribuíram e contribuem imensamente para o desenvolvimento regional. Pena, entretanto, que só o façam internamente, com olhar focado na produção e suas variáveis.
Há uma linha de conexão entre todas essas empresas que considera o princípio de que aos governos locais, estadual e federal compete a responsabilidade de cuidarem da administração dos respectivos territórios. O pressuposto de que cada macaco ocupe o respectivo galho move todas essas empresas. Há controvérsias não sobre a legitimidade desse conceito, mas sobre a oportunidade de sustentá-lo.
Como os sindicatos também só olham para o próprio interesse de classe, e isso vale para todas as unidades de produção, não apenas para as multinacionais, o que temos no fundo no fundo é a sacramentação de uma distorção que ajuda a entender por que somos uma Província inegavelmente bem acabada: há muros quilométricos a separar o chão, os gabinetes de fábricas e a sociedade como um todo.
O trabalhador e o executivo que deixam a fábrica não têm nenhuma preocupação com o que encontrará lá fora além do próprio umbigo. Todos vivem uma vida dupla, de determinação e valorização profissional de um lado e de omissão coletiva e renitente como cidadão, de outro. São faces de uma mesma moeda, a moeda do desenvolvimento econômico sem sustentabilidade social.
Na medida em que o mercado de trabalho na Província do Grande ABC se volta mais às áreas de serviços e comércio, cresce a expectativa de que a formação social da comunidade se revestirá de novos paradigmas.
Há quem aposte que navegaremos em outros mares menos excludentes, menos compartimentados. Tenho fundas dúvidas, porque a condição geopolítica e geoeconômica de arrebalde da Capital é um sério obstáculo à modernidade no sentido mais amplo do termo. Como, aliás, o presente tanto prova.
Que a General Motors não nos deixe de presentear com boas notícias, porque, afinal, é melhor seguir com a Doença Holandesa do que simplesmente registrar o agravamento do Complexo de Gata Borralheira.
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