Querem os leitores mais prova provada de que não exagero ao ter escolhido os termos do título desta série de reportagem sobre os riscos ambientais que ameaçam os proprietários ou inquilinos dos 320 apartamentos do Residencial Ventura, instalado no Bairro Jardim, em Santo André?
Então, prestem atenção na seguinte contextualização dos fatos. Chamo a atenção porque é fundamental ação redobrada à cronologia dos fatos narrados. Se o leitor que também é proprietário de um dos apartamentos pretender mergulhar de vez em aspectos técnicos do empreendimento, não deixe de duplicar cuidados.
Em 19 de dezembro de 2006 recebi um e-mail do grupo empresarial em questão (Cyrela Brazil Realty, Mac Engenharia, Grupo De Nadai e Abyara Planejamento Imobiliário), dando conta de que o Residencial Ventura estava livre de qualquer risco de contaminação, apesar de ter sediado durante 70 anos uma indústria química comprovadamente de alto risco ambiental.
Não há nenhum tipo de contaminação no terreno onde será construído o empreendimento, segundo laudo técnico da Conan Consultoria Ambiental, renomada empresa especializada na análise técnica do estado do solo.
Foi esse um dos vários trechos do material encaminhado pela assessoria de imprensa do grupo empresarial a este jornalista, então diretor editorial da revista LivreMercado. O que interessava ao grupo empresarial é que informação em contrário não fosse divulgada. Suspendemos a reportagem.
É importante lembrar que à ocasião já circulava entre os empreendedores um laudo técnico do Semasa, autarquia municipal de Santo André responsável por investigações no terreno. O documento contrariava o parecer da consultoria ambiental contratada pelo grupo empresarial. Mais que isso: os empresários Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas, pontas-de-lança do grupo empresarial, já tinham tido encontro pessoal com o então superintendente do Semana, Sebastião Ney Vaz. Eles se encontraram uma semana antes do lançamento comercial do Residencial Ventura. Sebastião Ney Vaz lhes explicou, na sede do Semasa, que o laudo dos técnicos daquela autarquia municipal indicava problemas de contaminação do terreno.
Feitos esses reparos, sigo em frente. Como se recordam os leitores, refiro-me a um documento do grupo empresarial datado de 19 de dezembro de 2006, mais precisamente emitido uma semana após a festa de lançamento do empreendimento comercial numa área reservada no próprio terreno das antigas instalações da Atlântis. O documento faz parte de dossiê que preparei a partir do instante em que tive informações confiáveis de que algo de podre estaria naquele solo. E também muito acima do solo.
Agora, chegamos a maio do ano seguinte, 2007; portanto, cinco meses após os apartamentos terem sido lançados com pompa e circunstância e já com grande parte das 320 unidades comercializadas. Trata-se agora de novo posicionamento da mesma empresa privada contratada para elaborar o parecer inicial contestado pelo Semasa, a Conan Consultoria Ambiental.
Para quem, em dezembro de 2006, afirmava que o terreno de 14 mil metros quadrados estava isento de condicionalidades — foi isso que aqueles termos ensejam, não é verdade? — o que consta de nova investigação da Conan, por conta de restrições do Semasa apontadas em novembro de 2006, não é minimamente correlacionado a qualquer conceito de ética e de responsabilidade social.
Qual juízo de valor o leitor atribuiria ao “Relatório de Investigação Ambiental Confirmatória Complementar”, como é identificado o documento da consultoria ambiental privada que consta dos arquivos do Semasa?
Querem saber os leitores o que a própria Conan imprimiu no dito relatório encaminhado ao Semasa? Então leiam:
Assim, recomenda-se que deverão estar contempladas no “Plano Executivo de Intervenção da Obra”, as seguintes medidas: a) Restrição do uso da água subterrânea para qualquer fim. Caso haja interesse em se fazer uso da água subterrânea, recomenda-se o acompanhamento periódico através de análises químicas das amostras de água, com base na Portaria 518 do Ministério da Saúde; b) As obras de escavação do terreno deverão ser executadas de forma a evitar a interceptação do lençol freático, evitando a necessidade de bombeamento do aquífero; c) Durante as obras de escavação do terreno, recomenda-se que seja feito acompanhamento técnico criterioso e que caso surja algum indício de contaminação, as atividades de escavação deverão ser interrompidas para que se realize um detalhamento desses contaminantes; d) Qualquer área do imóvel em que foram desenvolvidas as atividades fabris que venha a ficar exposta com o solo local, deverá ser recoberta por uma camada de no mínimo 10 centímetros de solo natural.
Se já não fosse suficiente o novo relatório da empresa contratada pelo grupo empresarial para desmascarar a embalagem e o conteúdo de um produto a que se atribuiu virgindade ambiental quando do lançamento comercial, ainda há mais condimentos nesse sarapatel de desajustes éticos e comerciais.
Basta ler o parecer técnico do Semasa, assinado em 13 de setembro daquele mesmo ano, de 2007, duas semanas antes de — incrível, arrebatador, inacreditável, fantástico — o mesmo Semasa e a Cetesb autorizarem a construção do empreendimento. Tudo, certamente, cercado pela doçura lobista de quem não podia mais esperar para cumprir o contrato de início de obras.
Em suas conclusões o estudo não esclarece os indícios de contaminação observados nas águas que escoam dos drenos localizados na base do talude presente na área. Em nova vistoria (do Semasa) à área, no dia 19/06/07, foi coletada uma amostra de água dos drenos e confirmado o forte odor de “solvente” da mesma. É necessário que o estudo tenha como base a resolução da questão — analisou Alessandra Miranda Crespi, Assistente de Departamento de Gestão Ambiental do Semasa.
Duvido que os leitores e, principalmente, os adquirentes de apartamentos do Residencial Ventura, se deixarão engabelar por representantes do grupo empresarial em qualquer tentativa de desclassificar estas denúncias. É muito provável que eles, os empresários ou seus cães de guarda, unam-se num coro de vozes mais que suspeitas para repelir qualquer obstáculo que envolve o empreendimento.
É mais provável ainda que o grupo empresarial se utilize de duas frases que consideram mágicas para tentar colocar um ponto final no caso. Dirão eles: “O Semasa aprovou a construção”. Ou: “A Cetesb aprovou a construção”.
É possível que a segunda frase seja a preferida do grupo empresarial. Eles devem conhecer bem o nosso Completo de Gata Borralheira. O que é da vizinha Capital é sempre melhor, mais confiável. Não é por outra razão, aliás, que, quando os filhos da terra fazem fortunas, tratam logo de mudar para a Capital. Sérgio De Nadai, um dos sócios do empreendimento no Bairro Jardim, mudou-se para a Cinderela, depois de transferir a indústria de quentinhas também para lá. Desta forma, ele não enfrentará dissabores de, em rodas sociais, ser apontado como um dos responsáveis por um empreendimento imobiliário que, em vez de sonho, pode se transformar em pesadelo para os moradores. Independentemente de o mercado imobiliário já puni-los com depreciação precoce e preventiva.
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