Quando me perguntam o que quero dizer com regionalidade, o que quer dizer regionalidade, como se faz brotar a semente de regionalidade, como convencer o cidadão comum da importância de regionalidade se, para a maioria, regionalidade parece algo tão abstrato, tão fora do alcance dos mortais, quando me colocam essas questões, trato logo de dar exemplos, de dar corpo ao que parece não mais que o subjetivo — perdido no tempo e no espaço. Regionalidade — querem saber com um dos exemplares explicativos? — é o trecho sul do Rodoanel, festejadíssimo até que se abrisse aos usuários, e esquecidíssimo depois que o então governador José Serra, numa corrida surda contra o calendário eleitoral, deu por abertas as pistas ao tráfego.
O trecho sul do Rodoanel é prova provada de que entidades sociais, econômicas, acadêmicas e culturais do Grande ABC estão seguindo rigorosamente a mesma cartilha, a cartilha de páginas em branco. Fosse a cartilha de páginas mal escritas, ainda se fossem páginas insuficientes, estaríamos em situação melhor que a atual.
O Rodoanel entrou na vida de grande parte da população dos sete municípios do Grande ABC mas ninguém parou para refletir sobre benefícios e problemas que obrigam uma nova pauta.
Por falar em pauta, o jornalismo do Grande ABC bem que poderia dar um jeito de colocar o trecho sul do Rodoanel no centro de informações mais consistentes, porque o que temos até agora, mesmo com algumas medidas aparentemente fora dos trilhos da mesmice, é insuficiente para aprofundar avaliações.
O trecho sul do Rodoanel nos parece íntimo, porque foi gestado como complemento do DNA de competitividade do Grande ABC, mas na medida em que deu à luz, exala sensação de estorvo. Já não teria mais nada a ser instrumentalizado como massa de manobra eleitoral, porque também esse é um componente dessa obra, como de todas as obras públicas por sinal.
Só o tempo dirá se o trecho sul do Rodoanel vai provocar efeitos salutares para a economia do Grande ABC, na proporção que tantos ufanistas desfilaram na mídia.
Tenho cá comigo que andaram vendendo gato por lebre. Com a experiência de ter pesquisado e produzido várias análises sobre os efeitos econômicos do trecho oeste do Rodoanel na região da Grande Osasco, publicadas na revista LivreMercado, ouso dizer que quem andou lustrando demais os cristais para vendê-los como diamantes vai ter de buscar explicações improváveis. O impacto do trecho sul do Rodoanel no desenvolvimento econômico do Grande ABC não passará de um tiro de festim travestido de tiro de verdade, desses em que o autor precisa recorrer às pernas para fugir do contra-ataque do inimigo que se descobre vítima não de uma bala mortal, mas de uma fraude.
Não pretendo por enquanto ingressar no salão escorregadio dos desdobramentos econômicos do trecho sul do Rodoanel, mas dois pontos precisam ser juntados para justificar as razões de a obra não provocar no Grande ABC os efeitos de enriquecimento da Grande Osasco.
Primeiro: diferentemente do trecho oeste, o trecho sul do Rodoanel, em quase toda a extensão, não permite integração com a vizinhança externa. As áreas sobre as quais derramaria influência dos tentáculos de asfalto foram blindadas a fim de preservar o meio ambiente. Trata-se tão somente, portanto, de imensa artéria que liga a Capital à Baixada Santista, principalmente. Não reúne o mesmo poder transformador, por exemplo, da estrada de ferro que cortou a então Santo André (o Grande ABC do começo do século passado) e esparramou surto desenvolvimentista calcado em indústrias de vários setores. O Grande ABC é apenas um complemento do trecho sul do Rodoanel, um figurante das filmagens, entre outras razões porque as alças de acesso se localizam fora de um eixo de logística irrebatível. O problema todo é que o Grande ABC foi vendido como protagonista por deslumbrados.
Segundo: nos espaços territoriais factíveis de investimentos produtivos, especuladores imobiliários deitaram e rolaram e, com isso, impediram a democratização ocupacional principalmente por empreendedores de pequeno e médio porte. Privilegiaram-se grandes investimentos que dispensam ao Grande ABC tratamento semelhante ao dedicado pelos aristocratas franceses aos plebeus.
Encontramos fortíssimo adversário na disputa por novos empreendimentos de valor agregado: a descentralização das manchas de produção em direção à Grande São Paulo Expandida, casos das regiões metropolitanas de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, regiões para as quais o Grande ABC perde de goleada desde a virada da biruta da globalização, no começo da última década do século passado.
Voltando ao foco deste texto, o que quero dizer é que se o leitor tiver a curiosidade de saber aonde encontrar interlocutor do setor público para destrinchar explicações que possam elucidar vários pontos escuros desdobrados da inauguração do trecho sul certamente vai perder tempo e paciência.
Não há, até prova em contrário, tanto na Agência de Desenvolvimento Econômico quanto no Clube dos Prefeitos, um especialista sequer, quanto mais um grupo temático suficientemente preparado, para destrinchar o perfil daqueles 61 quilômetros que colocam o Grande ABC mais perto do Interior do Estado e o Interior do Estado, além de outros Estados, muito mais perto do Porto de Santos.
Que esperar de ações e reações coordenadas de quem conduz o Grande ABC quando num caso como esse, de suposta alavanca desenvolvimentista tão aguardada, não há objetivamente nenhum monitoramento situacional a respaldar uma dinâmica de respostas que façam prevalecer os interesses dos sete municípios?
Se ao longo do tempo o trecho sul do Rodoanel jamais foi introduzido na agenda econômica regional, o que dizer agora que a obra está praticamente completa e se entregam aos céus ações que dependem dos mortais que se fazem de mortos?
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17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima