Para um jornal que passou os anos 1990 enganando os leitores ao tentar esconder a crise e os desdobramentos sociais e econômicos da desindustrialização do Grande ABC (enquanto este jornalista, à frente da revista LivreMercado, desvendava com sua equipe a realidade regional) não surpreende que, mais uma vez, mesmo com novo dono, um dono que não entende nada de jornalismo, o Diário do Grande ABC lustre servilmente as botas dos cenaristas do mercado imobiliário.
A manchete principal de primeira página da edição de domingo (”Construtoras estão de olho na nova classe média”) é ilustrativa da aberração jornalística temperada com ganância mercantilista. Existisse um órgão assemelhado ao Procon para tratar de questões da comunicação, certamente provocaria constrangimentos ao jornal sediado na Rua Catequese.
O Diário do Grande ABC atua como aliado e propagandista do braço mais irresponsável de interlocução do mercado imobiliário e a sociedade do Grande ABC, no caso a pífia representação de Milton Bigucci, empresário da área e presidente de uma entidade que se diz regional e que conta com alguns gatos pingados diretivos, amigos e fornecedores de seus empreendimentos.
Querem informação mais suspeita do que a que sai de Milton Bigucci, uma falsa liderança de classe porque não conta com respaldo de pequenos e médios empresários do setor no Grande ABC?
Fosse o Diário do Grande ABC minimamente cuidadoso com informação de interesse social (e se o mercado imobiliário normalmente tem essa tessitura, imaginem nestes tempos de loucura total de investimentos e financiamentos?), a manchete da edição de domingo deveria ser sumariamente varrida na reunião de editores. Aliás, acreditava que pelas formalidades democráticas de praxe no ambiente editorial a manchete teria passado pelo crivo de sensibilidade dos editores, mas há informações em contrário: a pauta veio de cima, por conta de artigo que escrevi semana passada neste espaço e que chama a atenção aos erros e perigos no mercado imobiliário da região.
A manchete de primeira página do Diário do Grande ABC mostra as digitais de um crime de lesa-credibilidade tanto do jornal quanto da entidade que supostamente dirige o mercado imobiliário do Grande ABC. “Construtoras estão de olho na nova classe média” é um título tão defasado no mercado nacional quanto estúpido no mercado regional quando se observa o que vem a seguir. Na linha auxiliar da manchete o Diário do GrandeABC entrega a rapadura da inconsistência e da precipitação, além de abraçar de vez a cintura desengonçada da bajulação e do entreguismo mercantilista: “Famílias com renda mensal de R$ 5.100 buscam imóvel no valor de R$ 400 mil”.
Os leitores deste site não estão enganados, muito menos este jornalista que reproduz aquela manchete e aquela linha complementar. Os valores, incompatíveis com a lógica financeira e de sobrevivência, estão sim na primeira página do Diário do Grande ABC. Querem ter certeza disso? Leiam a chamada de primeira página e, apenas como exercício crítico, imaginem a correlação de comprometimento de renda familiar no financiamento do pagamento de imóvel:
Não vou me estender no detalhamento dos textos que ocuparam alguns retalhos de páginas da edição de domingo do Diário do Grande ABC porque já os resumi acima. Prefiro lançar mão de uma matéria muito mais ajuizada, ponderada e responsável publicada neste mesmo domingo no caderno de Imóveis da Folha de S. Paulo sob o título “Bancos ampliam comprometimento de renda em crédito”.
Vejam alguns trechos:
A reportagem da Folha de S. Paulo dá espaço também para análise, algo inovador no jornalismo diário para tentar estancar a perda de leitores para o padrão fastfoodiano da Internet. O especialista Ricardo Pereira, educador financeiro, graduado em ciências contábeis com especialização em finanças pessoais, escreveu:
O que a Folha de S. Paulo e o Diário do Grande ABC deixaram de escrever é que há uma armadilha capitalista que pode fazer toda a diferença num futuro não muito distante para milhares de famílias empolgadas com o noticiário encomendado: a alienação fiduciária do bem financiado que, em síntese, significa a perda do imóvel por inadimplência.
Os mercadores imobiliários não têm preocupação alguma em apontar essa ameaça. Eles querem mesmo é faturar, mesmo que para isso Classe Média Emergente seja levada ao matadouro de imóveis de Classe Média Média.
Há irresponsáveis na praça que deveriam responder por crime de ilusionismo.
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