Economia

Como ocupar espaços
que sobram na região?

ANDRE MARCEL DE LIMA - 09/07/2006

Dos mitos que atravancam a compreensão da realidade socioeconômica da região, um dos mais persistentes diz que o Grande ABC não dispõe de espaço físico para acolher novas empresas ou ampliação das já instaladas. Diante do suposto estrangulamento espacial, indústrias que precisam crescer seriam praticamente obrigadas a sair em busca de territórios que ofereçam metros quadrados de sobra. O mito da falta de espaço físico é tão arraigado que até o deputado e ex-ministro Delfim Netto embarcou nesta canoa avaliativa — evidentemente furada — em palestra na região alguns anos atrás. Expert em macroeconomia, Delfim derrapou na pista da regionalidade ao verbalizar lugar-comum que, vez ou outra, pontua o discurso de empresários e lideranças locais.


 


Um visitante desavisado que interpretasse o Grande ABC com base no mito da falta de áreas para empresas tenderia a imaginar que a região é o supra-sumo do aproveitamento territorial com vista ao desenvolvimento sustentado. A arguida escassez representaria, no fundo, notícia positiva, na medida em que denotaria ocupação completa de patrimônio imobiliário supostamente disputado. Como lojas com filas de consumidores em dia de liquidação ou festa de arromba cujos convites são disputados a tapa, a região estaria com tudo se o diagnóstico fosse fato consumado.


 


Entretanto, basta fazer um tour para constatar exatamente o contrário: a região dispõe de milhões de metros quadrados disponíveis para ocupação, mas o estoque não se reduz — entre outras razões — porque preços altos demais afugentam empreendedores. O verdadeiro calcanhar-de-aquiles do Grande ABC é falta de espaço a preço economicamente viável, e não simplesmente falta de espaço — típico exemplo de meia verdade.


 


Custo fundiário alto demais é efeito colateral do boom vivido nos primórdios da industrialização automotiva. Nas últimas décadas as vantagens comparativas do Grande ABC foram dilapidadas por conjunto de fatores que inclui o encurtamento das distâncias graças ao desenvolvimento das telecomunicações e da malha rodoviária, o encalacramento logístico metropolitano agravado pela falta do trecho Sul do Rodoanel, a guerra fiscal intra-estadual, entre outros que explicam a perda de mais de um terço do Valor Adicionado nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.


 


O passado pujante embalado pelas montadoras em ascensão foi substituído pelo presente incerto simbolizado na crise da Volkswagen. Mas as áreas industriais estão precificadas com base em uma conjuntura que não existe mais. O Grande ABC empobreceu, mas proprietários de terrenos e imóveis supervalorizados não caíram na real.


 


É claro que poderes públicos têm papel importantíssimo. Cabe aos governos municipais adotar sistemas de tributação progressiva que estimulem a ocupação e penalizem a ociosidade. É exatamente o que começou a fazer a Prefeitura de Santo André. Sem alarde e sem divulgar detalhes, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação comandada por Rosana Denaldi deu início à notificação de imóveis desocupados ou subutilizados.


 


Os proprietários terão prazos para ocupação produtiva, inclusive com fracionamento de áreas muito amplas. Caso contrário, deverão arcar com custos crescentes de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). As notificações em curso representam desdobramento de levantamento completo dos imóveis ociosos ou subutilizados na cidade, incluindo a área de influência do chamado Eixo Tamanduatehy.


 


Duplo impacto


 


A exemplo de Santo André, as demais administrações precisam se debruçar sobre a questão dos altos custos fundiários porque a distorção tira o fôlego das principais cadeias produtivas do Grande ABC: autopeças e transformadores plásticos. Das 648 unidades industriais registradas pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), 104 estão no Grande ABC, ou 16,1% do total. O percentual é ainda menor que a participação regional de 22% na produção nacional de automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões em 2005, de acordo com levantamento de LivreMercado. Mas ganha relativa robustez quando comparado a outros indicadores do Sindipeças. As autopeças do Grande ABC respondem por 13,7% do total de empregados, ou 27 mil dos 197 mil, 13,9% do faturamento e 13,5% dos investimentos no País.


 


A diferença de quase três pontos percentuais entre a quantidade de unidades produtivas e indicadores de empregos, receita e investimento é a comprovação estatística de que a evasão da produção deu-se em patamar superior ao da descentralização das plantas. Evidencia que as fábricas criadas no Interior paulista e em outros Estados absorveram trabalhadores e produtos em doses proporcionalmente mais expressivas e, a julgar pelo indicador de investimento, têm futuro mais promissor.


 


Vistas no conjunto, as autopeças da região que não engrossaram estatísticas de mortalidade estão em dieta de escala, contratações e inversões tecnológicas. Ingressaram em um círculo vicioso de perda de competitividade que contrasta com o círculo virtuoso das regiões mais preparadas para o jogo da competitividade.


