Economia

O que o Piritubão tem a ver com o
contaminado Residencial Ventura?

DANIEL LIMA - 15/07/2010

O noticiário que dá conta de contaminação do terreno onde se pretende construir o Piritubão, complexo que incorporaria o estádio da Capital para a Copa do Mundo de 2014, remete obrigatoriamente ao passivo dos construtores do Residencial Ventura, em Santo André. Os 320 apartamentos comercializados e erguidos no Bairro Jardim por um conglomerado de empresas, entre as quais a Cyrela e o Grupo De Nadai, então proprietário daquele espaço de 14 mil metros quadrados, são um engodo de consequências que o só o tempo dimensionará. Não é exagero afirmar que o Residencial Ventura tem tudo para confirmar o Efeito Orloff, ou seja, de que é potencialmente o Barão de Mauá da classe média de Santo André amanhã.


Os 320 apartamentos do Residencial Ventura foram vendidos a partir de um período em que laudos técnicos do Semasa indicavam contaminação ambiental do terreno, como expliquei em série de reportagens postadas neste site.


O caso não está encerrado. Muita água há de rolar sob essa ponte de delitos éticos e financeiros. Uma semana antes da festa de arromba, a superintendência do Semasa, em reunião com Sérgio de Nadai e Ubirajara Freitas, alertou para os riscos. Nada mais lógico que o Semasa agisse com responsabilidade. Uma indústria química ali instalada, a Atlântis, colocou no mercado imensa gama de produtos químicos durante nada menos que sete décadas.


As informações de que a área reservada ao Piritubão foi utilizada como ponto de descarte irregular de entulho e restos industriais por cerca de 20 anos pode colocar água no chope das pretensões da cúpula da Confederação Brasileira de Futebol que pretende ter no local a festa de abertura da próxima Copa do Mundo.


O secretário de Controle Urbano de São Paulo, Orlando Almeida, informou ao Estadão que é possível fazer a descontaminação da área em um ano. Suas declarações foram feitas um dia antes de o mesmo Estadão noticiar que refugos industriais foram depositados em parte daquele terreno.


É provável que o secretário não repita a previsão se eventualmente voltar a ser consultado, já que se baseava na informação de que jamais uma indústria ali foi sediada. “O que ocorria ali era a queima de pneus velhos”– disse Orlando Almeida.


Bem diferente, portanto, do que afirmaram moradores próximos, na edição desta quinta-feira do mesmo Estadão. O jornal paulistano fez histórico do uso daquela área e com base em declarações de moradores afirmou que, além do descarte irregular de entulhos, restos industriais de uma fundição também foram atirados no local onde uma pedreira foi desativada em 1987.


É possível que, diante da importância do local previsto para demarcar a presença paulista na Copa do Mundo e também dos desdobramentos da exclusão do Estádio do Morumbi, com posicionamentos beligerantes entre apoiadores e opositores da medida da Fifa e da CBF, a gravidade ambiental do terreno da Companhia City, proprietária daquela área, desperte a atenção aos abusos cometidos por empresários que não estão nem aí com os riscos embutidos em situações análogas.


É possível também que o Residencial Ventura tenha desfecho jurídico diferente do silêncio dos proprietários que não querem passar recibo de otários. Eles ainda não perceberam que entraram pelo cano. O mercado imobiliário é implacável. Não há um corretor de imóveis que, na ânsia de fechar negócio, deixe de argumentar que o preço de mercado é muito diferente quando se tem imóvel sobre área potencialmente explosiva.


Os proprietários que acreditarem em Papai Noel descartarão essa realidade. O tamanho do prejuízo será grande porque cada imóvel está avaliado em pelo menos R$ 600 mil. Outro ponto contraproducente à manutenção do valor de cada imóvel decorre de operação de uso e ocupação do solo estranhíssima que congestionou aquela área com quase 80 mil metros de construção e dois mil moradores. Uma barbaridade em termos urbanísticos, tanto para as famílias que ali se estão instalando quanto em impacto externo, sobretudo no sistema viário. As estripulias dos De Nadai e da Cyrela, que comandaram o empreendimento, não se limitam, portanto, à omissão do conteúdo dos laudos do Semasa na investigação ambiental daquele terreno. Também estão na alteração dos limites construtivos com consequente rebaixamento da qualidade de vida pelo excesso de densidade de moradores.


Leio também no Estadão outra informação que mais me convence de que o Residencial Ventura é uma traquinagem de altos coturnos políticos e administrativos. Trata-se de uma estatística da Cetesb que dá conta de que das 2.904 áreas contaminadas no Estado, apenas 110 foram recuperadas e tiveram uso liberado. Ou seja, não mais que 3,7%. É claro que o terreno que pertencia à Atlântis não constou da lista, apesar do parecer inquietante do Semasa. O custo dos reparos poderia reduzir drasticamente a lucratividade. O empreendimento jamais levou em conta qualquer obstáculo à aprovação ambiental. Quando o Superintendente do Semasa alertou sobre a perícia detectora de contaminação, foi solenemente ignorado.


A maior dificuldade que o Residencial Ventura encontra para prestação de contas acima de qualquer suspeita é que tanto a administração petista que deixou o Paço Municipal, depois de liberar a construção, quanto a administração petebista, que está no Paço e concedeu o alvará de habite-se, só tiveram a ganhar com o empreendimento. Diferentemente, portanto, da área do Piritubão, onde a briga é para valer entre facções partidárias e econômicas que, principalmente em ano eleitoral, medem forças nem que seja para atrapalhar o cronograma de eventuais obras e, com isso, inviabilizar o empreendimento.


Perto do Residencial Ventura, o Piritubão é café pequeno. Diferente do empreendimento do Bairro Jardim, potencialmente muito mais agressivo ao meio ambiente por conta da ocupação industrial e da metragem em questão, os problemas do Piritubão estão concentrados numa área muito restrita de um terreno muito maior. A relatividade de custos para recuperação do terreno favorece o Piritubão.


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