Revelamos ontem neste Capital Social a primeira parte de um despautério há muito denunciado por este jornalista mas só agora devidamente dimensionado e triturado a partir de dados do Ministério do Trabalho e Emprego coletados pela Secretaria de Desenvolvimento, Solidariedade e Emprego de São Paulo. Trata-se dos descaminhos do mercado de trabalho com carteira assinada, especialmente no Grande ABC atingido em cheio pela desindustrialização em suas várias faces -- da evasão industrial explícita, passando pela evasão dissimulada, pela evasão fingida e pela evasão camaleônica.
Mostramos ontem que o contingente de trabalhadores formais na região nos sete anos do governo Fernando Henrique Cardoso até 2001 deu salto olímpico na faixa de até três salários mínimos -- um dos testemunhos numéricos do esboroamento econômico da região.
Em 1994, último ano do governo Itamar Franco, contávamos com 93.305 empregos com carteira assinada até três salários mínimos, contra a avalanche de 188.044 do ano passado. Um crescimento real de 98,62%. Praticamente o dobro. Trocamos grande parte de empregos industriais bem remunerados e com amplo colchão social que os planos de saúde privados e outras conquistas sindicais garantiam, por empregos nas áreas de comércio e serviços que enchem a bola dos falsários estatísticos, mas não escondem a sobrecarga de custos sociais e efeitos danosos à economia como um todo. Em nenhuma região do País houve tamanha precarização, porque nossa economia depende em larga escala da indústria automotiva, a mais constrangida pelo modelo econômico adotado pelo governo federal.
Perdemos classe média
Se ganhamos empregos baratos, perdemos empregos típicos da classe média, importantíssimo estrato de mobilidade social. No mesmo período da pesquisa -- os anos FHC -- o Grande ABC perdeu 49,48% dos empregos formais situados em mais de 10 salários mínimos. Exatamente, para efeito de entendimento, de 10,1 salários mínimos em diante. Eram 177.114 trabalhadores que ostentavam carteiras de trabalho de ouro -- uma população equivalente à soma de São Caetano e Rio Grande da Serra. Sete anos depois, chegamos a 91.261 trabalhadores, quase uma Ribeirão Pires.
Como escrevemos ontem, não estamos nem entrando na seara do desemprego crônico, do subemprego envergonhado, da informalidade incorrigível e -- completando o ciclo -- dos chamados profissionais autônomos, que, na maioria dos casos, vivem no limite entre o desemprego crônico e a informalidade incorrigível.
Nenhuma região com 2,350 milhões de habitantes resiste à perda de 85.853 empregos com carteira de trabalho de no mínimo R$ 2.001 por mês (10 SM). O que aconteceu no Grande ABC, em escala muito superior a qualquer outro Município ou região brasileira, foi uma catástrofe que os leigos, os mal-intencionados e os mentirosos de plantão procuram jogar para escanteio numa série de intervenções manipuladamente preparadas para refugar os fatos.
Paulistas versus Grande ABC
A média estadual de perda de emprego de mais de 10,1 SM nos sete anos completados em dezembro último do governo Fernando Henrique Cardoso é 30,45% inferior à contabilizada no Grande ABC. Enquanto os paulistas como um todo perderam 33,71% de empregos nessa faixa de rendimento no período analisado, o Grande ABC caiu 48,47%.
Em termos relativos, os empregos com carteira assinada de 10,1 ou mais salários mínimos representavam no Grande ABC, em dezembro de 1994, total de 34,42% do estoque ativo dos trabalhadores protegidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas. A sangria desatada da abertura econômica e de outros desatinos governamentais reduziu o bolo para 17,13%. Repetindo: de cada 100 empregos com carteira assinada no Grande ABC no início do governo FHC, 34,42 estavam situados na faixa de 10,1 ou mais salários mínimos. Em dezembro do ano passado, caíram para 17,13.
Vejam, por Município da região, o desempenho registrado em dezembro de 1994 e o resultado, sete anos depois. Entre parênteses está a participação relativa da faixa salarial no estoque de empregos formais de cada Município:
São Bernardo contava com 88.213 (45,24%) ganhando mais de 10 SM e caiu para 48.486 (25,98%) -- queda relativa de 45,03%.
