Economia

Um exemplo de que mais pode
ser menos na economia regional

DANIEL LIMA - 08/10/2010

Quando escrevi, ainda outro dia, que há pegadinhas estatísticas sobre as quais devemos reservar cuidados, referindo-me diretamente ao lugar comum de que mais empresas significariam necessariamente maior dinamismo econômico, sabia que voltaria ao assunto. E vou diretamente ao foco: em 11 anos, entre janeiro de 1999 e janeiro de 2010, o Grande ABC aumentou o estoque de empreendimentos em 32,4%. Passou de 71.878 para 95.202 unidades de comércio, serviços, indústrias e, acreditem, agropecuária. Mesmo assim, entretanto, perdeu 11% de participação nacional no Índice de Potencial de Consumo, volume de tudo que as famílias têm para gastar numa temporada, somando-se salários e rendimentos diversos.


A tradução desses números, em termos práticos, é a seguinte: temos muito mais competidores pelos bolsos dos consumidores.


Resultado disso é aperto adicional, geral e irrestrito na rentabilidade dos negócios. Quando não, elevação persistente do obituário empresarial. Esse, aliás, é um dos motivos do estreitamento do potencial de investimentos publicitários na região.


Parece bobagem lembrar que muitas vezes na economia mais significa menos, mas é importante ressaltar esse fenômeno. Não faltaram ao longo dos anos 1990 vozes de glorificação regional, sobretudo nas esferas políticas e econômicas. Gente escolhida a dedo para vender ilusões lançava mão de estatísticas sob medida para tentar destruir argumentação fundamentada em números transversais da quebra do dinamismo do Grande ABC. Eram resultados da desindustrialização acentuada que ceifou mais de 100 mil empregos industriais com carteira assinada no período — 86 mil dos quais durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que se estendeu até 2002.


Números transversais é expressão que quer dizer mais ou menos o seguinte em termos jornalísticos: sempre recorri a mais de um indicador para definir conceitos de determinadas questões econômicas. Sei muito bem por experiência própria, de embates com especialistas em manipulação, que quanto menos alternativas à construção de sentenças que envolvem números, mais sobem os riscos de cair do cavalo.


Transgressores éticos adotam recorrentemente a quantidade de empreendimentos como proteção ao discurso de ocasião. Cruzar informações, confrontá-las, esmiuçá-las, detalhá-las, são caminhos mais recomendáveis à fuga da desmoralização, mas em igual proporção provocam antipatias de falsos regionalistas. Números transversais geram análises sólidas porque sufocam a volúpia de mistificadores, mas também desdobram-se em perseguição aos racionalistas.


O que é seletivamente pinçado para fantasiar determinadas situações não resiste ao cruzamento de informações correlatas.


No futebol há situações correspondentes, como as estatísticas de posse de bola que nem sempre expressam a realidade tática e numérica do jogo. Um time com posse de bola burocrática está sempre mais suscetível à derrota quando se defronta com adversário objetivamente cortante. Economia e futebol têm muito mais semelhanças do que prescrevem acadêmicos de gabinete invariavelmente predispostos a agradar entrevistadores.


Talvez o quadro econômico tenha sofrido certa acomodação nos últimos anos, já que a economia regional recuperou parte da produção perdida com a implementação da farra de financiamento a longo prazo no mercado automobilístico, atividade básica do PIB local. Entretanto, uma experiência que vivi durante muitos anos à frente da área editorial (e também da distribuição) da revista LivreMercado é emblemática ao enquadramento histórico dos anos 1990.


Trata-se da vulnerabilidade dos pequenos negócios de comércio e serviços, vítimas de uma roda-viva ditada pelo canibalismo concorrencial num momento de intensa disputa por sobrevivência de trabalhadores industriais que se viram no olho da rua. A maioria se meteu a empreender com o capital das indenizações sem levar em conta o despreparo técnico pessoal e as arapucas legais. Apertar parafusos era realidade que não combinava com a engenhosidade de negócios num ambiente hostil que a maioria dos novos navegantes imaginava tranquila por idealizar uma realidade econômica mistificada pelo chão de fábrica.


Tínhamos então, com a febre de empreendedorismo, uma corrida de malucos, porque confrontava a lógica econômica de quebra do PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC. Quanto mais competidores comerciais e de serviços se jogavam nas águas revoltas do oceano de debacle industrial, mais se potencializavam afogamentos.


Se as estatísticas daqueles anos poderiam soterrar a dicotomia de mais empreendimentos e menos PIB, o mensageiro de LivreMercado, destacado a atualizar o cadastro de empresas comerciais e de serviços, executava função esclarecedora. Ele simplesmente varria os bairros incansavelmente à cata de cartões de estabelecimentos a serem cadastrados. A rotatividade era intensa. Num período de poucos meses o mesmo espaço físico, com novas configurações, ganhara nova denominação e atividade e em seguida a identidade jurídica e a finalidade econômica sofriam nova mudança. Um açougue virava quitanda e em seguida pizzaria num piscar de olhos. Sempre com novos proprietários. Era uma ciranda infernal a denunciar a fragilidade das estatísticas.


Recordo-me daqueles anos de profundas mudanças no Grande ABC, mudanças sempre contestadas por paspalhões de plantão, cultivadores do mundo cor-de-rosa. Agora, ao manusear a planilha enviada pelo IPC Marketing, vejo o quadro de empresas formais comparando os números nas duas pontas de intervalo de 11 anos. O aumento de unidades empresariais no Grande ABC já foi proporcionalmente muito maior. O acumulado de 32% no período é refresco perto dos anos 1990, período de desindustrialização tormentosa. De uns tempos para cá vivemos fase de solavancos numéricos menos agressivos, mas nem por isso desprezíveis.


Houve de fato certa acomodação. Nada surpreendente, porque não é todo mundo que tem todo o dinheiro do mundo para teimar em virar empreendedor quando as portas de oportunidades se contraem sob o peso de concorrência feroz que ultrapassa a arena de outros pequenos negócios e se instala na brutalidade de confrontos desiguais com conglomerados nacionais e internacionais, situação sobre a qual as entidades de classe dão tratamento fatalista quando de fato, a questão exige estudos, planejamento e muito trabalho.


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