Imprensa

Sem jornalismo, o melhor mesmo
é devolver o planeta aos macacos

DANIEL LIMA - 28/03/2013

Quando digo que não tenho a menor saudade dos tempos – longos tempos, aliás – do jornalismo de papel, alguns duvidam. Quatro anos depois de repassar a terceiros incompetentes, inexperientes mas presunçosos a melhor revista regional que este País já produziu, vivo uma experiência que me enriquece a cada dia. Escrever para veículo digital com a cultura de jornalismo de papel é algo fascinante, ação da qual não pretendo me afastar jamais. Por isso, aliás, combato com entusiasmo de debutante e a fúria racional de saldado em campo de batalha a tentativa de o empresário Milton Bigucci calar-me para safar-se de incômodos.


 


A prática de jornalismo digital com os cuidados de adensamento permanente de leitores a que tenho me lançado cristaliza meu dia a dia com igual ou maior intensidade que nos tempos de jornalismo de papel.


 


A diferença é que agora não preciso de uma retaguarda de profissionais da área e de atividades afins para produzir um veículo cujo calendário de consumo estava previamente determinado para a primeira semana de cada mês.


 


Meu horizonte é literalmente amanhã, após dar conta do recado hoje. Só neste ano foram, até agora, mais de 100 textos preparados e editados. Sem ter de me preocupar com a multiplicidade de tarefas de assessoria a terceiros, como nos tempos da revista LivreMercado de papel, quando executava funções de repórter, redator, editor, legendista e tantas outras. Por isso não sobrava tempo nem atenção a outras funções que, gerenciadas por terceiros, acabaram por inviabilizar a companhia. Tanto é verdade que só sobrou o produto consumido pelos leitores como ativo negociável.


 


O jornalismo de papel está para minha formação profissional assim como a bola para os jogadores de futebol. É claro que jamais vou me desvencilhar da cultura do jornalismo de papel. E é exatamente por isso que, acredito, levo vantagem em relação a muita gente que chegou depois, na era da Internet.


 


Responsabilidade intrínseca


 


O jornalismo de papel que aprendi a produzir tem responsabilidade social intrínseca, avalia detalhadamente o passo que posso e devo dar na condução de temários muitas vezes abrasivos. Não é exatamente esse o histórico de quem chegou para fazer jornalismo já num período de plataformas tecnológicas avançadas. Muito menos daqueles que não têm intimidade alguma com o ramo.


 


Ainda outro dia li um artigo de um jornalista veterano que teve a burrice de afirmar que a função jornalística está em extinção após a disseminação de redes sociais, supostamente a democratizar e a monopolizar manifestações da sociedade.


 


Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Democratizar não significa apropriar-se com competência. Há exceções à regra, mas as redes sociais estão infestadas de gente que não sabe distinguir participação, conhecimento e comedimento. E quanto falo em comedimento não pretendo sugestionar quem quer que seja que só deva manter abordagens de superfície. Nada disso. O problema é que a maioria ainda não tem e provavelmente jamais terá a percepção do que seja uma opinião e o que é um ataque descabido. Quanto mais leio comentários ao pé de blogueiros renomados mais tenho certeza de que há uma tendência à banalização da crítica, quando não fundamentalista.


 


Nesse ponto, volto à cena para distinguir alhos de bugalhos. As matérias voltadas a denúncias nesta revista digital têm o respaldo de quem não coloca a mão em cumbuca.


 


Sei que sei que a cultura nacional e internacional ainda é de, na maioria dos casos, dar-se mais crédito a bobagens impressas por veículos de papel mais que negligentes do que a publicações digitais centralmente focadas em contar com densidade informativa a salvo de qualquer ataque.


 


Traduzindo: aprendi ao fazer jornalismo digital que é indispensável ser ainda mais criterioso e cuidadoso do que nos tempos de jornalismo impresso, porque só assim será possível estender uma rede de confiança que capture cada vez mais leitores qualificados. O esforço, portanto, é redobrado, porque o meio ainda não tem o mesmo grau de confiabilidade da mensagem produzida por quem é do ramo.


