Pela primeira vez na vida de jornalista li algo tão surreal: um leitor desta revista digital me enviou mal-ajambrado, breve e ofensivo e-mail cobrando-me um atendimento a que jamais fui submetido: o de vê-lo como cliente. Pelo pressuposto que ele sugere, ou manda, não tenho outra saída senão agradá-lo, porque o tal manual que inventaram para quem serve alguma coisa diz que o cliente tem sempre razão. Se o conceito já acondiciona uma barbaridade de autoritarismo, porque há clientes que extrapolam, o que dizer então na seara da comunicação? Se fosse seguir à risca a ordem do leitor em questão, esta revista digital seria um samba do crioulo doido. Teria de atender a gregos e a troianos, quando não a paulistanos e curitibanos. Nestas alturas do campeonato, o livre arbítrio seria uma abstração abjeta.
Minha resposta ao leitor-cliente que cobrava reviravolta completa sobre o entendimento que dispenso à Universidade Federal do Grande ABC, essa inutilidade regional que plantaram de forma autoritária e ideologicamente pervertida a partir de mobilizações mais que manjadas, minha resposta, dizia, foi remetê-lo a uma série de matérias e análises que esta revista digital disponibiliza aos leitores.
São textos preparados ao longo dos anos tanto por esta publicação digital no período em que não passava de newsletter como da revista LivreMercado. Acompanhamos o histórico da UFABC muito antes de os primeiros tijolos ganharam forma de pujante edifício na Avenida dos Estados. Sofremos um bocado com as manipulações que se fizeram e que, como já mostramos, contrariaram inclusive o então presidente da República, Lula da Silva, em defesa de inserção curricular regional.
Aliás, o PT caiu numa enrascada com a UFABC. Como os acadêmicos incrustados nos tentáculos do Estado são habilidosos na arte de dominar a grande área de interesses específicos, os petistas perderam o que imaginavam ser o controle da instituição. Os petistas que caíram do cavalo são os petistas da região, um bando, aqueles que imaginavam estar por cima da carne seca, de novatos no Ensino Superior. Mal sabiam que ali o jogo é pesado, que o corporativismo é sólido.
Generalidades demais
O que mais me irrita quando recebo e-mails contestatórios não é e jamais será o fato de os e-mails serem contestatórios. Quem sai na chuva da Internet sabe que terá de se molhar ante eventuais desavisados. Aprendo muito com intervenções de leitores lúcidos e ideologicamente desprovidos de paixões. O que me irrita mesmo é consumir meu precioso tempo com gente que se limita a clichês surrados, a generalidades, a frases feitas, a tudo que não diz nada, exceto um panfletarismo que reduz a área de ação inclusive às explicações.
No caso do leitor que se opôs ao artigo que escrevi recentemente sobre o distanciamento genético da UFABC da regionalidade produtiva que tanto defendemos, o que recebi não passou de tudo aquilo que listei acima. Fui generoso ao lhe remeter sugestão de textos sobre os quais nos debruçamos ao longo dos anos. Há oito dezenas de registros da UFABC nesta revista digital. Ainda bem que estava de bom humor, porque em outra circunstância não lhe teria enviado resposta alguma. Essa é uma das razões de não ter me metido jamais em qualquer tipo de estabelecimento comercial que escravize o proprietário a penitenciar-se junto a um cliente mesmo quando está forrado de razão.
Costumo dizer que se é para engolir sapo indevidamente e se tivesse inclinação a agradar a qualquer custo não teria vacilado jamais em encaminhar minha vida à carreira política. A política tem linguagem própria, ética própria, e, na maioria dos casos, é feita sob medida para quem prefere sempre e sempre manter as aparências dentro do que se convencionou chamar de politicamente correto. Acho que perder a liberdade de dizer não ou de dizer sim quando a consciência determina que se diga não ou se diga sim é perder uma parte da própria vida. Pouca gente se dá conta de que só temos uma vida a consumir.
Passa-moleque
Vou remeter este texto ao leitor autoproclamado cliente na expectativa de que entenda as razões que me levaram a afirmar mais uma vez que a Universidade Federal do Grande ABC é um passa-moleque na regionalidade defendida por gente qualificadíssima como o então prefeito Celso Daniel e por tanta gente inclusive do PT da região que, por razões nada difíceis de entender, prefere o silêncio de conveniência ante uma das maiores barbeiragens já cometidas em nome de recursos financeiros rubricados na conta da Província do Grande ABC.
Não acredito, sinceramente, que haja tempo e possibilidades de a Universidade Federal do Grande ABC adaptar-se às demandas da Província do Grande ABC e reorganizar o núcleo de ensino, direcionando-o aos buracos econômicos e sociais locais. Essa é uma batalha perdida desde que se iniciou processo de discriminação à parceria com a iniciativa privada da região, numa convergência que poderia embalar as iniciativas dos sempre anunciados mas jamais confirmados parques tecnológicos. Ficamos na beira da estrada da competitividade macrorregional porque assim determinaram acadêmicos que se dedicam a pesquisas e a artigos de brilho quase sempre sem qualquer relação com o enriquecimento da sociedade.
A Universidade Federal do Grande ABC é uma pedra no caminho do PT da região e também mais um passivo na conta da centro-direita, conservadoramente omissa. Observem os leitores que os mais graduados representantes do partido fogem do assunto como o diabo da cruz. Eles não querem se indispor com a comunidade de intelectuais que domina os cordéis do Ensino Superior Público. Mantêm-se acovardados porque no fundo no fundo não têm compromisso com as grandes transformações locais e também porque em larga escala querem mesmo é sustentar o discurso socialista de ocasião, embora sejam mais capitalistas que quaisquer outros quando se trata de financiamento eleitoral e de outras vantagens dos poderosos de plantão.
Notaram por que jornalismo de verdade não pode se ver e nem ser visto como estabelecimento empresarial?
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08/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (31)