Imprensa

E lá se foi Luiz Carlos Sperândio, um
craque do voleibol fora das quadras

DANIEL LIMA - 30/09/2013

Luiz Carlos Sperândio foi embora no final de semana depois de viver 90 anos em 62, como definiu um amigo que acompanhou o velório no Cemitério de Vila Assunção, em Santo André, na tarde de sábado. Um pedaço importante da memória esportiva da região foi abatido pela vida extravagantemente feliz que cultivou.


 


Luiz Carlos Sperândio fez parte da equipe de esportes que criei como editor do Diário do Grande ABC a partir do começo dos anos 1970 e que se estendeu, mesmo sem minha participação direta ou mesmo indireta, depois de 1985, por mais algumas jornadas. Talentoso, alegre, apaixonado pelo voleibol da geração de prata que abriu as portas à geração de ouro, Luiz Carlos Sperândio era um animador do processo de fazer jornalismo.


 


Éramos todos apaixonados por esporte, tínhamos nossos times de preferência, mas acima de tudo curtíamos mesmo fazer jornalismo. Luiz Carlos é um dos casos raros de integrante de torcida organizada que deixou as arquibancadas em direção às redações. 


 


Luiz Carlos Sperândio foi meu sucessor na cobertura do voleibol brasileiro que emergia naquele começo dos anos 1980. Ele ocupou naturalmente meu lugar. Tinha mais paixão pelo voleibol do que eu, o que não era pouca coisa. Tinha mais tempo para seguir a equipe da Pirelli, porque a função de editor me opunha limitações funcionais externas. Nem sempre era possível acompanhar treinamentos e jogos. Também tinha intimidade com os aviões, encarando cada viagem como uma grande oportunidade de divertir-se, enquanto eu fugia de qualquer coisa que lembrasse aeroporto. Luiz Carlos Sperândio me realizou como jornalista esportivo dedicado ao voleibol. Ele fez muito mais do que eu faria.


 


Do fanatismo ao profissionalismo


 


Luiz Carlos Sperândio conseguia conviver com a dualidade de torcedor fanático por tudo que dizia respeito a Santo André no campo esportivo com a obrigação de relatar com racionalidade. Exagerava nos bastidores mas não perdia a linha quando dedilhava os textos com objetividade e técnica de quem entendia principalmente as alquimias do voleibol.


 


Cobrimos juntos os Jogos Abertos do Interior de 1981 em Ribeirão Preto. Trabalhamos intensamente. Produzíamos milhares de caracteres de textos todos os dias. As máquinas de telex instaladas no centro de imprensa acumulavam demandas daqueles dois rapazes que não dormiam mais que quatro horas por noite, porque entre o último jogo importante da noite e a primeira competição da manhã seguinte, o tempo era escasso.


 


Luiz Carlos Sperândio contava diariamente os pontos da classificação geral com inquietação. Apostara com jornalistas de Campinas que Santo André seria campeã geral. Na rodada final, sábado e domingo, decisões de voleibol e basquetebol, Santo André fez os pontos de que precisava para comemorar o título. Sperândio exultou. Comemoramos muito. Ele muito mais efusivamente do que eu. Achava que não poderia me expor tanto como torcedor por trás do jornalista. Sperândio era mais espontâneo e autêntico. O berço de torcida organizada falava mais alto.


 


Aquela equipe de jornalistas que está entre os maiores orgulhos de minha carreira e que em 1986 ganhou troféu da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo já era comandada por Donizete Raddi, amigo-irmão a quem encontrei entre aqueles que foram levar conforto aos familiares de Luiz Carlos Sperândio. Também encontrei Lola Nicolás, igualmente integrante importante daquela equipe. Mais tarde chegou Divanei Guazzelli, outro do grupo.  


 


Mais espaço à dedicação


 


Dócil, sempre alegre, proativo, Luiz Carlos Sperândio ajudava a manter uma saudável disputa por espaço editorial. Cobrávamos da direção de redação mais e mais espaços para o noticiário esportivo. Não faltava quem nos hostilizasse com a diplomacia dos bem educados. Nem sempre a cúpula da Redação estava voltada à cultura regional. Já se exercitava ali, entre os diretores do jornal, o Complexo de Gata Borralheira. Quem vinha de fora, especialmente da Capital, era mais valorizado. Não cansaram de quebrar a cara.


 


O tempero de suavidade de Luiz Carlos Sperândio, assemelhado ao de Divanei Guazzelli, com a diferença de que a um sobrava extravagância e ao outro completa discrição, ajudava a amalgamar as relações pessoais e profissionais na Editoria de Esportes. Éramos uma equipe porque éramos diferentes em temperamento sustentado pelo companheirismo. A individualidade sempre cedia espaço à cooperação e ao coletivismo. Havia coopetição sadia de fazer o melhor possível individualmente para que o conjunto se consolidasse como o grupo mais bem apetrechado de toda a Redação. A rotatividade era baixíssima. Éramos uma equipe com memória informativa e analítica. O encadeamento de informações garantia a credibilidade. E não se constrói credibilidade quanto se trabalha em grupo se não houver metodologia e sequência de ações.


 


Luiz Carlos Sperândio fez parte daquele grupo e entre as fontes de informações e os leitores apaixonados por voleibol não havia dúvida de que era o melhor da editoria. Da mesma forma que outros setoristas igualmente se destacavam junto aos respectivos públicos. Esse era o segredo daquele agrupamento de jovens apaixonados por esporte que não mediam esforços para irem além dos limites trabalhistas.


 


Não havia banco de horas para garantir até 60 dias adicionais de descanso por ano, como se consumara muitos anos depois quando gente sem a menor ideia do que significa jornalismo igualou o dia a dia da classe às jornadas dos metalúrgicos. Luiz Carlos Sperândio e todos nós vivíamos exclusivamente para o jornalismo. Não nos preocupávamos com o relógio.


 


Voleibol empobrecido


 


Particularmente o mundo do voleibol está empobrecido com a morte de Luiz Carlos Sperândio. À carreira de jornalista de jornal se seguiu a de jornalista de assessoria de comunicação, com a Photo&Grafia que ele criou e que durante muitos anos atendeu à modalidade.


 


Ao viver 90 anos em apenas 62, entregando-se completamente aos prazeres da vida e transformando o trabalho em algo que está muito longe de sacrifício como gente que apenas por acaso está no ramo da informação, Luiz Carlos Sperândio deixa um legado extraordinário e cada vez mais raro. O torcedor organizado que vibrava com o Santo André nas arquibancadas transformou-se em jornalista engajado na valorização do voleibol como fonte de doutrinação de jovens estudantes -- quer como circunstanciais atletas, quer como aficionados que ajudaram a tornar a modalidade a menina dos olhos dos brasileiros durante muito tempo.


 


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