 


A espiral negativa não surpreende quem acompanhou a exposição de representantes de autopeças no seminário sobre revitalização da indústria automotiva do Grande ABC, em abril último. Conselheiro do Sindipeças e presidente da Sogefi, Mario Milani sugeriu saída inusitada para driblar altos custos fundiários: um fundo governamental destinado à criação de condomínio industrial de autopeças.


 


O empresário garante que a reivindicação cairia como luva para muitas empresas que precisam adotar figurinos mais modernos para não sucumbir aos ataques da China e de outros competidores internacionais. “Seria uma forma de incentivar a permanência das empresas na região. As autopeças não saem porque querem, mas porque precisam” — desabafa, antes de citar o próprio exemplo. “Nossa fábrica em São Bernardo tem 42 anos e padece de layout totalmente inadequado. São cinco desníveis em função de aquisição de imóveis vizinhos ao longo do tempo, sem falar que foi rodeada por residências”.


 


É claro que a dificuldade de encontrar área industrial isenta de sobrepreço não é a única razão que fez com que a produção de autopeças se descentralizasse em ritmo ainda mais acelerado que o das montadoras. Afinal, custos trabalhistas igualmente inflados no passado de pujança econômica pesam sobremaneira na equação. “Parte significativa do enxugamento das autopeças cabe ao comportamento sindical que, no passado, encareceu demais o custo das empresas” — sintetizou Paulo Butori, presidente do Sindipeças, no mesmo seminário automotivo. Com ele concordou Paolo Paparoni, da Proema, que também participou do evento. “Temos 700 funcionários no Grande ABC e outros 700 fora da região. Não fosse o custo trabalhista insustentável, os 1,4 mil poderiam estar aqui” — considerou.


 


Oportunidade


 


Se para autopeças custo imobiliário é fator adicional de estímulo à descentralização, para a cadeia dos transformadores plásticos pode significar desperdício de oportunidade. O Pólo Petroquímico de Capuava se prepara para crescer após muitos anos de estagnação. A capacidade da Petroquímica União saltará de 500 mil para 700 mil toneladas anuais de eteno a partir de 2008 e a produção da Polietilenos União saltará de 130 mil para 330 mil toneladas anuais de insumos termoplásticos no mesmo período.


 


Levando-se em conta que 16 toneladas a mais de processamento na segunda geração representam um posto de trabalho na terceira geração, o Grande ABC pode ganhar 12,5 mil empregos em pequenas e médias empresas, número equivalente ao quadro da Volkswagen Anchieta. Para que a multiplicação de empregos se concretize, é preciso oferecer condições vantajosas para que transformadoras plásticas se expandam e se instalem na região. E o custo da terra desponta como a variável mais importante, já que a condição logística na órbita do Pólo de Capuava é imbatível.


 


A necessidade de políticas públicas que coloquem ativos imobiliários ao alcance da terceira geração foi uma das principais conclusões do Ciclo de Debates promovido por LivreMercado, em novembro do ano passado. “O Distrito Industrial de Sertãozinho serve de alerta sobre o que devemos evitar caso desejemos criar condomínio industrial para empresas do plástico. Embora haja espaço, empresas encontram dificuldades para se instalar porque o preço do metro quadrado se tornou proibitivo. Quem chegou primeiro pagou R$ 30,00 o metro quadrado, mas o preço já ultrapassou R$ 100,00” — destacou Nívio Roque, diretor da Polietilenos União e integrante da Apolo (Associação das Indústrias do Pólo Petroquímico do Grande ABC).


 


Enquanto Mauá e Santo André não despertam para mecanismos voltados ao adensamento da cadeia plástica, já que as notificações da Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Santo André ainda não estão conectadas a um plano de desenvolvimento especificamente voltado para o setor, alguns empreendedores procuram se virar por conta própria. Vinte pequenas empresas da região — a maioria do setor plástico — estão envolvidas em projeto para criação de condomínio industrial preferencialmente na Avenida dos Estados, em Santo André. “Queremos centralizar atividades afins para ganhar sinergia e compartilhar serviços comuns com economia de escala” — explica o consultor Cido Faria, da Expodel.


 


Cido Faria endossa a análise de que o custo imobiliário de áreas industriais é absurdamente alto no Grande ABC. “Tanto que algumas empresas do grupo preferem que o condomínio seja instalado no Interior paulista” — destaca. A hipótese que representaria um nocaute na regionalidade só não deve ser consumada porque a condição logística ainda pesa mais na balança decisória. Mas não por muito tempo. “Quando o trecho Sul do Rodoanel entrar em operação, o custo do frete vai cair para as empresas que estiverem fora do Grande ABC e os empreendedores não estarão mais dispostos a pagar muito mais caro para se instalar na região” — observa o consultor. Ele lembra que o projeto depende de uma boa negociação de compra de terreno e de liberação de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para sair do papel.       


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