Economia

Bolha imobiliária opõe Sachsida e
Ricardo Amorim. Quem tem razão?

DANIEL LIMA - 16/04/2013

Quem tem razão sou eu (porque conheço bem a Província do Grande ABC) e vou explicar os porquês. Mas isso não quer dizer que tanto um (Adolfo Sachsida), quanto outro (Ricardo Amorim) também não estejam montados em bons argumentos. Entretanto, para meu gosto e conhecimento, o segundo, protagonistas de um dos programas mais inteligentes da TV brasileira, Manhattan Connection, equilibra-se num cabo de aço a 500 metros de altura, enquanto o outro tenha ido muito além de interpretações polêmicas ao cantar uma bola mais que provável sobre o que teremos no mercado imobiliário num futuro não muito distante, sempre tendo como base o estouro da bolha.


 


Transformei os dois textos desses economistas em debate virtual nesta revista digital. Não é a primeira vez nem será a última que me utilizo desse expediente didático para tentar provocar a atenção e a inteligência dos leitores. Dividi em três partes os artigos que eles escreveram recentemente. Sachsida assina um blog. Amorim e colaborador da revista IstoÉ.


 


Afinal, teremos ou temos bolha imobiliária no Brasil? Vejam o que eles escreveram. Na sequência, exponho minhas ideias para tentar provar que tenho apetrechos para acabar com a discussão. Acabar? Diríamos que para tentar dar uma aclarada no ambiente de Fla-Flu. Tanto que há cada vez mais leitores ávidos por consultar o site “Bolha Imobiliária”.


 


Sinal de que uma parcela da sociedade está ansiosa com o que se apresenta e é olimpicamente desdenhada pela mídia regional, pela mídia estadual e também pela mídia de alcance nacional. O poder de fogo do mercado imobiliário é fortíssimo e a mídia tradicional cada vez mais dependente da concentração de financiadores publicitários, cultivadores de constrangimentos implícitos à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, prefere se omitir.


 


Vamos então ao debate entre Sachsida e Amorim. Vivemos ou não vivemos uma bolha imobiliária?


 


Adolfo Sachsida -- A política monetária expansionista dos últimos anos tem mantido a taxa de juros em níveis artificialmente baixos. Concomitante a isso, tem ocorrido vigorosa expansão do crédito, mesmo a setores da população com duvidosa capacidade de pagamento. Lembramos ainda que boa parte do crédito no Brasil é direcionado ao mercado imobiliário. A política fiscal também é claramente expansionista, direcionando inclusive muitos recursos para o mercado de construção civil, com destaques para programas como o Minha Casa Minha Vida, e a construção de estádios para a Copa do Mundo. Tais políticas públicas estão criando uma bolha no mercado imobiliário: o crédito barato estimula artificialmente a demanda por mais imóveis, cada vez a preços mais altos, e os gastos do governo pressionam ainda mais os custos do setor de construção. Não é o mercado que está criando a bolha. A bolha imobiliária no Brasil está sendo criada por uma combinação de políticas monetárias e fiscais expansionistas, que direcionam vultosos recursos para o setor imobiliário.


 


Ricardo Amorim -- Desde 2008, quando surgiram os primeiros comentários de bolha imobiliária em vias de estourar no Brasil, tenho analisado evidências históricas e internacionais, refutando até aqui tais alegações e concluindo que, provavelmente, os preços continuariam a subir. De acordo com a consultoria britânica Knight Frank, entre os 53 países com os maiores mercados imobiliários globais, o Brasil teve em 2012 a maior alta de preços de imóveis residenciais: 13,7%, em média. Resolvi atualizar e expandir meus estudos. Há um ano, usei o consumo anual per capita de cimento como estimativa do grau de aquecimento da atividade no setor imobiliário em momentos de estouro de bolhas em vários países. Hoje, pelas minhas contas, esse indicador chegou a 361 quilos no Brasil. No ritmo médio de crescimento dos últimos 10 anos, que foi de 5% ao ano, em apenas dois anos atingiríamos o nível mais baixo de estouro de bolhas, que é de 400 quilos, o que sugeriria cautela. Por outro lado, o nível máximo de consumo de cimento antes de as bolhas estourarem, em alguns casos, passou de 1.600 quilos anuais per capita. Para chegar a esse patamar, o Brasil levaria mais 80 anos. Por esse parâmetro, poderíamos estar entre dois e 80 anos do estouro de uma bolha. Pouco se conclui.



Adolfo Sachsida -- As taxas de juros internacionais estão num patamar mínimo histórico; quando estas aumentarem o Brasil será obrigado a fazer o mesmo. O aumento das taxas de juros criará consideráveis dificuldades ao setor imobiliário brasileiro por pelo menos dois motivos: a) torna inviáveis economicamente determinados projetos que antes eram viáveis. Isso não só diminui a oferta do setor de construção civil, mas também acarreta prejuízos ao setor. Afinal, empreendimentos que já começaram terão que ser suspensos ou reavaliados; e b) como a esmagadora maioria dos contratos de financiamento imobiliário é pós-fixada, isto implica que um aumento nas taxas de juros aumenta o valor das parcelas a serem pagas durante o financiamento. Ou seja, aumenta a chance do mutuário não ser capaz de honrar com suas dívidas e tornar-se inadimplente. O aumento da taxa de juros irá fazer explodir a bolha no mercado imobiliário brasileiro.


 


Ricardo Amorim -- O segundo indicador importante é o total de crédito imobiliário disponível. Crédito permite que mais gente compre imóveis, aumentando a procura por eles e elevando seus preços. No Brasil, apesar do crescimento dos últimos anos, ele ainda é de apenas 7% do PIB, muito distante dos 50% do PIB que costuma ser o mínimo quando bolhas imobiliárias estouram. Mesmo considerando-se uma expansão ao ritmo dos dois últimos anos, que foi de 1,4% do PIB ao ano, o mais rápido da nossa história, levaríamos mais de 30 anos para chegar a 50% do PIB. Sinal de tranquilidade. Por fim, como anda a capacidade de pagamento dos brasileiros? Levando-se em conta os preços dos imóveis em relação à renda no mundo, chama a atenção a grande dispersão entre as maiores cidades brasileiras, com algumas entre as mais caras e outras entre as mais baratas. Das 50 cidades mais caras do planeta, 49 estão em países emergentes, incluindo quatro no Brasil: Brasília (10ª), Rio de Janeiro (25ª), Belo Horizonte (43ª) e Porto Alegre (45ª). Por outro lado, Salvador não está mais entre as 100 mais caras do mundo, Fortaleza é uma das únicas 10 cidades entre as 50 mais baratas do mundo que não estão nos EUA, e Campinas também está entre as 100 mais baratas. Entre os 385 maiores mercados imobiliários globais, a classificação média das 11 cidades brasileiras incluídas foi 124ª, sugerindo que o mercado brasileiro como um todo está um pouco mais caro do que a média, mas distante dos mais caros do planeta. Entre os mercados emergentes, o Brasil está mais barato do que a média.

Adolfo Sachsida -- A Taxa Referencial (TR) é o segredo! Quando se assina um financiamento imobiliário, na esmagadora maioria dos casos a taxa de juros é representada por X% + TR. O X% representa a taxa de juros fixa (no Brasil geralmente entre 7% e 12%). Ou seja, esta parte não muda. Contudo, a TR é variável!!! No momento, ninguém presta atenção na TR pois hoje está em 0% (ou muito próximo disso). Quando os juros subirem, a Caixa Econômica Federal vai ter que repassar isso aos mutuários. A única maneira de se fazer isso é mexendo na TR. Alguém realmente acredita que num ambiente de crise o governo vai aumentar a TR na proporção correta? O mais provável é que o governo jogue essa perda toda para o Tesouro Nacional!!! Isto é, a bolha imobiliária vai explodir, mas quem comprou imóvel também não irá pagar toda conta. Parte dessa conta será paga pelo Tesouro (ou seja, por todos os contribuintes). Acha que estou falando besteira, então te pergunto: se lembra do antigo Banco Nacional de Habitação (BNH)? O que estou dizendo já ocorreu no passado, quando várias famílias compraram inclusive imóveis na praia e não pagaram por seu custo integral.


 


Ricardo Amorim -- Outro aspecto favorável é que um menor percentual da renda necessário para pagamento mensal de hipotecas sugere que no Brasil temos melhor capacidade de honrar dívidas. Além disso, comparando o preço de compra de imóveis com o custo de alugá-los, constata-se que no Brasil aluguéis elevados estimulam compras mais do que no resto do mundo. Por fim, a desvalorização do real barateou os imóveis no Brasil para compradores estrangeiros.


