Ganhei uma aliada de peso na luta contra predadores do mercado imobiliário, formado por gente omissa, oportunista, desumana, hipócrita, egoísta e irresponsável. Os empreendedores éticos do mercado imobiliário são os que menos aparecem nas manchetes de jornais. São os que fogem das entranhas das entidades de classe, cujos integrantes estão mais para beneficiários do que para representantes. Esses predadores se movem pelos escaninhos dos poderes em operações de limites éticos tênues. Lambuzam-se e refestelam-se com alterações milionárias na legislação de uso e ocupação do solo. Não é por outra razão que a atividade está entre os maiores doadores de financiamento eleitoral.
Sei lá se a aliada será companheira de jornada frequente. Bem que gostaria, porque tem passado e presente. É psicanalista, ensaísta, poeta. Desconfio que denunciará apenas espaçadamente. O veículo de comunicação em que ela escreve crônica semanal é um dos maiores propagandistas do mercado imobiliário. Aliás, a imprensa de maneira geral não chuta o balde do rentabilíssimo mercado imobiliário entre outros motivos porque, além de anúncios de lançamentos, também pratica generosas permutas de espaço publicitário por metro construído.
Há gente de comunicação no Grande ABC forrada de patrimônio imobiliário desdobrado dessa versatilidade de prática publicitária. Seria demais esperar que, reféns dos parceiros de negócios, esses representantes da mídia regional se dedicassem à função básica do jornalismo, que é a fundamentação crítica. Eles nem têm ideia de que a prática jornalística é extensão do que se convencionou chamar de responsabilidade social.
A articulista em questão, minha nova aliada, mesmo que aliada sazonal, é Maria Rita Kehl, colunista semanal do Estadão.
Sob o título “Delicadeza”, ela escreveu uma crônica na edição de sábado passado que deveria ser emoldurada, envidraçada e dependurada no escritório ou na sala-de-estar de quem em vez de apenas falar, deveria praticar cidadania para valer. Sim, porque tem gente que acha que por separar lixo para reciclagem, por regar uma planta ou por recolher dejetos do animal com que desfila nas ruas é suficientemente credenciada ao reconhecimento público de comprometimento social.
Socializar com os leitores alguns trechos da crônica de Maria Rita Kehl significa multiplicar o prazer da saborosa leitura de sábado de manhã. A articulista não sabe o quanto lavou minha alma. Sei que sou execrado nesta Província do Grande ABC por contestar prevaricadores metidos a benemerentes que distribuem migalhas, migalhas mesmo, com a intenção de comprar consciência e prestígio. E os babacas da imprensa caem como patinhos — ou então porque também nadam de braçadas em vantagens.
O caso do Residencial Ventura é emblemático da anomia social no Grande ABC. Trata-se de negociata ambiental patrocinada por um milionário que se fez a custa das burras do Estado. Embora detestado pela maioria daqueles com que convive, chamado nos muitos guetos de classe média alta de novo-rico sem classe, como todo novo-rico, aliás, o eterno candidato a celebridade é reverenciado com doses cavalares de hipocrisia nos encontros sociais. Um milionário que deixou a bomba do Residencial Ventura para 320 crédulos da seriedade do mercado imobiliário e, de fininho, mudou-se para a Capital cinderelesca. Afinal, ninguém é de ferro.
Vamos, como prometido, a alguns imperdíveis trechos do texto da articulista do Estadão, com a seguinte ressalva: onde se lê São Paulo ou Capital, basta substituir por Grande ABC ou qualquer cidade da região. Dá na mesma. Ou seja: uma catástrofe urbana e social:
Já não estaria na hora de os bons empreendedores do mercado imobiliário — e há bons no setor sim, como em todas as atividades — do Grande ABC modernizarem as relações com a sociedade, apeando democraticamente dos cargos que ocupam na entidade de classe do setor todos aqueles que se locupletam das vantagens inerentes do lobismo descaradamente cruel com que se comportam?
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22/11/2024 SÍNDROME DA CHINA AMEAÇA GRANDE ABC