A festa de lançamento do Residencial Ventura estava marcada. Os convites distribuídos. O buffet contratado. A assessoria de imprensa divulgara fartamente o evento. Tudo estava rigorosamente programado conforme o figurino que um grande empreendimento merece. Afinal, a projeção dava conta que o condomínio residencial de classe média alta envolveria mais de R$ 200 milhões, total a que se chegava, em valores de hoje, por conta da multiplicação do preço médio de cada uma das 320 unidades projetadas.
Tudo estava pronto para a festa de lançamento comercial do Residencial Ventura naquele dezembro de 2006 em Santo André. Os promotores selecionaram uma parte do terreno do futuro condomínio para receber os convidados. E nada modificaria o roteiro pré-estabelecido pela Cyrela Brazil Realty, Mac Engenharia, Grupo De Nadai e Abyara Planejamento Imobiliário, consórcio do empreendimento.
Entretanto, o que o bom senso e a ética comercial recomendavam aos empreendedores? Que nada, absolutamente nada fosse levado adiante. O então superintendente do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), Sebastião Ney Vaz, técnico especializado sobre o qual poucos duvidam da seriedade, não escondeu surpresa quando os dois interlocutores que recebeu em seu gabinete defronte ao Paço Municipal de Santo André fizeram-se de desentendidos. Eles acabavam de ser comunicados sobre fortes indícios de contaminação por elementos químicos naquela área de 14 mil metros quadrados que abrigaria o Residencial Ventura.
Sebastião Ney Vaz estava reunido com os dois principais representantes do consórcio de empresas do Residencial Ventura. Sérgio de Nadai, comandante do Grupo De Nadai, empresário ligadíssimo ao governo do Estado desde que Mário Covas assumiu o Palácio dos Bandeirantes, e Ubirajara Freitas, diretor comercial da Cyrela.
Um parecer técnico do Semasa que mal saíra do forno sob a denominação de Licença Ambiental Preliminar 186/2006, exigia dos empreendedores nova investigação do passivo ambiental da área que durante 70 anos atendeu às demandas produtivas da Atlântis, indústria do setor químico que chegou a Santo André em 1924.
O documento ressaltava o tamanho da complicação para o empreendimento ganhar formas: “A conclusão apresentada (por uma empresa privada contratada pelos empreendedores) diverge da análise do Semasa, tendo em vista indícios de contaminação por produtos químicos voláteis encontrados em inspeção realizada no local em 16/11/2006, presente na água subterrânea drenada no muro de arrimo. Com base na antiga planta da fábrica, também foi solicitado que fossem avaliadas outras fontes de contaminação na área do empreendimento” — informava o relatório do Semasa.
O lançamento comercial do Residencial Ventura nas circunstâncias expostas pelo relatório do Semasa expunha a elasticidade da confiança dos empreendedores em superar barreiras legais. A massa crítica de convencimento da maior construtora de imóveis do País que se juntava a um antigo e privilegiado fornecedor do governo do Estado romperia qualquer contratempo ambiental. Seria esse raciocínio equivocado quando se constatou que as advertências do superintendente do Semasa não ecoaram nos ouvidos dos dois interlocutores? Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas saíram do Semasa naquela manhã de dezembro decididos a efetivar o evento. Os apartamentos seriam colocados à venda imediatamente em seguida.
O presidente do Semasa, Sebastião Ney Vaz, reproduziu a este jornalista o encontro que manteve com Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas. Encontrei-o num almoço no começo de 2007 previamente agendado e previamente definido o temário. Não o conhecia. Fui surpreendido com a objetividade com que me respondeu à indagação sobre a veracidade da contaminação da área. Ele foi incisivo. E fez questão de enfatizar que dispensava confidencialidade que o jornalismo recomenda em situações especiais de anonimato da fonte. Algo que somente agora torno público.
Sem exagero, o lançamento do Residencial Ventura num contexto de obstáculos legais e éticos de fortes indícios de contaminação da área adquirida pela Cyrela junto à família De Nadai equivale à tese absurda de colocar à venda uma nova droga sem autorização de organismos governamentais que controlam a atividade. Mais que isso: essa mesma autorização foi cautelarmente suspensa porque não atendeu aos requisitos necessários. Contra-indicações não são acessórios de entretenimento no mundo dos negócios. Principalmente quando envolve riscos ao bolso e à saúde comunidade.
Quando os responsáveis pelas obras do Residencial Ventura romperam a lógica de responsabilidade social, porque colocaram à venda um produto que poderia estar estruturalmente contaminado, estabeleceu-se mais que uma medição de prestígio político com o organismo municipal encarregado de zelar pela saúde pública. Naquele instante em que fogos de artifícios saudaram o lançamento imobiliário, os empreendedores decretaram uma sentença definitiva de resistência a qualquer antagonismo que pudesse ameaçar a estrutura de custos do negócio.
Sim, porque ao lançarem as quatro torres e ao estabelecerem valores monetários por metro quadrado, toda engenharia financeira foi confirmada para transformar o que era apenas projeto em obras. E os custos do empreendimento não reuniam qualquer adicional relativo a passivo ambiental. Traduzindo: quando decidiram definir o preço unitário dos apartamentos, de acordo com as respectivas áreas construídas e também dos equipamentos em comum, o custo do metro quadrado que balizou os valores não incluiu qualquer acréscimo de passivo ambiental.
No almoço com Ney Sebastião Vaz não faltou especulação sobre os custos adicionais de áreas contaminadas. O especialista que, segundo informações, está atuando fora do País, provavelmente na África do Sul, construiu vários cenários. Há situações em que empreendimentos imobiliários simplesmente se tornam inviáveis, porque reparos ambientais atingem cifras estratosféricas. Ney Sebastião Vaz interpretava o perfil da área reservada ao Residencial Ventura como inquietante. Afinal, sete décadas de ocupação industrial química não é pouca coisa. Os testes realizados por técnicos do Semasa e que ganharam forma de relatório concluído em novembro de 2006 indicavam complicações.
Por mais que pareça a olhos e ouvidos menos atentos um detalhe desnecessário, a importância do almoço com o superintendente do Semasa é peça-chave à compreensão do contexto que cercou o encontro dele com Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas naquela manhã de dezembro no Semasa. Ao simplesmente comunicarem à direção da autarquia municipal de Santo André que decidiram efetivar o lançamento comercial da obra na semana seguinte, descartando portanto as exigências técnicas em oposição ao relatório de uma empresa privada contratada pelos próprios empreendedores, Sérgio De Nadai e Ubirajara Freitas se colocavam acima da autoridade legal da área. E não deixavam dúvidas de que nada atrapalharia a construção daqueles 320 apartamentos em área ambientalmente delicadíssima.
Ou não seria aquele espaço ambientalmente delicadíssimo quando se sabe que indústria química que ali se implantou e atuou durante 70 anos jamais contou com normas técnicas e, principalmente, com fiscalização, para operar segundo ditames de preservação ambiental. Até porque requisitos rigorosos não constavam do léxico de desenvolvimento sustentado?
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