Economia

Evasão municipal de empregos
recrudesce baixo regionalismo

DANIEL LIMA - 09/08/2013

Não que o índice médio de ocupados que moram e trabalham no mesmo Município seja um indicador milagroso de estimulo à regionalidade da Província do Grande ABC, mas não tenho dúvida: quanto mais uma massa se desloca a outras cidades para garantir o pão nosso de cada dia, menos possibilidade haverá de exercício de cidadania local, mãe de todas as cidadanias. Um corpo e uma mente sacrificados diariamente no trânsito amalucado das metrópoles são presas mais fáceis à indolência ao coletivismo cívico. A fragmentação entre moradia e trabalho é um risco à quebra da representatividade social tanto quanto um escorregador de parque infantil tem tudo para virar manchete de jornais se desembocar num lago de jacarés.


 


Escrevo a propósito do estudo da Fundação Seade, do governo do Estado, observado sob lentes de otimismo por parte da mídia regional mas que, sob rigor crítico, mostra resultados inquietantes.


 


Quantos por cento dos moradores de Santo André e de São Caetano, por exemplo, trabalham em Santo André e em São Caetano? Sou capaz de apostar que mais da metade das respectivas populações deixam seus municípios para garantir renda no final do mês. O movimento do sistema viário de começo e de final de tarde denuncia a fuga de cérebros e de músculos.


 


42,6% de evasão municipal


 


A Fundação Seade diz que, em média, ou seja, considerando o conjunto dos sete municípios desta Província, 22,6% dos trabalhadores com residência na região atuam em outras sub-regiões da Região Metropolitana de São Paulo. Quando se efetiva o recorte municipal, ou seja, de trabalhadores da região que atuam fora dos respectivos municípios em que residem, a conta sobe sobremaneira: vai a 42,6%.


 


Se essa é a média regional, o que esperar de Santo André e de São Caetano, cidades que mais sofreram com o processo de esvaziamento industrial nos últimos 30 anos? A Fundação Seade não disponibiliza recortes municipais nesse quesito justamente porque o trabalho tem as cinco sub-regiões da metrópole como objeto de análise, mas qualquer incursão que eleve os índices de Santo André e São Caetano não se mostrará insano. 


 


Houve quem tratasse a evasão aparentemente controlável de cérebros e músculos da Província do Grande ABC como prova da pujança da economia regional. Bobagem. Perder 18,4% da força de trabalho para a vizinha Capital (esse é o resultado do estudo) revela que não temos capacidade de comportar as demandas locais. Argumentar como alguns que outras sub-regiões da metrópole exibem números mais expressivos é ludibriar a boa-fé porque, historicamente, a Província sempre se provou importadora de trabalhadores. Lamentavelmente a pesquisa da Fundação Seade não revela quem são esses quase 20% de ocupados com moradia na região e que têm de se dirigir à Capital para garantir sustento.


 


O que pesaria mais em termos de preocupação quando se observam esses dados, a evasão rumo à Capital ou o deslocamento interno, ou seja, de moradores ocupados de um determinado Município em relação a postos de trabalho em municípios vizinhos? Somente um trabalho científico muito bem elaborado poderia responder à questão.


 


Faltam iniciativas


 


É certo que se a Província contasse com intersecção entre poderes públicos, academia e iniciativa privada dispostos a escrutinar a ocupação de seus moradores sob diferentes aspectos, obteríamos resultados fabulosos. Provavelmente com indicações sólidas sobre reorganização do tecido econômico regional tendo como um dos pontos de convergência uma tomada estratégica de humanização do que chamaria de logística dos deslocamentos.


 


Imaginem os leitores o que significa para uma Santo André e uma São Caetano perder mais da metade do contingente de moradores no cotidiano do trabalho porque essa massa se desloca a outros municípios? Não há meios de aglutinação pró-cidadania municipalista que resista. E sem cidadania municipalista não existe possibilidade concreta de se alcançar cidadania regionalista.


 


Fosse a Província do Grande ABC um único Município, não essa barafunda de sete pedaços que não se comunicam institucionalmente porque a ciumeira é generalizada e os interesses locais intocáveis, o resultado da pesquisa da Fundação Seade não seria tão desastroso. O sentimento municipalista prevaleceria subjacentemente.


 


Como na Capital de dimensões territoriais muito maiores e onde 95,4% dos moradores trabalham na própria cidade. Isso mesmo: menos de 4% dos moradores de São Paulo trabalham em municípios distintos. A média municipal de trabalhadores que moram nos respectivos municípios entre os demais 38 endereços da Região Metropolitana de São Paulo é de 68,9%%. A Província chega a 78,4% quando vista, repito, em conjunto, mas quase empata o jogo entre moradores e trabalhadores em um mesmo Município.


 


Decodificar os dados


 


Até porque a finalidade do estudo da Fundação Seade é exclusivamente expositiva dos números de transformações econômicas e de mobilidade do trabalhador na Região Metropolitana de São Paulo, cabe ao jornalismo decodificar o material democraticamente exposto no site da instituição. Algo a que me lancei sofregamente porque estava em busca de dados que confirmassem empiricamente o que se observa com um simples gesto a qualquer momento em minha sala de trabalho na Avenida Pereira Barreiro: o movimento intenso de veículos ao final de cada jornada de trabalho é diametralmente oposto entre os que sobem em direção a Santo André e os que se dirigem a São Bernardo. O antigo “celeiro industrial” perdeu o viço econômico e sobrevive do setor terciário porque conta com a sorte de estar no coração geográfico da região, caminho quase obrigatório a quem se movimenta internamente na Província.


 


Ainda bem que a centralidade geográfica regional atenua os desajustes de Santo André quando se trata principalmente do mercado de serviços e comércio. O encalacramento logístico em que Santo André se meteu ao longo dos tempos é o anticlímax à retomada industrial. Daí se esperar das autoridades públicas iniciativas que atenuem as complicações. Não será com desfile de noivas na Oliveira Lima ou tampouco com um suposto Polo Tecnológico de ação seletiva que a Administração Carlos Grana desatará o nó górdio do desenvolvimentismo planejado.


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