Estou vivendo experiência emocionalmente dilacerante desde que me meti a acondicionar neste site textos que considero prioritários do acervo da revista LivreMercado, publicação que dirigi editorialmente durante duas décadas. Sabem lá os leitores o que é estar com um pé na realidade destes dias e o outro no passado de uma década ou uma década e meia de informações e análises? Experimentem vasculhar neste site os trabalhos mais antigos e de imediato migrem a leitura para textos mais atuais. Tentem. Nem assim conseguirão chegar ao estágio em que me encontro, porque vivi intensamente tanto o passado quanto vivo o presente do Grande ABC.
Nada que tenha sido importante para a economia e a sociedade do Grande ABC escapa pelos vãos de minhas observações jornalísticas. E grande parte dos produtos jornalísticos que preparei ou compartilhei com um grupo de profissionais de comunicação está sendo cuidadosamente incorporado nesta revista eletrônica. Vivo crente na possibilidade de que a democratização da informação qualificada vai sedimentar uma cultura de regionalidade que independerá dos humores ou horrores dos meios de comunicação convencionais. Ou seja: independentemente de estar materialmente neste mundo, haveremos de deixar este endereço eletrônico como prova do que de fato o Grande ABC promoveu de cidadania ao longo dos anos, entendendo-se cidadania como conjunto de desempenhos individuais e coletivos que de alguma maneira contribuíram para amoldar este espaço às grandes transformações macroeconômicas e macrossociais.
Um exemplo para que o entendimento seja didaticamente mais factível: ainda ontem reli um texto que escrevi em junho de 1997 sobre um dos pontos mais centrais da regionalidade do Grande ABC, no caso a mobilização de secretarias municipais no tratamento de questões econômicas que se tornaram, naquele contexto, altamente interessantes, já que, acreditem se quiserem, apenas naquele ano os administradores públicos descobriram a importância de contar com quadros na área de desenvolvimento econômico.
Até então, secretaria que cuidasse de interesses desse temário não constava do organograma. O Grande ABC era autosuficiente demais, ou despreparado demais, para se preparar tecnicamente à organização municipal e regional do aparato de sensibilização a investimentos. Um rescaldo clássico de quem ganha na loteria, como foi o caso da chegada da indústria automobilística.
Quando aquela situação é confrontada com os dias de hoje, passada mais de uma década, não tenho dúvida em afirmar que estamos perdendo o jogo. Ou seja: houve um refluir de estudos e provocações para enfrentamentos que seguem atuais, como é o caso de competir com outros territórios estaduais e federais.
Juro por todos os juros que não recorro a medicamentos antidepressivos, porque não sou vítima desse tipo de problema, mas o exercício de temperar o dia-a-dia entre passado e presente é dolorosamente incômodo. É preciso ter muito estômago, é indispensável jogar para escanteio sentimentos mais elevados de credibilidade nas ações de corporações públicas e privadas, porque o chumbo é grosso mesmo. É triste constatar que os avanços são tão lentos, quando avanços existem.
Não tenho dúvida também em afirmar que sem que o Grande ABC caia na real de que deve separar as agendas municipais das regionais não alcançaremos sucesso consolidado como região. Seremos sempre menor que a soma das partes. Reconheço que as demandas em nível municipal inibem quando não impedem ações de cunho regional, mas não temos escapatória: ou adotamos essa estratégia como sobrevivência inescapável, ou continuaremos a sofrer um bocado.
Recuperar os arquivos históricos de LivreMercado é peça fundamental do mosaico de jornalismo com responsabilidade social ao qual me debrucei desde há muito tempo. O mergulho no passado ajuda a compreender e a analisar as areias do presente. O protagonismo do setor público sujeito a chuvas e trovoadas das eleições é o pior dos encaminhamentos para o Grande ABC retomar o destino de investimentos produtivos. O Estado na forma do poder municipal é importantíssimo em qualquer sentido, mas não pode descolar-se de um diálogo construtivista com a iniciativa privada e a sociedade. Esses dois vértices sociais, entretanto, estão muito aquém das demandas. Somos manquitolas no equilíbrio de forças tanto no ambiente municipal quanto no regional.
Particularmente para este jornalista que acompanha a movimentação das pedras do Grande ABC há muito tempo, o exercício de vivenciar o presente e recrutar no passado as informações que ajudaram a erigir a história regional provoca reações de desconforto. Sobrevém uma espécie de desilusão. Estamos praticamente patinando. Tem-se a impressão de que não há lógica na distância entre aquelas narrativas de pouco mais de uma década, como as que estou capturando nos arquivos, e o que se apresenta nestes dias no noticiário.
Por isso, quando uma Cidade Pirelli aparece no horizonte como algo palpável, como um novo sopro de fortalecimento da economia de Santo André, o entusiasmo me domina em proporção semelhante à irritação com que trato questões renitentemente repetitivas de improdutividade regional.
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17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima