Vem dos Estados Unidos a dupla ameaça à economia do Grande ABC, que sobrevive graças a duas doenças holandesas: a indústria automotiva e o polo petroquímico. Sobretudo à doença holandesa das montadoras de veículos, que além de gerar impostos que se transformam em receitas orçamentárias públicas também assegura nível importante de empregos. É verdade que com danos colaterais, mas isso é outra história.
Um estudo do Banco Morgan Stanley, publicado de forma resumida outro dia pelo Estadão, mostra que o setor manufatureiro de seis países emergentes, entre os quais o Brasil, estará em risco com a confirmação do processo chamado de reindustrialização dos Estados Unidos. Nossa competitividade, baixíssima no terreno internacional, tanto por conta do Custo ABC como do Custo Brasil, é um convite à ressurreição industrial norte-americana.
A análise do economista Manoj Pradhan, que coordenou os estudos em Londres, deveria provocar reações imediatas na Província do Grande ABC, houvesse na Província do Grande ABC um grupo interessado e qualificado a monitorar o futuro. Como imaginar tamanho avanço se quase ninguém sequer saber decifrar o passado que passou de forma avassaladora?
Quem acredita em medidas preventivas para cercar a manada que há muito vem dando trabalho danado para sossegar o facho, porque principalmente os asiáticos, chineses à frente, estão encalacrando a economia regional?
Só não encalacram mais porque o setor automotivo é uma peça protegidíssima pelo governo federal desde a tomada de Brasília pelos petistas e independe, com o lobby mais avançado do País, da contribuição de terceiros. Antes dos petistas ocuparem Brasília as montadoras também mostraram força no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas em benefício de outros territórios nacionais e em detrimento dos 840 quilômetros quadrados da região. A descentralização automotiva regada a subsídios e a estrangulamento do setor de autopeças foi um concerto macabro para a quase totalidade de pequenas e médias empresas nacionais do setor. Na Província do Grande ABC os resultados rivalizam-se com catástrofes econômicas.
Sempre segundo os estudos do Morgan Stanley, os norte-americanos estão investindo maciçamente em novas tecnologias na linha de produção e, especialmente, em contratos de trabalho mais flexíveis. Quando se somam os dois fatores a políticas públicas de incentivo, as perspectivas industriais dos Estados Unidos ganham influxo.
Choques violentos
O choque acabará por atingir a economia da Província do Grande ABC de frente, porque alcançaria setores fortemente representados, casos de automóveis, materiais de transporte, metalúrgica, máquinas e equipamentos. Outros setores igualmente sob a mira norte-americana de competitividade não constam de nossa carteira de apresentação, casos de computadores, eletrônicos e atividades de uso intensivo de energia.
Se a doença holandesa do setor automotivo parece ameaçadíssima quando se sabe que o jogo consumista é global para se tornar razoavelmente interessante, o que tem a doença holandesa do polo petroquímico que sustenta 60% da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de Mauá e 30% do ICMS de Santo André? Simples: a exploração do gás de xisto reduz drasticamente os custos de energia nos Estados Unidos.
O advento do gás de xisto teve efeito devastador nos preços de energia nos Estados Unidos. O preço spot (à vista) caiu de US$ 8,86 por milhão de BTU (medida de referência para o gás), na média de 2008, para US$ 2,7 por milhão de BTU no ano passado.
O Brasil e o mundo tentam reproduzir o sucesso dos Estados Unidos. Não é para menos, conforme explicou Helder Queiroz, diretor da Agência Nacional de Petróleo. A indústria dos Estados Unidos reduziu a importação de gás natural liquefeito (GNL), aumentou a produção e com isso o impacto nos próprios preços tem sido extraordinário.
Sem calças
O Brasil não está de calças arriadas ante o avanço norte-americano. Está simplesmente sem calças, embora o estudo produzido há dois anos pelo Energy Information Administração (EIA) do Departamento de Energia dos Estados Unidos aponte que as reservas verde-amarelas do chamado shale gas, um dos tipos de gás não convencional, eram de 6,4 milhões de metros cúbicos, volume quase 14 vezes superior às reservas provadas totais do País. Mas esse volume não deve estimular conjecturas que beneficiariam os preços mais baixos também no Brasil, porque não há infraestrutura para fazer com que o insumo fique acessível para São Paulo e Rio, por exemplo.
O presidente da GDF, Suez Brasil, Maurício Bähr, lembra que é densa a malha de gasodutos nos Estados Unidos, motivo pelo qual foi possível empreender-se a reação de custos energéticos. Já a malha brasileira de transporte é incipiente. São 9,3 mil quilômetros que extensão e concentra-se no Litoral, fatores que inibem ambições da indústria do gás no Brasil.
Não duvido que um e outro secretário de Desenvolvimento Econômico das sete unidades da Província do Grande ABC desdenhem das projeções do banco norte-americano. Não faz muito tempo uma liderança sindical de São Bernardo, agora no comando da CUT (Central Única dos Trabalhadores) declarou que os chineses não representavam ameaça alguma às montadoras e autopeças da região, porque não tinham qualidade para atender à demanda.
Invasão asiática
Os chineses invadiram nossos quintais automotivos e atingiram em cheio principalmente a rede de fornecedores das automotivas. Tanto que agora que a água bateu nos fundilhos, o governo federal corre atrás de uma saída para elevar o índice de nacionalização de autopeças com um regime automotivo coercitivo às montadoras estrangeiras, aplicando-lhes sobrecarga de impostos como castigo por não investiram em plantas produtivas no País.
A marca Província do Grande ABC não é um abuso de tratamento imposto por este jornalista por supostamente ter alguma deformação congênita que o torne franco-atirador contra as instituições da região. Nem uma contrapartida à expressão Grande ABC porque teria sido derivada do jornal diário mais antigo destas plagas. Somos Província do Grande ABC entre muitas razões porque aqueles que responderam e os que respondem pelo comando de administrações públicas sempre admiraram o próprio umbigo, fechando-se ao mundo, mesmo que esse mundo seja a vizinha e complexa Capital. Aliás, nesse caso, adotamos postura de Gata Borralheira, como se sabe.
Por isso, quem acreditar que chegará o dia em que finalmente desceremos do pedestal de mentirinha de que somos uma potência intocável e entendermos o jogo encardido da macroeconomia, provavelmente precisa ser despertado a toque de caixa ou de uma agulhada nas nádegas. Vivemos tão equidistantes do que se passa no mundo econômico que provavelmente a simples menção de que um novo ingrediente energético e uma nova postura de tratamento ao capitalismo no ambiente industrial dos Estados Unidos provocarão deboche.
Enquanto os organogramas do setor público não forem revirados para alçar o desenvolvimento econômico à condição de ponta de lança de mudanças estruturais, as instituições privadas que seguem desnorteadas, esfaceladas e lidando com migalhas operacionais não sairão da rota de mediocridade em que se meteram faz muito tempo.
Assim como fomos atropelados pela abertura econômica do começo dos anos 1990, seguida da descentralização automotiva, e da mesma forma que os asiáticos provaram que não são um bando de incompetentes, provavelmente teremos de suportar o peso do ressurgimento industrial americano num horizonte não muito distante. Enquanto isso, as manchetes badalativas e inconsequentes vão continuar a fazer novas vítimas.
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