Economia

Desabamos no IDHM; São
Caetano é líder seletiva

DANIEL LIMA - 03/10/2003

Os jornais divulgam hoje o novo ranking do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Alguns deram apenas registros; outros foram a fundo em avaliações genéricas. Por isso mergulhei nesta manhã nos números. Com suporte de Eliane Souza, recorri ao site do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Algumas conclusões saltam aos olhos, nessa primeira de uma série de análises que pretendo fazer neste espaço. E todas, absolutamente todas, convergem para o legado de LivreMercado e Capital Social, que vou traduzir no livro República Republiqueta, a ser lançado em 28 de outubro agora para desgraça dos ufanistas de plantão. 


 


A primeira constatação: São Caetano deixou a vice-liderança do IDHM em 1991 para assumir a liderança em 2000. Querem saber o motivo básico antes que lhes vendam gato por lebre? O seletivismo dos números relativos à renda dos moradores, favorecida pelas peculiaridades geoeconômicas da proximidade com a Capital somada com a qualidade de infra-estrutura urbana, além do estancamento demográfico de um Município que conheceu fenômeno típico de Primeiro Mundo.


 


Segunda constatação: Santo André, São Bernardo, Ribeirão Pires e Mauá desabaram no ranking dos 300 primeiros colocados. Diadema e Rio Grande da Serra não apareciam nesse radar nem em 1991 nem em 2000. O principal buraco que engolfou Santo André, São Bernardo, Ribeirão Pires e Mauá é o mesmo que atingiu São Caetano -- a desindustrialização. A diferença é que enquanto São Caetano manteve praticamente intacta sua integridade demográfica, os demais municípios da região não conseguiram debelar o crescimento de migrantes da Grande São Paulo, principalmente. Essa conta é insidiosa, porque o conjunto de cada população é o divisor qualificador dos números.


 


Em 1991, base do IDHM, o Grande ABC tinha cinco municípios entre os 300 melhores indicadores do País: São Caetano era segunda, Santo André 12ª, São Bernardo 14ª, Ribeirão Pires 80ª e Mauá 260ª. Nos dados atualizados em 2000, São Caetano ultrapassou a pequena Águas de São Pedro e assumiu a dianteira, Santo André caiu para 93ª e São Bernardo para 102ª. Mauá e Ribeirão Pires sumiram do mapa.


 


O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é um medidor importante do batimento socioeconômico de cada Município brasileiro, mas não pode ser transposto para o altar da sacralização. Afinal, a porção econômica que o compõe é limitadíssima e, como se observa pelo caso de São Caetano, muito aquém da realidade geral.


 


Além disso, dois vetores sociais, educação e longevidade, predominam na média final de cada Município. Como se sabe, o Brasil dos anos 90 viveu febre educacional em que o menos importante é a qualidade, mas a quantidade de matrículas. A mortalidade infantil, base da avaliação de longevidade, passou por vigorosa melhoria porque os gerenciadores públicos são obrigados pela legislação a investir na rubrica.


 


Por isso, é indispensável muita cautela na análise dos dados do chamado Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Dinheiros carimbados como os de Educação e Saúde mascaram o conjunto da realidade socioeconômica. Tanto é verdade que nesta mesma sexta-feira em que todos os jornais divulgam o novo ranking  do IDHM sem, na maioria dos casos, recorrer às peculiaridades microeconômicas e macroeconômicas tanto quanto microssociais como macrossociais, uma outra notícia coloca o Brasil no devido lugar.


 


Trata-se do relatório anual da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) que diagnostica uma péssima notícia aos países latinos, incluindo o Brasil: todos viveram processo de desindustrialização nas duas últimas décadas, decorrendo daí o retrocesso para níveis iguais ou piores aos que possuíam no início dos anos 80. Em consequência, conforme relata a Folha de S. Paulo, a América Latina experimentou no período níveis de crescimento modestos, bem inferiores aos de outros países em desenvolvimento, especialmente os asiáticos. Segundo o relatório, a industrialização é o caminho mais rápido para o aumento da produtividade e da renda dos países em desenvolvimento.


 


Ainda segundo o relatório que, como se observa, joga água no chope de triunfalismo que certamente alguns apressados tentarão impor na leitura do ranking do IDHM, a situação da América Latina é oposta à da Ásia, onde houve elevação da participação de produtos industrializados no PIB ou na pauta de exportações, o que garantiu àquela região níveis de crescimento cerca de duas vezes maior aos dos países latinos.


 


O embaixador Rubens Ricúpero, secretário-geral da Unctad, atribui parte da responsabilidade pela desindustrialização às políticas econômicas aplicadas na América Latina nos anos 80 e 90: "O ajuste foi feito com políticas que agravaram a dependência do Exterior, e as condições macroeconômicas, ao contrário do que se diz, nunca melhoraram de fato" -- disse.


 


Poucos investimentos


 


Ricúpero observa -- ainda segundo a Folha de S. Paulo -- que o cenário descrito no relatório se aplica à perfeição ao Brasil, onde o desemprego bate o recorde de 13% e a participação de produtos industrializados no PIB diminuiu de 32,6%, nos anos 80, para 23,7% na década seguinte. O relatório da Unctad descreve da seguinte forma o processo das duas últimas décadas no Brasil e na Argentina: "O desempenho dos investimentos tem sido pobre, a indústria tem perdido importância na geração de empregos e de valor agregado, ganhos de produtividade têm sido cíclicos, o aperfeiçoamento industrial é limitado e as exportações continuam a ser dominadas por produtos primários ou bens manufaturados de baixo valor agregado”.


 


Num próximo artigo vamos esmiuçar a questão metropolitana claramente agravada no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal anunciado ontem e tangencialmente enfocada por alguns jornais. O Valor Econômico, por exemplo, afirma que em praticamente todas as cidades industrializadas e populosas de São Paulo o número de pobres aumentou mais de 50% ao longo dos anos 90. "Esse crescimento expressivo ocorreu na Capital, no ABC Paulista, em Campinas, em Guarulhos. A exceção foi São Caetano: na cidade com o maior índice de Desenvolvimento Humano do País -- 0,919 -- o número de pobres caiu de 4,79% em 1991 para 2,89% no ano 2000" -- escreveu o jornal paulistano. Não se menciona que São Caetano cada vez mais se torna um oásis no caos metropolitano, entre vários aspectos porque o custo da terra e de tributos municipais, em contraposição às periferias das cidades próximas, é um convite à deserção em nome da sobrevivência. O seletivismo na forma de uma classe média baixa homogênea, como os melhores bairros de Santo André e São Bernardo, por exemplo, assegura posicionamento de destaque no quadro nacional porque, ao contrário de Santo André e São Bernardo, e de tantos outros municípios brasileiros, as classes menos favorecidas já debandaram de seu exíguo território.


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