Economia

Nichos, micos e bolha: o que é mais
importante no mercado imobiliário?

DANIEL LIMA - 22/07/2013

Em outubro do ano passado escrevi um artigo sobre micos e nichos imobiliários na Província do Grande ABC.  O fenômeno é generalizado em diferentes geografias do País. Há quem o confunda com bolha imobiliária, assunto sobre o qual há diferentes posicionamentos. Tanto há assertiva de que estamos mergulhados num processo que se tornará irreversível quanto existe contestação de que, entre outros motivos, o déficit habitacional e o vácuo de lançamentos em duas décadas seguidas abriram brechas fabulosas à massificação da produção sem que se caia na cilada de descompasso sistêmico.


 


Certo mesmo, independente de aspectos defensivos e de pontos cortantes sobre a existência ou não de bolha imobiliária no País, é que nichos e micos são irrebatíveis. Aqui na Província sou capaz de apostar com base em observações pessoais e atentas informações de fontes do setor imobiliário que há muito mais micos do que nichos. A tradução é que há mais lançamentos de apartamentos e de salas comerciais que têm tudo para dar com os burros nágua do que apartamentos e salas comerciais cujos estoques desovariam num piscar de olhos. E que sejam bons negócios aos investidores.


 


Os micos são tão abusivos que basta a chegada da noite, da novela das nove, das luzes das salas de estar apagadas em torres de apartamentos há muito liberados a condôminos, para se inquietar. A verdade não aparece nas estatísticas de entidades empresariais manipuladoras de informações. Caso do Clube dos Construtores do Grande ABC, presidido pelo impagável Milton Bigucci.  Nada que não seja coerente: à frente da MBigucci, ele se tornou campeão absoluto em abusos, segundo denúncia do Ministério Público Estadual do Consumidor, em São Bernardo.


 


O maior mico residencial e comercial de que se tem notícia na região é o Domo, erguido no entorno do Paço Municipal de São Bernardo. Ali a catástrofe é tão evidente que, mesmo os agentes imobiliários preocupados em dourar a pílula para sustentar negócios em alta, não escondem preocupação.  Ainda outro dia, então presidente interino do Clube dos Construtores, o empresário Armando Luporini revelou o quanto se distancia em responsabilidade social de Milton Bigucci. Ele declarou ao jornal Repórter Diário que o Domo é um grande mico, embora tivesse preferido utilizar o termo “encalhado” ao se referir ao elevadíssimo estoque de um empreendimento que, segundo ele, não cabe no bolso dos moradores de São Bernardo.


 


Feirão constrangido


 


Há no Domo abundância de apartamentos e de salas comerciais à venda e também disponíveis a aluguel. Outro dia mesmo promoveram um feirão para tentar desovar parte do encalhe, enquanto outras torres se levantam porque há contratos a cumprir. Tudo foi feito em surdina, embora faixas tenham sido colocadas mesmo que discretamente em pontos estratégicos. Talvez não se deva chamar de discretas faixas a anunciar feirão de imóveis, mas no caso o adjetivo é adequado. Havia um certo constrangimento na exposição do material, sem o estardalhaço da maioria dos casos análogos.


 


Centro fogo informativo no Domo porque é o mais escandaloso mico imobiliário na Província do Grande ABC, sobretudo pela grandiosidade da obra que não se limita à área ocupada durante décadas pela Tecelagem Tognato, mas, também, do outro lado da Avenida Aldino Pinotti, fronteira com a Avenida Senador Vergueiro. Praticamente no quintal do Paço Municipal, cujo prefeito, secretários e funcionalismo podem acompanhar, em tempo real, sem recursos tecnológicos, a movimentação daquelas pedras.


 


Há outros endereços cujo fluxo de vendas não acompanhou o fluxo das obras, mesmo que o fluxo das obras tenha sido reduzido ao longo dos meses para tentar se deixar agarrar pela demanda. Inutilmente, é claro.


 


Gente diferenciada


 


Os condôminos do Domo – são quase duas dezenas de torres de apartamentos e escritórios – estão morrendo de preocupação com a prometida chegada do monotrilho, o metrô sobre trilhos elevados que remetem a filmografias de uma Nova Iorque deteriorada nas áreas em que sistema semelhante de transporte público aparece na janela de apartamentos e incomoda com uma barulheira dos infernos. Dizem que os nossos monotrilhos são melhores que os deles. Afirma-se até que são silenciosos e que não causariam depreciação dos apartamentos. Tudo respaldado por estudos. Quem acredita nisso?


 


O monotrilho vai passar no coração viário que separa aquelas torres de apartamentos e escritórios, na Avenida Aldino Pinotti, onde, vejam só, os condôminos já têm de suportar os desfiles de carnaval. Uma combinação de monotrilho e passarela do samba será duplamente agressiva a quem caiu no conto de que morar no Domo seria algo típico de Primeiro Mundo. Muitos vieram da Capital, iludidos com a possibilidade de gastarem menos em moradia e estarem a um pulo do emprego paulistano.


 


Marketing agressivo


 


Grande parte comprou apartamentos na planta durante finais de semana ao som de marketing agressivo de cantores populares. Deixaram de comunicar aos compradores que o sistema viário caótico que liga a região a São Paulo, e vice-versa, é razoavelmente humano apenas nos finais de semana, quando não se trabalha. E deixaram de dizer também que a alternativa do trecho sul do Rodoanel, esgrimida pelo deputado estadual Orlando Morando para justificar o título de “melhor esquina de São Paulo” no dizer do ventríloquo governador Geraldo Alckmin, se comprovou uma balela à grande maioria dos moradores de São Bernardo que trabalha na Capital. Orlando Morando e Milton Bigucci não são amigos por acaso.


 


A chegada prometida do monotrilho, o aerotrem daquele exótico candidato de partido nanico, já está causando furor entre condôminos e movimentos populares que se ofenderam com declarações em redes sociais sobre a possibilidade de “aquela gente diferenciada” acabar com o sossego dos moradores do local. Tal qual Higienópolis, o sofisticado bairro paulistano ao reagir ao anúncio de construção de uma estação do metrô. Foi o suficiente para que algo semelhante ocorresse por aqui. Até uma churrascada se realizou no último sábado envolvendo algumas dezenas de manifestantes irritados com o que chamam de discriminação social.


 


Dizem que se prometia muito mais gente no encontro, mas não é ajuizado desconsiderar alguns aparentemente poucos, porque muitos podem engrossar a mobilização amanhã. Basta citar a meia dúzia que no começo de junho deflagrou a maior manifestação social de que se tem notícia na história recente do País.


 


Estou começando a acreditar que o Domo será um mico resistente ao tempo, porque a salvação dos negócios imobiliários mal-ajambrados é esticar o cronograma de ocupação, medida que, evidentemente, não susta os prejuízos com o imobilizado em forma de impostos, taxas condominiais e inevitáveis reduções de valores contratuais. 


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