 


Cuidado com a média


 


Toda a estrutura teórica lançada pelo economista Ricardo Amorim é construída sobre pressupostos macroeconômicos que levam em conta o conceito de média atrelada ao PIB per capita. Os confrontos numéricos são armadilhas que se opõem a vetores práticos. A desigualdade de renda no Brasil, sem referenciais no mundo civilizado, já seria um sinal de alerta a conjecturas centralizadas em um ponto supostamente de equilíbrio entre o máximo e o mínimo.


 


Mas isso ainda é pouco como explicação à desconfiança de que o apresentador de televisão formado pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Administração e Finanças Internacionais pela ESSEC (École Supérieure des Sciences Enonomiques et Commerciales) de Paris trafega por geografias que não combinam com o chão pátrio.


 


A Província do Grande ABC não é o único exemplo do excesso de oferta de imóveis, agravada pela demanda cada vez mais retraída. Faltam números confiáveis sobre o consumo per capita de cimento, como defende Ricardo Amorim em sua tese antibolha. Uma pena, porque o cruzamento com a renda per capita provavelmente seria dantesco. E faria Adolfo Sachsida, mestre em Economia pela Universidade de Brasília e pós-doutorado pela Universidade do Alabama, nadar de braçadas.


 


Como escrevi há mais de um ano, a Província do Grande ABC é palco de nichos e micos do mercado imobiliário. Possivelmente é uma extensão do que ocorre no Brasil como um todo. Há empreendimentos sufocados pela ausência de interessados entre outros motivos porque a tipologia do negócio conflita com o potencial de consumo de extratos sociais mais modestos.


 


Grandes construtoras e incorporadoras da Capital já debandaram ou riscaram a Província de futuros empreendimentos porque quebraram a cara. Há uma falsa imagem de progresso de uma região que nos últimos 20 anos teve dividida a atividade econômica em duas partes: nos anos 1990 sofreu as mais duras quebras de produção e distribuição de riqueza no País e, na primeira década dos anos 2000, principalmente durante os dois mandatos de Lula da Silva, reagiu com investimentos do setor automotivo mas, mesmo assim, não recuperou as perdas anteriores em números absolutos, quanto mais m indicadores conectados à média per capita. 


 


A definição de bolha imobiliária normalmente fixada nos estragos que contaminam o sistema financeiro não me parece a mais ajuizada, porque ortodoxa. Tanto quanto o conceito de desindustrialização, igualmente simplificado e que me motivou, há uns 10 anos, por conta de experiência prática na região, a elaborar o que chamaria de flexibilidade avaliativa.


 


É possível até que, ante a solidez interpretativa de Adolfo Sachsida, sobretudo no ônus que caberá a União ante o descompasso entre os estoques ativos de financiamentos de imóveis e o aumento da taxa de juros, a bolha imobiliária no sentido convencional da expressão não exploda no País. Mas sob outros ângulos, de territórios devastados por imóveis vazios, cujo fluxo de vendas e ocupação será por demais lento, como já se registra na Província do Grande ABC, a bolha imobiliária está mais que consumada.


 


Tendo que me definir, porque detesto ficar em cima do muro, entre Sachsida e Amorim, tomo partido do primeiro sem pestanejar. Os macronúmeros de Ricardo Amorim impressionam tanto que me levam compulsoriamente a “Os números (não) mentem”, uma obra-prima que desmistifica o poder de sedução dos algarismos. Ricardo Amorim tem sim bases sólidas para a argumentação exposta possivelmente abraçada por grande contingente de leitores; entretanto, as especificidades regionais do mercado imobiliário não comportam o repasse automático de realidades ancoradas por médias nacionais.


 


Sem contar que o confronto de comprometimento do crédito imobiliário em relação ao PIB entre Brasil e Estados Unidos já provocou providenciais contragolpes à tese de que temos espaços de sobra a manobras. Há nuances sobre endividamento médio da população que ultrapassam o espaço imobiliário e revertem aquela avaliação. No conjunto da obra de potencial de comprometimento de renda, estamos mais suscetíveis a grandes percalços ante eventual sacolejada econômica que afete, por exemplo, o mercado de trabalho, do que os norte-americanos.


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