Imprensa

Justiça contraria autoritarismo de
Bigucci e mantém revista inviolável

DANIEL LIMA - 26/04/2013







O Poder Judiciário de São Bernardo (da 4ª Vara Cível) sustentou expressamente limites à tentativa do empresário Milton Bigucci subjugar a revista digital CapitalSocial. Depois de quatro tentativas de sufocar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, em ações naquela jurisdição e também no Tribunal de Justiça de São Paulo, Milton Bigucci foi derrotado fragorosamente.


 


O Judiciário não só interditou a busca frenética de impedimento do exercício democrático de jornalismo como também condenou o empresário ao pagamento de despesas processuais e honorários de advogado. O juiz Sergio Hideo Okabayashi produziu uma sentença que honra o Judiciário, adotando entre as citações para consolidar o veredito que “o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar”.


 


Presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, o Clube dos Construtores, entidade completamente alheia ao mínimo desejável de representatividade de classe e, mais que isso, inteiramente divorciada dos pressupostos de relacionamento comprometido com os anseios da sociedade, Milton Bigucci reagiu aos textos de CapitalSocial com o vezo ditatorial com que conduz aquela organização há mais de duas décadas. 


 


Acostumado a receber apenas aplausos desmedidos de uma mídia quase unânime na omissão crítica aos descalabros informativos que produz em forma de supostas pesquisas do comportamento do mercado imobiliário na Província do Grande ABC, Milton Bigucci reagiu às publicações desta revista digital com o viés típico dos coronéis urbanos. Tanto que sempre se negou a prestar informações a CapitalSocial. Foram quatro tentativas de entrevistas no período de quase dois anos em que impetrou ação contra a publicação. Para Milton Bigucci, qualquer indagação que fuja ao controle de um proselitismo corporativo vira ofensa.


 


O processo julgado pelo juiz da 4ª Vara Cível de São Bernardo não envolve as denúncias de CapitalSocial sobre os desvios que levaram a MBigucci a arrematar a área então pública na qual já começou a construir o empreendimento Marco Zero. CapitalSocial aguarda desdobramentos do Ministério Público de São Bernardo que, em princípio, sem avançar mais detalhadamente, remeteu o processo a arquivamento.


 


Como provou de forma consistente que a licitação realizada em julho de 2008 foi apenas uma encenação a garantir o sucesso da MBigucci, CapitalSocial insiste na denúncia e, mais que isso, reitera o desafio a Milton Bigucci no sentido de que encaminhe novo processo judicial contra este jornalista. Talvez seja esse o único caminho possível para a retomada das investigações, um caminho ideal para consolidar as informações desta revista digital.


 


Um marco importante


 


A derrota do presidente do Clube dos Construtores e comandante do vitorioso conglomerado imobiliário MBigucci é um marco importante na história do jornalismo regional. Quem sabe, poderá sinalizar algumas eventuais reações de liberdade de expressão que suplantem os interesses econômicos coercitivos que predominam em larga parte no relacionamento entre poderes públicos, mercado e a imprensa da região. A sentença do juiz da 4ª Vara Cível de São Bernardo prova também que a onda de estrangulamento da liberdade de expressão no jornalismo pátrio encontra barreiras que cristalizam a maturidade do Judiciário no entendimento dos ditames constitucionais.


 


Em recente editorial sob o título “Decisões contra a imprensa ferem direito de expressão”, o jornal O Estado de São Paulo demonstrou preocupação com o assunto. “O direito de expressão, consagrado na Constituição, tem sido ignorado em sucessivas decisões de juízes de primeira instância, tomadas principalmente contra veículos de comunicação. Mesmo posteriormente reformadas em tribunais superiores, essas sentenças causam prejuízo à imprensa e, em especial, à sociedade, que se vê privada dos instrumentos para formar sua opinião sobre os problemas do País e sobre a atuação das autoridades. Longe de serem casos isolados ou anedóticos, trata-se de um sintoma de enfraquecimento da democracia” – escreveu o editorialista do Estadão em três de fevereiro último.


 


Lembrou aquele editorial de um dos principais veículos impressos de comunicação do País que uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) constatou que, no ano passado, houve 11 decisões judiciais que determinaram a censura à imprensa. Em cinco anos, foram nada menos que 57 casos. “A banalização do uso de instrumentos judiciais para impedir a livre circulação de ideais e informações levou Carlos Ayres Brito a criar em novembro passado, às vésperas de se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça. A intenção é ter um centro de documentação e de dados para observar e debater as ações da Justiça contra jornalistas”— publicou o Estadão.


 


A sentença do juiz da 4ª Vara Cível de São Bernardo ganha maior relevância ainda quando se observam os parágrafos seguintes do editorial do Estadão de três de fevereiro: “Não contentes em determinar a supressão de informações e de opiniões, o que já é, em si, uma violência, alguns juízes parecem dispostos a também estabelecer os procedimentos editoriais que deveriam ser seguidos pelos veículos de comunicação dali em diante (...). Trata-se de uma evidente afronta ao direito de opinião” – escreveu o Estadão.


 


Expectativa confirmada


 


Para o advogado Alexandre Marques Frias, que representa CapitalSocial no combate à ação movida por Milton Bigucci, a sentença judicial seguiu rigorosamente a expectativa, entre outras razões porque corrobora a tese de que o dirigente do Clube dos Incorporadores não pode sugerir que esteja blindado, apesar de ser agente de interesse público: “A caracterização da atividade empresarial e institucional de Milton Bigucci é elemento crucial à aniquilação da tentativa de estuprar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, porque em nenhum parágrafo ao longo dos textos de CapitalSocial houve qualquer incursão que não fosse direcionada àqueles dois mundos, sem incluir mesmo que tangencialmente o âmbito pessoal do empresário” – afirmou.


 


Milton Bigucci utilizou todas as armas possíveis para tentar obter sucesso no Judiciário e, com isso, suprimir dos arquivos de CapitalSocial tudo sobre o que se refere às suas atividades empresariais e institucionais. Contou para tanto, inclusive, com o testemunho do presidente subseção de Santo André da Ordem dos Advogados do Brasil, Fábio Picarelli, que, aquiescendo ao pedido de carregar tintas sobre o perfil de trabalho deste jornalista para interromper o circuito de informação, disse textualmente que se trata de um profissional “severo”. Nada mais elogioso quando direcionado a quem tem uma atividade estritamente de responsabilidade social. Incomparavelmente melhor que “contraditório”, qualificação que poderia ser remetida à intervenção do dirigente da OAB, entidade cuja premissa pétrea é o compromisso com a liberdade num sentido tão abrangente quanto a atividade jornalística.


 


Leia a sentença


 


CapitalSocial reproduz, na sequência, os principais parágrafos da sentença do juiz Sergio Hideo Okabayashi:


 Ao abordar temática profissional, institucional e política do autor, o réu assinou diversas publicações (...). Realmente, a leitura de todos os textos demonstra que o réu tem linguagem carregada, direta e até mesmo agressiva. Relata fatos e a partir deles apresenta digressões que, via de regra, são negativas em relação ao autor. Todavia, o Juízo não apura, pontualmente, caso de abuso do direito de informar ou deliberada intenção de atingir a honra do requerente nas opiniões e questionamentos levantados pelo réu. Homem público e vitorioso, deve o autor estar preparado para a crítica severa. Sua exposição é maior que a do cidadão anônimo e comum do ABC. Assim como a imprensa o promove e com isso se contenta, também deve conviver com sofismas e questionamentos. Logo, face à conduta do réu, aceita-se seu aborrecimento, seu tormento transitório, mas não se acata a tese de sofrimento demasiado, capaz de gerar danos morais. Quanto ao mais e adequado ao caso, acrescente-se que: [...] o conteúdo da matéria não ultrapassou o limite do razoável na técnica de apuração, compreensão e linguagem do jornalista, e, também neste campo, foi a edição com o título identificando o que se poderia ler e que, em tudo, não se afastou do que efetivamente foi divulgado. Daí porque são oportunas as considerações do Desembargador Maia da Cunha, dessa 4ª. Câmara, no sentido de que: “Com efeito, em casos complexos de proximidade entre dois direitos constitucionais, é necessário lembrar que a constituição Federal protege tanto o direito de informar, com base na liberdade de imprensa, quanto o direito de o cidadão ter preservadas de ofensas a sua honra e a sua dignidade. A livre manifestação da imprensa, assim, encontra limite apenas na ofensa à honra e à dignidade daqueles que se veem objeto de notícia ou de reportagem. Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tormentoso tema, lançando obras riquíssimas acerca de assunto e todos, sem exceção, sempre reconheceram a dificuldade de conciliar e equilibrar conceitos de tamanha grandeza. A liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa precisam ser compatibilizadas com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra enxovalhada e denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar. A partir daí, o que precisa se analisar, em cada caso positivo, se ele atingiu a honra daquele que protagonizou o fato veiculado a pretexto do direito de informação (...)” (Apelação Cível nº 570.209-4/0-00). Portanto, pela essência da matéria, examinando-a com a ressalva que se deve fazer aos editoriais, cujos leitores “... têm o hábito de pensar por si próprios, de modo que se um editorial é arbitrário, ou se as suas conclusões não se cingem a determinadas normas ou premissas, não logrará despertar receptividade nem alcançará as finalidades que pretende” (citação por Israel Drapkin Senderey, Imprensa e criminalidade, SP: José Bushatsky, 1983), não se pode concluir de modo diverso; nesse caso como se cuidasse de um abuso desse direito, apto a justificar uma indenização. A propósito, e de certo modo estabelecendo um parâmetro para a verificação do abuso, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 984.803-ES, relatado pela eminente Ministra Nancy Andrighi, assentou que o abuso do direito de informar e criticar não se condiciona à certeza absoluta da veracidade da informação ou da crítica, afirmando que “Impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte”, uma vez que “O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial”. Concluiu Sua Excelência que “O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar” (3ª Turma, julgamento de 26.05.2009, DJe 19/08/2009). Nesse vértice, também não se encontra conclusão atual ou mesmo comentário moderno a ponto de expor negativamente o apelante, revelando uma intenção específica a denegrir sua honra, daí a prejudicá-lo pela publicação daquela crítica. [...] (Ap. n. 0130851-55.2008.8.26.0000, rel. Des. Teixeira Leite, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 07.04. 11). Por fim, assente-se que a prova oral não reforma o quanto concluído. Foram ouvidas testemunhas na fase de instrução (...). Narraram pretenso sofrimento pessoal, familiar e social do autor face às publicações impugnadas. Deram ênfase, ainda, à análise que fizeram sobre textos publicados pelo réu. Contudo, sobre fatos específicos pouco acrescentaram. Em nada, conclua- se, modificaram o quadro inaugurado na petição inicial. Pelo exposto, julga-se IMPROCEDENTE a demanda. Sucumbente, arcará o autor com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários de advogado fixados em 15% sobre o valor da causa. 


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