Vejam só o tamanho da encrenca com a qual temos de conviver todos os dias, chova ou faça sol, e ninguém, absolutamente ninguém, tanto na esfera municipal quanto na estadual, passando pela federal, move um dedinho sequer, para valer, no sentido de aliviar a barra: a Região Metropolitana de São Paulo tem território geográfico 135 vezes menor que o Estado de Minas Gerais de mais de 800 municípios, mas a população é praticamente do mesmo tamanho e o PIB (Produto Interno Bruto), medida de geração de riqueza de bens e serviços, é mais que o dobro. Poisa Região Metropolitana de São Paulo, de 19 milhões de habitantes, o dobro do Rio Grande do Sul, é um organismo social e econômico sem eira nem beira. Ou seja: não conta com estrutura administrativa e gerencial que aponte os melhores roteiros para amenizar a dureza do rebaixamento progressivo da qualidade de vida.
Em qualquer país sério, que leve em conta o bem-estar da população, um caso como o da Região Metropolitana de São Paulo teria tratamento de choque. Seria visto, interpretado, analisado e atacado sob prisma próprio, específico, de contenção do buraco que se acentua na forma de trânsito cada vez mais infernal, de especulação imobiliária predatória, de transporte público ao deus-dará; enfim, de tudo a que estamos muito mal-acostumados porque perdemos o senso de indignação.
Banalizamos de tal forma o entendimento do que é viver em sociedade que nem o fato de a Grande São Paulo ter-se transformado em simbologia do descaso causa reações. Convivemos diuturnamente com situações às quais apenas visitantes do Primeiro Mundo, de quem sabe de fato o que é viver em equilíbrio com a natureza, exclamam inquietação.
É verdade que os turistas estrangeiros são condescendentes nas avaliações públicas. O que dizem formalmente nos encontros sociais não é o que levam a grupos de interlocução mundo afora. Nem a fantasiosa cordialidade verde-amarela escapa a críticas. Os índices de criminalidade, embora fortemente atacados na última década, ainda estão a léguas de distância do satisfatório e evocam cuidados especiais que nos colocam no calabouço da civilidade.
É essa Grande São Paulo mais desvairada que a Paulicéia teatralizada pela genialidade de Plínio Marcos que se deteriora na medida em que indicadores econômicos e sociais se afastam do marco zero da Praça da Sé. É essa Grande São Paulo que, em pleno século XXI, não encontra uma instância sequer de indignação que resolva botar a mão na massa de planejamento.
Algumas instituições acadêmicas e sociais que lidam com a esquizofrenia da Grande São Paulo reagem com a mesma eficiência e limitações de quem enxuga gelo. Falta às autoridades públicas vontade política para interromper o processo de esquartejamento social. A pauta metropolitana já foi mais escanteada pela mídia, que centrava fogo principalmente em Brasília, capital política da Nação. Avanços nos últimos temposainda se distanciam da importância desse campo de batalhas disfarçado de conglomerado humano.
Nenhum gestor público ou partido político pode reivindicar exceção à regra de críticas à orfandade de medidas que vejam o todo dos 39 municípios com especificidades de um lado e interdependências de outro. Já há sinais de que, novamente, a chamada metropolização da Grande São Paulo constará dos discursos de candidatos ao governo do Estado. Essa é uma manjadíssima agenda anunciada com o propósito marqueteiro desensibilizar os incautos.
A Região Metropolitana de São Paulo é um mostrengo social, porque as realidades dos fatos caminham num sentido de direção, mas os interesses político-partidários buscam o lado oposto. Na parafernália partidária que divide o universo político brasileiro em dezenas de agremiações que convergem à centro-direita tucana e à centro-esquerda petista, não sobra espaço para a racionalidade e o desembaraço da ação do Poder Público. O formato municipalista da Região Metropolitana de São Paulo é uma briga de faca no escuro de fundamentalismo político, primo-irmão do desperdício de recursos públicos. Uma instância de poder que harmonize as relações municipais sob o preceito da integração estratégica é apenas sonho.
A ideia de especialistas ouvidos no passado de que a Grande São Paulo poderia virar um novo Estado não prosperará jamais, embora tenha muito mais pontos positivos que negativos. Mas, também como ressaltam outros especialistas, o conceito de Estado não precisa ser levado a ferro e fogo separatista.
A Grande São Paulo poderia ser objeto de ações típicas de um Estado informal dentro do Estado de São Paulo. Com isso, não se alteraria uma vírgula sequer da Constituição Federal à integridade territorial dos paulistas. A mudança geraria apenas mecanismos técnicos e orçamentários para debelar labaredas de um circo em chamas ao canalizar investimentos produtivos em direção à chamada São Paulo Expandida. Os imprevidentes não atentam para os riscos crescentes do esvaziamento industrial da Grande São Paulo sem o correspondente contra-ataque às vicissitudessociais que permanecem e se retroalimentam da redução persistente da capacidade de intervenção orçamentária das instâncias municipais.
Deixo de lado a montanha de numerais com que ao longo dos anos construí no Grande ABC uma base de dados que joga às traças os argumentos furados de ufanistas de plantão. Desfilar aquela numeralha toda que comprova o quanto o Grande ABC e a Grande São Paulo se viram num mato de infortúnios sem o cachorro de contrapartidas públicas é chover no molhado.
É verdade que o governo Lula da Silva, com média de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nacional aproximadamente o dobro do antecessor, amenizou o quadro regional. Mas, como o estouro da boiada da desindustrialização foi ensurdecedor nos anos 1990, o Grande ABC, de quadro mais caótico na caótica Grande São Paulo, não escapará da enrascada em que se viu metido caso continue a desprezar planejamento típico de pós-guerra.
Mas mesmo assim seria pouco, porque, inserido na Região Metropolitana de São Paulo, o Grande ABC reúne forte dependência do que ocorre nos demais 32 municípios. Quem vai colocar ordem nessa bagunça?
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17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima