Economia

Ganhei uma aliada na luta contra
predadores do mercado imobiliário

DANIEL LIMA - 17/05/2010

Ganhei uma aliada de peso na luta contra predadores do mercado imobiliário, formado por gente omissa, oportunista, desumana, hipócrita, egoísta e irresponsável. Os empreendedores éticos do mercado imobiliário são os que menos aparecem nas manchetes de jornais. São os que fogem das entranhas das entidades de classe, cujos integrantes estão mais para beneficiários do que para representantes. Esses predadores se movem pelos escaninhos dos poderes em operações de limites éticos tênues. Lambuzam-se e refestelam-se com alterações milionárias na legislação de uso e ocupação do solo. Não é por outra razão que a atividade está entre os maiores doadores de financiamento eleitoral.


Sei lá se a aliada será companheira de jornada frequente. Bem que gostaria, porque tem passado e presente. É psicanalista, ensaísta, poeta. Desconfio que denunciará apenas espaçadamente. O veículo de comunicação em que ela escreve crônica semanal é um dos maiores propagandistas do mercado imobiliário. Aliás, a imprensa de maneira geral não chuta o balde do rentabilíssimo mercado imobiliário entre outros motivos porque, além de anúncios de lançamentos, também pratica generosas permutas de espaço publicitário por metro construído.


Há gente de comunicação no Grande ABC forrada de patrimônio imobiliário desdobrado dessa versatilidade de prática publicitária. Seria demais esperar que, reféns dos parceiros de negócios, esses representantes da mídia regional se dedicassem à função básica do jornalismo, que é a fundamentação crítica. Eles nem têm ideia de que a prática jornalística é extensão do que se convencionou chamar de responsabilidade social.


A articulista em questão, minha nova aliada, mesmo que aliada sazonal, é Maria Rita Kehl, colunista semanal do Estadão.


Sob o título “Delicadeza”, ela escreveu uma crônica na edição de sábado passado que deveria ser emoldurada, envidraçada e dependurada no escritório ou na sala-de-estar de quem em vez de apenas falar, deveria praticar cidadania para valer. Sim, porque tem gente que acha que por separar lixo para reciclagem, por regar uma planta ou por recolher dejetos do animal com que desfila nas ruas é suficientemente credenciada ao reconhecimento público de comprometimento social.


Socializar com os leitores alguns trechos da crônica de Maria Rita Kehl significa multiplicar o prazer da saborosa leitura de sábado de manhã. A articulista não sabe o quanto lavou minha alma. Sei que sou execrado nesta Província do Grande ABC por contestar prevaricadores metidos a benemerentes que distribuem migalhas, migalhas mesmo, com a intenção de comprar consciência e prestígio. E os babacas da imprensa caem como patinhos — ou então porque também nadam de braçadas em vantagens.


O caso do Residencial Ventura é emblemático da anomia social no Grande ABC. Trata-se de negociata ambiental patrocinada por um milionário que se fez a custa das burras do Estado. Embora detestado pela maioria daqueles com que convive, chamado nos muitos guetos de classe média alta de novo-rico sem classe, como todo novo-rico, aliás, o eterno candidato a celebridade é reverenciado com doses cavalares de hipocrisia nos encontros sociais. Um milionário que deixou a bomba do Residencial Ventura para 320 crédulos da seriedade do mercado imobiliário e, de fininho, mudou-se para a Capital cinderelesca. Afinal, ninguém é de ferro.


Vamos, como prometido, a alguns imperdíveis trechos do texto da articulista do Estadão, com a seguinte ressalva: onde se lê São Paulo ou Capital, basta substituir por Grande ABC ou qualquer cidade da região. Dá na mesma. Ou seja: uma catástrofe urbana e social:



  • Se eu fosse Deus e se eu existisse, executaria em São Paulo uma prosaica providência administrativa. Tombaria a cidade inteira pelos próximos 10 anos: como está, fica. Não se derruba mais nada, não se constrói mais nada. Tratem de melhorar a cidade que já existe: monstruosa, desigual, mal planejada e mal-cuidada.
  • Vista assim do alto, do ponto de vista celeste, São Paulo mais parece uma cidade bombardeada. Imensas crateras em todos os bairros, quarteirões de casas derrubadas, populações pobres jogadas de lá pra cá à procura de lugar pra criar novos campos de refugiados de onde serão expulsas pouco tempo depois.
  • Parece uma guerra, mas é só capitalismo: bombando, enriquecendo alguns e empobrecendo o resto.
  • Mas como parar todos esses negócios imobiliários da cidade? E a economia? E a geração de empregos? Digamos que, se eu fosse Deus, daria um jeito nisso. Se uma prefeitura rica como a nossa, em vez de se tornar cliente de um setor poderoso, investisse os impostos que recebe em outras atividades, em pouco tempo a cidade recuperaria sua pujança.
  • Dez anos não são menos que uma fração de segundo pra quem vê o tempo do ponto de vista da eternidade. Mas quem sabe, tempo suficiente para que a cidade pudesse eleger uma nova prefeitura e uma câmara dos vereadores livres de compromissos com o poderoso Secovi, maior sindicato de comércio imobiliário da América Latina.
  • O que será de uma cidade sem as vilas com casas antigas onde o pedestre entra sem passar por uma guarita e encontra um micro oásis de sombra e silêncio?
  • O que será de uma cidade que é pura arrogância, exibicionismo e eficiência? O que será de nós, moradores de uma cidade que despreza a vida urbana?

Já não estaria na hora de os bons empreendedores do mercado imobiliário — e há bons no setor sim, como em todas as atividades — do Grande ABC modernizarem as relações com a sociedade, apeando democraticamente dos cargos que ocupam na entidade de classe do setor todos aqueles que se locupletam das vantagens inerentes do lobismo descaradamente cruel com que se comportam?


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