Economia

Eu não tenho coragem de morar
no Residencial Ventura (5ª parte)

DANIEL LIMA - 25/05/2010

O acordo informal de não-hostilidade entre a administração de Aidan Ravin e o Partido dos Trabalhadores em Santo André é a melhor explicação para o fato de o complexo caso do Residencial Ventura ainda não ter ingressado na pauta de debates do Paço Municipal e do Legislativo. Depois de início de combates que incluíram rabos-de-arraia, xingamentos, provocações, aleivosias e tudo que se espera quando se colocam em confronto ideologias tão diferentes, situacionistas e oposicionistas entraram em acordo: não me chute que eu também não te chuto.


Ficasse apenas nisso, convenhamos, seria uma maravilha, porque ao menos poder-se-ia sugerir que o tratado de paz levaria a muitas realizações programáticas, tanto de uns quanto de outro. O interesse público, portanto, estaria não só preservado como valorizado.


O problema é que se trata de armistício com desenhos bizarros pré-definidos, nos quais ambas as partes levam vantagem. Para dor e azar dos contribuintes. Ou dos adquirentes dos apartamentos do Residencial Ventura.


A democracia legislativa em Santo André cedeu espaço ao materialismo de ocasião.


Os chamados interesses republicanos foram literalmente para o brejo.


Há entre o Executivo e o Legislativo de Santo André uma clara percepção de que o Residencial Ventura é assunto incômodo, mas como envolve interesses cruzados das duas instâncias de poder, e mais um terceiro vértice tão próximo, representativo do poder econômico, tratou-se logo de acertar os ponteiros.


Os petistas caem em silêncio profundo. Sabem que a administração de João Avamileno seria exposta a desleixos imperdoáveis ou fartamente compensáveis. Os petebistas aproveitam que o adversário joga na retranca: tomam conta do gramado, da arquibancada, da arbitragem e do placar eletrônico.


Situação e oposição em Santo André fazem jogo de cena mais que suspeito. As diferenças são tão pronunciadas entre os dois grupos que somente vantagens recíprocas explicariam o ambiente de conciliação.


De vez em quando observa-se alguma trepidação que, de fato, não passa de tentativa de ludibriar o distinto público.


Petebistas e petistas de Santo André vivem fase de ajustes de contas que têm como prioridade a arrumação mútua de vantagens. Depois dos primeiros meses da gestão Aidan Ravin demarcar a posse do Paço Municipal, recorrendo com estardalhaço a evoluções de marketing que incluíram o apagar do vermelho petistas de vários equipamentos públicos, inclusive de transporte coletivo, o encontro das águas se deu para apaziguar os ânimos e compartilhar vantagens orçamentárias.


É um toma-lá disfarçado, dramatizado previamente e que incluiu, no pacote de acertos, até mesmo o financiamento irregular da campanha que levou Aidan Ravin ao Paço Municipal.


Não se deve mexer no vespeiro do Residencial Ventura que um jornalista abelhudo se meteu a escarafunchar. A perspectiva de que dê em complicações para petistas e petebistas acabará se esvaziando caso a indiferença prevaleça. Colocar mais lenha nesse fogão teria o mesmo sentido de botar fogo na imensa rede de vantagens mútuas que situacionistas e oposicionistas custaram a costurar.


Só lamento dizer que estão acreditando em conto da carochinha. Alguma instância de poder ainda haverá de se levantar contra a imoralidade e os riscos latentes do Residencial Ventura.


Há tanta certeza a sustentar essa possibilidade que insisto em continuar com esta série, porque nem todos os podres sobre os quais detenho provas estão devidamente expostos.


Sabem os prevaricadores da moralidade dos negócios, no caso o consórcio de empresas que ludibriou a boa-fé dos proprietários de imóveis, que estou forradíssimo de razão. Tanto que, embora seus representantes acompanhem atentamente estas linhas, jamais cairão na cilada de mover qualquer ação judicial que seja contra este jornalista. Aí a porca torceria o rabo. Seria a oportunidade que tanto aguardo para despejar sobre a mesa de um representante do Judiciário o caminhão de provas de que o Residencial Ventura ultrapassou todos os limites de abusos.


Esperar, portanto, que a administração Aidan Ravin bote a mão nessa cumbuca, mesmo que a cumbuca tenha sido gestada durante a administração petista de João Avamileno, seria acreditar que a liberação de ocupação do Residencial Ventura não representará benefícios para quem está no Paço Municipal. Que tipo de benefícios? Deixo a resposta à imaginação dos leitores mais ligados à realidade que envolve uma administração pública cuja autoridade legal lhe confere o direito de emitir a chancela de habite-se.


Aliás, sobre o habite-se, a informação que dois dos compradores do Residencial Ventura me repassaram por e-mail é que a Prefeitura de Santo André já desamarrou o cadarço da precaução, jogou às favas as meias da inquietude, atirou longe os sapatos da desconfiança e enfiou entre os dedos sandálias que nada têm a ver com sentimento de humildade, mas de pura acomodação. Ou seja: liberou geral.


Mais que isso: afirmam os receosos adquirentes que graduados funcionários públicos de Santo André dão como resposta às suspeitas sobre as irregularidades no Residencial Ventura que a expedição do alvará de construção emitida pela Cetesb é suficiente para a administração pública permitir que proprietários ou inquilinos se mudem para aquele endereço que durante sete décadas sediou uma indústria química altamente poluidora do solo. Se não o fizeram ainda é porque o condomínio ainda não foi entregue formalmente. Há obras em fase final.


Enfim, o que prevalece entre proprietários de apartamentos do Residencial Ventura é o instinto de sobrevivência financeira de que vale mais a pena o risco do silêncio de quem faz de conta que não conhece a potencialidade do problema ambiental naqueles mais de 70 mil metros quadrados de construção do que abrir a fileira de supostos otários que se meterem numa enrascada certos de que estavam fazendo um grande negócio.


Trata-se, em resumo, da lei da selva de pedra: ao mesmo tempo em que ninguém se manifesta oficialmente para esclarecer judicialmente o caso porque não quer ser acusado de deduragem e consequente desvalorização adicional do empreendimento, todos torcem para que, paradoxalmente, alguém tenha a coragem de, documentos à mão, apresentar-se ao Procon ou a qualquer instância que possa dar tratos à bola.


Nesse joguinho de vai-não-vai, quem sabe, os próximos dias sejam esclarecedores. Até porque, a série continua.


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