Economia

Aquelas luzes que acendem
devagar, à espera de vizinhança

DANIEL LIMA - 18/03/2013

Ainda faltam muitas luzes a acender, a dar brilho à noite que chega inexoravelmente. No meu caminho da roça, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, virei espécie de inspetor imobiliário. Nem mudar a direção dos olhos consigo. Aquelas torres saltam à frente a sacudir minha consciência de suposto grilo falante da Província.


 


Nestas alturas do campeonato, dois anos atrás, imaginava que o trajeto de não mais de oito quilômetros demoraria um bocado ante o impacto daquelas torres comerciais e residenciais. Previram-se 50 mil pessoas e 20 mil veículos a impactar o trânsito nos horários de rush. Uma catástrofe que se somaria à catástrofe já implantada pela imprevidência urbanística. Tudo em nome da fome pantagruélica dos mercadores imobiliários.


 


Qual nada de contratempos! Está uma moleza romper o trecho da Avenida Pereira Barreto, acessar a Avenida Aldino Pinotti, chegar à Avenida Vergueiro e, mais adiante, encontrar o primeiro retorno até chegar ao destino. Só existe atravancamento quando algo de especial ocorre no sistema viário, uma batidinha aqui, outra ali, um acidente envolvendo motociclista, um temporal ameaçador. Nada a ver com aquelas torres residenciais e comerciais espetadas à espera de ocupação.


 


Seria muito bom, muito bom mesmo, se as torres que compõem o Domo fossem os únicos endereços de sobras imobiliárias imensas na Província do Grande ABC. Mas basta dar um passeio pela região e observar atentamente, ouvir quem é do ramo e não tem o rabo preso, para sentir o tamanho da encrenca.


 


Não à toa as incorporadoras paulistanas estão deixando dia a dia nosso território. Descobriram tardiamente, é verdade, que o título de Capital do Automóvel ostentado por São Bernardo e que se esparrama pelos demais municípios locais não sustenta a contrapartida de riqueza transbordando.


 


Uma pesquisa de campo, mesmo que rápida, mesmo que quase acidental, não deixa pedra sobre pedra dos estragos do descasamento entre oferta e demanda principalmente por imóveis com metragem próxima ou superior a 100 metros quadrados com algum grau de sofisticação de projetos que reúnem os chamados clubes privativos.


 


Gravidade evidente


 


Os preços caem tanto aqui como na mais resistente Capital. Aliás, se caem aqui e também na Capital, como provam as liquidações de grandes empreendedores anunciadas em páginas inteiras de jornais, é sinal mais que claro de que a gravidade na Província é muito maior.


 


A cada dia aumenta o número de especialistas a alertar sobre suposta bolha imobiliária. Não falta, já, quem não tem mais receio em apontar sinais mais que evidentes de que há algo em concreto e cimento verticalizados que destila interrogações, quando não certezas.


 


Aqueles que ainda duvidam de uma das vertentes de bolha imobiliária deveriam conhecer a situação in loco na Província. Desfilar numerais para consolidar mais que a impressão, a certeza de que a situação é grave, não é o caso deste artigo. Tudo o que ocorre está longe das páginas de jornais da Província porque existe um pacto de avestruz a supostamente proteger gama seletivíssima de investidores. Muitos dos quais mancomunadíssimos com autoridades públicas.


 


Mas de que adianta a tentativa de manter um apagão informativo se aquelas luzes a brotar com malemolência no trajeto diário de quem passa nas proximidades do Paço Municipal de São Bernardo, de quem trafega vez ou outra pela Avenida Kennedy, também em São Bernardo, e conta com fontes que rodam diariamente a Província, estão a denunciar com os fachos nas salas de visitas que falta ou escasseia a vizinhança densa anunciada pelos mercadores imobiliários?


 


A mídia ainda não se deu conta de que o povo não é bobo, embora demore para cair a ficha da realidade. O aluguel de salas comerciais começa a ganhar ares de liquidação. Os preços dos apartamentos novos recém-entregues desabam quando o interessado em comprar resolve pesquisar para valer. Não demorará muito até que loucuras sejam cometidas, porque o custo de um imóvel desocupado jamais entra na contabilidade prévia de investidores. Cada dia que passa é um degrau na coluna de déficit não previsto.


 


Credibilidade chamuscada


 


Soubessem os veículos de comunicação o quanto se desmoralizam e se descredenciam como fontes confiáveis ao manterem sob denso silêncio o que se passa no mercado imobiliário voltado principalmente para a classe média tradicional, certamente não sustentariam a irmandade com os mercadores de sempre. O custo-benefício imposto sobre o vetor pétreo de qualquer publicação, a credibilidade dos leitores, é tremendamente desgastante. Dá-se um tiro no próprio pé do futuro ao lubrificar ou tentar lubrificar as engrenagens ruidosas do presente.


 


Até outro dia casa da sogra dos grandes players do mercado imobiliário, a Província do Grande ABC demorará a voltar aos tempos em que apenas os pequenos e médios empreendedores da região, intimamente comprometidos com a região, voltarão a protagonizar os investimentos no setor. Mas novos velhos tempos hão de chegar. Por mais que aqueles que quebraram a cara contem com respaldo econômico para suportar as adulterações que proporcionaram no mercado regional a toque de muito crédito, pouco juízo e desconhecimento total das nuances regionais, o pragmatismo de desertar é compulsório.


 


Só terá futuro no mercado imobiliário da Província do Grande ABC aqueles que jamais deixaram de entender o movimento das pedras econômicas da região. Pedras econômicas que no fundo, no fundo, jamais se alteraram fortemente, porque somos uma região dentro da Região Metropolitana de São Paulo que guarda apenas um resquício demograficamente muito restrito do que a Capital apresenta em níveis muito superiores.


 


O grande erro dos players paulistanos foi acreditar que parte substancial da Província do Grande ABC seria uma réplica de Perdizes, do lado bom do Morumbi, do Itaim, de Moema e de tantas outras porções dos bem-aventurados paulistanos. Caíram do cavalo e levaram muitos moradores da região a acreditarem que finalmente havíamos nos transformado em Cinderela.


 


Aquelas luzes que acendem a cada novo dia num ritmo evolutivo de cágado são as luzes testemunhais de aventuras imobiliárias que os donos do mercado tentam subestimar porque acreditam que a Província reúne apenas anencefálicos. E que alguns que tem algum cérebro são facilmente capturáveis. 


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