 


Um texto precioso


 


Estava dizendo um pouco acima que um experiente jornalista chegou a projetar o fim dos profissionais de comunicação por conta dos milhões de agentes da sociedade que se metem a intervir nos processos de comunicação. Puro engano do articulista.


 


Aliás, sobre isso, um texto que consta do site Observatório da Imprensa, sob o título “Os jornalistas são cada vez mais necessários”, é elucidativo. Preparado por Elisa Silió e reproduzido do El País sob o título original “Los periodistas son cada vez más necessários para vertebrar a realidade”, o artigo chama a atenção exatamente sobre os vaticínios esfarrapados de que os jornalistas seriam uma categoria em extinção ante a nova realidade de plataformas múltiplas.


 


Particularmente, um trecho do artigo me chamou mais a atenção que tantos outros fortemente emblemáticos de uma mensagem de entusiasmo em defesa de uma profissão maltratada e desvalorizada. “El periodismo es um mediador y descodificador de lo real ante la sociedade. Bastará para nuestra formación como ciudadanos livres e independientes la información rápida que corre por las redes sociales y que compartem nuestros amigos de Facebook?, se pergunto”. Concluyó que “definitivamente no”. “Mas que nunca la universidade y las escuelas de periodismo tienen uma missión vital em la formación de los futuros profesionales”.


 


O massacre imposto à maioria dos jornalistas nas grandes e médias redações brasileiras não é diferente da universalização do empobrecimento intelectual e financeiro de uma atividade cujo esgotamento crítico já atinge e atingirá ainda mais o processo democrático.


 


A teoria de substituição de cérebros especializados em informações com agregado de valor crítico por robozinhos dispostos a seguir manuais de isenção absoluta em textos insípidos que dominam grande parte da mídia nacional, é um processo insidioso que comoditiza os veículos e os tornam tão semelhantes que não haverá motivo brevemente para que carreguem identidade própria.


 


É claro que jamais direi que desta água não voltarei a beber, até porque o enredo de eventual novo capítulo seria completamente diferente do já vivido, mas não tenho pretensão em reviver o período de jornalismo de papel que me sugava a paciência, me escravizava o tempo, me excluía de muitos prazeres do cotidiano e me condenava a uma disputa permanente por melhoria dos processos de produção e de produtividade.


 


Medindo capacitação


 


Cheguei ao ponto de criar uma metodologia de medição de talento e produção editorial, cujo resultado se expressava em produtividade de cada profissional sob meu comando. Algo revolucionário que tornava a simples medição de espaço editorial adotada pelo Diário do Grande ABC durante várias décadas não mais que uma caricatura de administração.


 


Provei com aquele trabalho que um jornalista que preparava fisicamente 50 mil caracteres por edição de LivreMercado não era necessariamente menos produtivo que um outro jornalista que produzisse o dobro. O tempo despendido ao que chamaria de produção líquida do material jornalístico a ser editado e a nota atribuída a cada matéria reuniam muito mais força qualificativa do que o convencionalismo da produção física linear.


 


Descobri com aquela iniciativa inédita que quem ganhava o menor salário mais custava à companhia quando se colocavam à intersecção de valores a produção física em confronto com o tempo de limpeza e a qualidade do texto.


 


É por essas e outras nuances de quem já está perto de completar 50 anos de jornalismo que não é possível acreditar no fim de uma profissão que independe da plataforma de que se utiliza para obter respeito dos leitores.


 


Talvez o jornalismo da forma que entendemos deva ser tipificado só venha a sucumbir se a sociedade tornar-se tão fastfoodiana a ponto de descartar textos que vão muito além da superficialidade. Aí, convenhamos, seria o fim dos tempos. Seria mais ajuizado devolver o planeta aos macacos.


 


Ao assistir ao programa de aniversário de 20 anos de Manhattan Connection, em canal por assinatura, e ouvir cinco jovens encantados nos estúdios em São Paulo, não poderia deixar de acreditar que haverá sempre espaço para jornalismo de reflexões, interpretações e impertinência.


 


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Multifuncionalidade com produtividade editorial


 


Redação administrada


 


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