Vamos desmembrar em várias edições o tema-manchete deste Capital Social sobre a precarização do mercado de trabalho formal no Grande ABC, principalmente, mas também no Estado de São Paulo e tangencialmente no Brasil durante os sete anos de governo Fernando Henrique Cardoso até 2001. Esse é o resultado que mais julgo conveniente para manter o foco nessa questão que consolida todas as análises que fizemos sobre os desatinos do governo federal nos últimos anos e também porque solidifica a assertiva de que nenhuma outra região do País foi tão acentuadamente atingida pelos estilhaços da equipe econômica como os sete municípios locais.
A precarização do mercado de trabalho formal no Grande ABC em confronto com o restante do Estado pode ser facilmente entendida pelo seguinte enunciado, sempre considerando o período 1995-2001, do atual presidente da República, relativamente ao crescimento dos postos de trabalho de até três salários mínimos -- ou seja, R$ 600 hoje.
Enquanto o Grande ABC avançou em 98,62% (isto é, praticamente dobrou o número de assalariados com esse baixo vencimento), a Região Norte do País cresceu 41,1%, a Região Nordeste 28,3%, a Região Sudeste 34,8%, a Região Sul 32,3% e a Região Centro-Oeste 25,2%.
Acredito que os leitores não tenham a menor dúvida sobre esses confrontos amplamente desfavoráveis ao Grande ABC, atingido em cheio pela abertura econômica mais acelerada e desastrada que um governo federal poderia promover, além de outras anomalias compartilhadas por grande parte dos demais territórios nacionais, como os juros elevadíssimos, a guerra fiscal ensandecida, a sobrevalorização artificial da moeda, entre outros fatores fartamente conhecidos.
Como vamos ter várias edições deste Capital Social para destrinchar o assunto, ficaremos apenas com essas considerações depois de receber no final de sexta-feira os números definitivos do reestudo da Secretaria de Desenvolvimento, Solidariedade e Emprego da Prefeitura do Município de São Paulo. Evidentemente que a análise é pessoal, mas o ferramental que me foi colocado à disposição pelo técnico Thiago Ribeiro se junta a outros indicadores econômicos e sociais de que dispomos em arquivos próprios para construir o arrazoado que será desmembrado numa sequência de dias.
A Reportagem de Capa deste novembro da revista LivreMercado, que trata dos rombos provocados pela gestão econômica de FHC, não contempla esses números nem as avaliações deste Capital Social. Mas nem por isso sofre qualquer reparo. O que ali está escrito, e que reproduziremos até o final do mês em edição especial deste veículo, é tão monolítico que dispensa o mergulho no mercado de trabalho de carteiras assinadas.
Precarização dobrou
Dados compilados e metabolizados como informação e análise dão conta de que no período entre 1994 (último ano de Itamar Franco) e 2001 (penúltimo ano de Fernando Henrique Cardoso) o Grande ABC viu inchar seu mercado de trabalho formal de 93.305 trabalhadores para 188.044. Isso mesmo, não há erro de digitação. Esse crescimento da fragilização do assalariamento em 98,62% está nos arquivos do Ministério do Trabalho e Emprego, fonte estatística da secretaria paulistana.
A informação que publicamos aqui na semana passada, sob a manchete de que São Caetano é a campeã em precarização da mão-de-obra com carteira assinada, é absolutamente correta, apesar de os dados da secretaria paulistana terem passado por reparos e reacertos. Acompanhem -- e sintam o tamanho do drama regional da depauperação salarial -- os números do desempenho de cada Município durante a gestão FHC, sempre partindo da base deixada por Itamar Franco, em 1994:
São Bernardo contava com 25.988 trabalhadores com até três salários mínimos formais em 1994 e em 2001 teve esse contingente aumentado para 54.479. A participação relativa local passou de 13,3% dos empregos formais para 29,2% -- variação de 109,63%.
Diadema somava 11.936 em 1994 e saltou para 25.086 em 2001, com avanço relativo interno de 14,2% para 34,3% da mão-de-obra formal -- variação de 110,17%.
Santo André contava com 28.466 empregos formais ganhando até R$ 600 em 1994 e chegou a 50.030 sete anos depois, saindo de 23,7% de participação dessa faixa salarial no universo dos empregados locais para 42,4% -- variação de 75,75%.
São Caetano pulou de 15.790 postos de trabalhos formais até três SM em 1994 para 39.580 em 2001, ou seja, passou de 24,6% para 41,8% de participação relativa no mercado de trabalho local -- uma variação de 150,66%.
Mauá saiu de 6.800 trabalhadores formais ganhando até três salários mínimos em 1994 para 11.679 sete anos depois, saltando portanto de 20,9% para 34,4% de participação relativa no Município -- uma variação de 71,75%.
Rio Grande da Serra contava com 370 empregos formais em 1994 de até três SM e chegou a 1.158 em 2001 -- variação de 212,97%.
Ribeirão Pires passou de 3.955 empregos formais de até três salários mínimos em 1994 para 6.032 em 2001, dobrando, portanto, de 22,3% para 44% no mercado local -- variação de 52,51%.
E os triunfalistas de plantão?
É desse somatório de números que chegamos ao resultado regional de antigas 93.305 carteiras de trabalho assinadas com até três salários mínimos para 188.044 sete anos depois. Num próximo capítulo mostraremos, entre outros aspectos, por que São Caetano e Rio Grande da Serra precisam ser observados atentamente. Os efeitos da guerra fiscal no setor de serviços inflam os números dos dois municípios não só na faixa de até três salários mínimos como nas demais.
O fato inquestionável e que os triunfalistas já não terão como negar é que o inchaço de empregos de baixa faixa salarial (e olhe que não estamos falando ainda do crescimento absurdo do desemprego, do subemprego, da informalidade) decorre em todo o País dos terríveis equívocos da equipe econômica federal, mas, particularmente no Grande ABC, como estamos cansados de informar e analisar, foi muito mais destrutivo.
E antes que algum triunfalista de plantão venha com a hipótese absurda de que o crescimento do mercado de trabalho de até três salários mínimos é prova de vitalidade regional, temos a seguinte informação, de cuja análise tratarei nos próximos dias: o mercado de trabalho formal na região para carteiras de trabalho com mais de 10 salários mínimos despencou de 177.114 em 1994 (portanto antes do governo FHC) para 91.261 (nos sete anos de FHC). Uma queda relativa de 49,48% -- a maior do Brasil.
Por que o Grande ABC perdeu mais que o Brasil? Porque seu parque industrial foi duramente atingido pelo governo FHC, enquanto lideranças econômicas, sociais, sindicais, políticas e culturais se masturbavam com uma institucionalidade que só existiu mesmo nas folhas de jornal.
Aguardem o segundo capítulo das travessuras do governo que está deixando Brasília.
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