Economia

Condomínio contaminado: entrega
de chaves a vítimas ou a otários?

DANIEL LIMA - 31/05/2010

Com o cinismo próprio de quem possivelmente se considere impune após cometer tantas sandices, o grupo empresarial que se meteu a erguer o Residencial Ventura no Bairro Jardim, em Santo André, realiza hoje à noite, no próprio local, um coquetel para festejar com os proprietários entrega de chaves dos 320 apartamentos. Teremos uma noite de vítimas ou de otários?


Serão vítimas todos os proprietários que, conhecedores dos deslizes éticos e negociais que moveram aquele empreendimento, deixarem de lado a diplomacia do silêncio e resolverem agir, requerendo dos representantes do grupo empresarial prestação de contas dos danos ambientais. Com o necessário arbitramento de gente que entende do ramo. Quem sabe até mesmo de um instituto que tenha ferramental e capital humano para vasculhar aquela área tão avidamente ocupada por quase 80 mil metros quadrados de construção que, embora reservada à classe média alta, mais se assemelha a classes populares.


Duvideodó que Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas, representantes do Grupo De Nadai e da Cyrela, comparecerão à entrega das chaves. Se estiverem, será uma ótima oportunidade para questionamentos.


Os sete capítulos em que dividi o histórico do empreendimento são suficientes para nocaute técnico. O grupo empresarial não saberá responder porque aprova no silêncio envergonhado que lidera empreendimento cuja matriz de mentiras e dissimulações não encontra parâmetro no mercado imobiliário, por mais atravessadores que a atividade ainda comporte. Ou é rotineiro que uma área ocupada durante sete décadas por uma indústria química altamente poluidora seja aprovada de forma tão privilegiada como aquela sobre a qual se ergueu o Residencial Ventura?


Ao fechar olhos e ouvidos às denúncias, numa operação que estimula os boatos de que não foram apenas critérios burocráticos que moveram a administração pública a tomar a decisão de conceder nos últimos dias o habite-se ao empreendimento, a Prefeitura de Santo André assina conjuntamente com os empreendedores um atestado de óbito ético.


Agrava-se ainda mais a situação à Prefeitura de Santo André a indiferença às informações aqui veiculadas e consumidas por secretários municipais e cúpula administrativa, cadastradas em nosso banco de dados a consumir as chamadas de nossos textos. O deslize inclui o silêncio e a inapetência para resgatar o histórico da legislação de uso e ocupação daquela área, beneficiadíssima por manobras especulativas que a tornaram residencial denso volume de ocupação em substituição ao estritamente industrial.


Como tudo isso — ou seja, a mudança de uso e ocupação do solo — ocorreu durante o governo petista de Celso Daniel ou de João Avamileno, e a administração de Aidan Ravin faz vistas grossas aos impactos urbanísticos no Bairro Jardim, com dois mil novos moradores proprietários de pelo menos 600 veículos, hão de convir os leitores que não é suposta generosidade administrativa a omissão do Paço Municipal.


Serão otários todos os proprietários de apartamentos que, conhecedores destas denúncias, fizerem-se de mortos, na tentativa patética de, ao não polemizarem sobre as irresponsabilidades cumulativas do grupo empresarial, preservariam o valor monetário do investimento.


Será um chute na própria canela porque já é de domínio público, principalmente nos meios de intermediação imobiliária que ditam as regras de preços dos empreendimentos entregues, que o Residencial Ventura é uma loteria que tanto pode manter-se ambientalmente calmo e tranquilo por anos a fio como repetir o espetáculo de insegurança do Barão de Mauá, aquele condomínio popular de Mauá sobre lixo industrial e cuja cotação não chega à metade dos valores comerciais que antecederam as explosões.


Sei por conta de fontes confiáveis que o coquetel marcado para esta noite no Residencial Ventura não terá o ambiente festivo imaginado pelo grupo empresarial. Tanto que se duvida que Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas ali estarão. Deverão mandar representantes. Gostaria imensamente que alguma surpresa ocorresse. Quem sabe ainda temos instituições a salvo da montanha de imoralidades que infestam o Grande ABC? Ou um grupo de proprietários de apartamentos, quem sabe, assuma de vez a condição de vítimas?


Num País sério, convenhamos, em vez de chaves, a noite seria de algemas. Inclusive algemas morais para lideranças do setor imobiliário que, nesse jogo de sem-vergonhice sem fim, se fingem de mortas e envergonham os empreendedores do setor, prejudicados com a concorrência desleal de quem tem poder de fogo econômico e político para lançar e construir imóveis com tamanha aversão à responsabilidade social.


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