São Caetano somava com 18.818 (29,36%) e caiu para 12.063 (12,74%), com queda relativa de 35,89%.
Diadema contava com 20.914 (24,86%) e caiu para 9.817 (13,42%), com queda relativa de 53,06%.
Mauá tinha 10.772 (33,10%) e caiu para 5.032 (14,84%), com queda relativa de 53,28%.
Ribeirão Pires reunia 3.948 (22,28%) trabalhadores acima de 10 SM e caiu para 1.001 (7,29%), com queda relativa de 74,64%.
Rio Grande da Serra contava com 116 (9,04%) e subiu para 256 (11,52%), com crescimento relativo de 120%.
Santo André somava 34.333 (28,64%) e caiu para 14.606 (12,38%), com queda relativa de 57,45%.
Comparem esses números com outros municípios paulistas:
São Paulo contava com 768.945 (21,90%) carteiras de trabalho acima de 10 SM e caiu para 541.358 (16,89%), com queda relativa de 29,59%.
São José dos Campos tinha 37.133 (35,78%) e caiu para 26.007 (22,63%), com queda relativa de 29,59%.
Campinas contava com 56.202 (24,64%) e caiu para 36.813 (15,07%), com queda relativa de 34,49%.
Sorocaba reunia 15.924 (18,19%) e caiu para 11.363 (11,68%), com queda relativa de 28,64%.
Como se observa, a devastidão do governo FHC no mercado de trabalho formal foi menos intensa em outros municípios. Nada surpreendente, porque em recente levantamento que fizemos sobre o ranking do Valor Adicionado (geração de riqueza) no Estado de São Paulo, o Grande ABC perdeu 34% de participação absoluta, enquanto as regiões de Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e mesmo a Região Metropolitana de São Paulo, sem o Grande ABC, amealharam resultados positivos diferentes, mas positivos.
A participação relativa de empregos mais qualificados (os de 10,1 ou mais salários mínimos) do Grande ABC no Estado de São Paulo sofreu, evidentemente, dura queda. Se em 1994 os 177.114 empregos dessa faixa salarial na região significavam 11,64% do bolo do Estado de São Paulo, que contabilizava 1.521.382 carteiras assinadas, em 2001 os 91.261 trabalhadores do Grande ABC eram apenas 9,04% do estoque estadual, que somava 1.008.436 empregos de 10,1 ou mais salários mínimos.
No somatório de todas as faixas salariais, o Estado de São Paulo ganhou 348.461 colocações durante o governo FHC, porque o total de 1994 registrava 7.837.396 empregos formais, contra 8.185.857 em dezembro de 2001. Quando se segmenta esse estoque e se estuda o grupo de carteiras assinadas para quem ganha 10,1 salários mínimos em diante, a situação é outra: a perda líquida de 512.946, ou relativa de 33,71%, é bem inferior (29,85%) em comparação aos 49,48% de rebaixamento no Grande ABC.
Movimento oposto
Esse movimento, como já escrevemos, é inversamente semelhante ao que encontramos na faixa de até três salários mínimos: perderam-se empregos de qualidade de um lado e ganharam-se empregos fragilizados de outro. E o Grande ABC sempre perde na equação, porque registra relativamente muito mais inchaço nas faixas até três salários mínimos e muito menos emprego nas faixas acima de 10 SM.
Amanhã escreveremos sobre a faixa salarial que vai de 3,1 a 10 salários mínimos. Perceberão os leitores que não houve praticamente mudança no Grande ABC em meio a tiroteio de contratações e demissões. A roda pegou mesmo acima de 10,1 salários mínimos, como acabamos de mostrar. Uma combinação inquietante de miniaturização do contingente de classe média. A classe média regional (e também das demais regiões, embora não tão intensamente) se proletarizou na Era FHC, enquanto o proletariado menos preparado às exigências do mercado de trabalho entrou na informalidade, nos escaninhos do desemprego ou do subemprego ou mesmo se aninhou no gueto dos autônomos. A maioria sem proteção social e sem contribuir para a Previdência Social.
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