Economia

Eu não tenho coragem de morar
no Residencial Ventura (7ª parte)

DANIEL LIMA - 27/05/2010

Aviso aos veículos de comunicação do Grande ABC que subestimam a segurança do Residencial Ventura, no Bairro Jardim, em Santo André, construído num terreno ocupado durante 70 anos pela Atlântis, indústria química altamente poluidora: há mobilização discreta de proprietários de apartamentos lançados comercialmente em dezembro de 2006. Em contraposição à movimentação incipiente mas indignada está programada festiva entrega das chaves nos próximos dias. Tenta-se, com a iniciativa, concluir simbolicamente a consumação de uma obra que obteve habite-se após estranhíssimo silêncio da Prefeitura de Santo André.


O que pretende o grupo empresarial que conduziu o empreendimento, Cyrella e Família De Nadai à frente, é evitar que alguma medida judicial ou assemelhada coloque um ponto final ou, mais provável, reticências nessa empreitada. Esquecem que, mesmo com a entrega das chaves, autoridades do Judiciário podem acabar com a farra de colocar em risco 320 famílias.


Quem garante que a entrega das chaves se limitará ao coquetel programado, com convites distribuídos?


Quem sabe a voz da razão não intervenha e tome providências cabíveis para minimizar os estragos da operação Residencial Ventura?


Minimizar no caso seria atestar com base em perícia de instituição de lastro que, apesar de todos os pesares, aquele condomínio residencial poderá sim receber perto de dois mil moradores sem riscos de repetição do caso Barão de Mauá.


Ou o leitor é ingênuo a tal ponto que tem dúvidas de que, depois de ler, por exemplo, o sexto capítulo desta série, não há perigo algum de morar no Residencial Ventura?


Respeito os interesses dos veículos de comunicação que se fecham às evidências de violação da ética e da responsabilidade social pelas companhias que criaram o Residencial Ventura sobre um terreno que nem mesmo a consultoria ambiental contratada pelos próprios empresários deixou de apontar complicações.


Só entendo que quando interesses extra-jornalísticos se sobrepõem aos fatos mais que comprovados, e esses fatos implicam em alto risco de desdobramentos, a desmoralização ganha forma semelhante à daquele pedaço de corda em filmes de faroeste para dependurar supostos ou comprovados delinquentes.


Tenham certeza que os representantes do mercado imobiliário do Grande ABC, em larga parcela inquietos com o futuro da sociedade regional, em contraposição a lideranças do setor que nada fazem para coibir abusos, tenham certeza, repito, que esses representantes torcem para que tudo não termine em pizza.


Os veículos de comunicação da região que temem represálias econômicas do grupo empresarial que concebeu o Residencial Ventura estão perdendo grande oportunidade de estreitar laços com gente do setor que gostaria de ver o mercado desinfetado. Até porque, convenhamos, Sérgio De Nadai jamais foi do ramo. O negócio dele é outro. Principalmente os presidiários. Ele arrastou grandes players imobiliários, é verdade. Isso só prova o quanto é sedutor e o quanto conhece os segredos do chão em que pisava, já que se mudou para a Capital.


Tudo isso é apenas um breve comentário típico de jornalista que não olha apenas para o próprio umbigo. Sinto a repercussão destas denúncias, embora não tenha preocupação com audiência. A receptividade eleva-se a cada dia. Mais e mais leitores experimentam este espaço digital, atraídos pelo conteúdo que já alcança quase 900 textos e por chamadas diárias à leitura a 70 mil cadastrados.


O segredo da fonte que implica a discrição jornalística me impede revelações nominais, mas há avalanche em evolução, contrária ao modus operandi do grupo empresarial que exorbitou na condução do Residencial Ventura.


Sinto, entretanto, que há posicionamento paradoxal da maioria. Ao mesmo tempo em que se mostram indignados com o drible da vaca aplicado pelos empresários, buscam alguma forma de encontrar salva-vidas financeiro.


Há essa dualidade de proprietário que se sente lesado ao adquirir um bem que lhe conferiria ou confirmaria conforto e status social e de proprietário que torce para que a propagação das irregularidades não ganhe vulto e, portanto, o investimento não submerja nas águas da depreciação — como os moradores do Condomínio Barão de Mauá.


Não faltam proprietários de unidades do Residencial Ventura que me fazem perguntas, que me exigem soluções como se eu fosse polícia, promotor de Justiça, atendente do Procon, essas coisas. Há dispersão entre eles. Até quanto continuarão separados, isolados uns de outros, sem levar adiante, quem sabe, plano para resolver o impasse?


E se aparecer entre as vítimas ao menos uma liderança capaz de colocar o carro da indignação nos trilhos?


É impossível sonegar aos interessados cópias do processo que culminou com a liberação da obra. Até que ponto o inventário que consta dos arquivos do Semasa escapuliriam ou seriam adulterados como fórmula maquiadora de operação que deixou rastros indeléveis de negligenciamento dos valores humanos implícitos na condição de condôminos dos proprietários ou inquilinos?


Duvido que o maquiavelismo chegue a tanto, por mais que o passado do empreendimento revele o descaso com o bom senso.


Existe bom senso quando se lança à venda apartamentos num terreno cujo parecer técnico aponta fortes indícios de contaminação ambiental?


Existe bom senso quando se dá autorização para as obras dos apartamentos num terreno cujo laudo insiste em apontar série de complicações ambientais?


Existe bom senso quando, diante de tantos problemas, o grupo empresarial fecha-se em copas, mantém todos, ou quase todos, longe de qualquer informação relevante e acredita piamente que sairá integralmente ileso da operação?


O grupo empresarial que construiu o Residencial Ventura estará encalacrado de vez se os proprietários tiverem a sensibilidade aflorada e resolverem reagir. É o que sinceramente espero deste posto de observação que não pode ser confundido, como alguns espertinhos pretendem, com blogues preparados por amadores, por oportunistas, por gente que não é do ramo.


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