Economia

Aidan Ravin vai dar habite-se ao
explosivo Residencial Ventura?

DANIEL LIMA - 14/05/2010

Sei por fonte mais que merecedora de crédito que está para ser aprovado o habite-se do Residencial Ventura, condomínio de apartamentos de classe média localizado bem no Centro de Santo André. O empreendimento foi construído em terreno de uma contaminadora indústria química que a família de Sérgio De Nadai transformou em ótimo negócio imobiliário com a MAC Cyrella Itália Empreendimentos. Mais que um ótimo negócio imobiliário, um suspeitíssimo negócio imobiliário.


Funcionava ali naquela imensa área que virou torres de apartamentos de R$ 400 mil a unidade a Atlântis, fabricante de solventes, ceras e tantos outros produtos químicos que deixaram passivo ambiental jamais devidamente dimensionado, mas, mesmo com as limitações técnicas do Semasa, provaram-se preocupantes.


O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


Sei lá até que ponto irão os acertos na Prefeitura de Santo André para a liberação daqueles 320 apartamentos, e quanto custaram os acertos para a liberação das obras, há praticamente três anos. Só posso adiantar que não tenho o menor interesse, que também pode ser interpretado como coragem, de morar ali. Nem de graça, se querem saber.


O que ficou latente no Residencial Ventura é que muita gente ganhou dinheiro com as obras, porque a área é nobre do ponto de vista geográfico. Nada melhor para seduzir os compradores, muitos alheios à ocupação predecessora do espaço.


O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


Sabem lá os leitores o que pode estar escondido de fato num solo que durante sete décadas atendeu a uma indústria química contraproducente não necessariamente por conta de negligências, mas sobretudo pelo padrão técnico então vigente num mundo alheio às consequências ambientais dos métodos de produção? Uma área tão desvalorizada pelo passivo ambiental que foi adquirida na bacia das almas mas acabou virando ouro tempos depois na cola da febre do mercado imobiliário.


O laudo inaugural do Semasa, cuja cópia está em minhas mãos, mereceria aprofundamento investigativo da Cetesb que, até prova em contrário, jamais se efetivou. Aliás, dado o vulto do empreendimento, e o precedente tão próximo do traumático e emblemático Condomínio Barão de Mauá, a responsabilidade de dirigentes de órgãos públicos deveria falar mais alto e, compulsoriamente, convocar atores multilaterais, inclusive o Ministério Público do Meio Ambiente, para contribuir senão na resolução dos problemas, ao menos na transparência da ocupação. Infelizmente, tudo foi feito sob a suspeição de petit comitê, de raposas que cuidam das galinhas. O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


Esperar que a Associação das Construtoras, Imobiliárias e Administradoras de Imóveis dirigida por Milton Bigucci se mexesse para conferir ao empreendimento algo como a chancela de comprometimento social seria demais. Se há algo que não preocupa a entidade, lobista do setor imobiliário, é o que pode afetar os compradores de imóveis. Fosse diferente, há muito a Acigabc e outras entidades do gênero espalhadas em rede por este Brasil varonil já teriam compartilhado com os interessados, do outro lado do balcão, um manual de normas éticas do setor. Seria pedir demais, é claro. O materialismo rege a atividade. Agora, que esses mesmos lobistas são bons de conversa, de exigir ética dos outros, disso ninguém tem dúvidas. As exceções individuais, longe das ramificações institucionais, confirmam a regra.


Não quero e não vou morar no Residencial Ventura porque não estou convencido — nem tenho provas para tanto, muito pelo contrário — de que os apontamentos do Semasa quanto à gravidade de contaminação daquele solo e as recomendações severas para superar os problemas foram de fato seguidos à risca.


O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


A Cetesb liberou o empreendimento numa operação mantida a sete chaves quando de fato poderia ter tido cuidados maiores e transparência inequívoca, já que denunciei na então newsletter CapitalSocial Online os contratempos que o empreendimento poderia gerar.


Talvez meu erro tenha não ter recorrido diretamente ao Ministério Público do Meio Ambiente, mas, convenhamos, essa não é necessariamente função jornalística. Só em último caso, de desleixo completo da sociedade, é que se deve apelar para aquela instância.


Acreditei no bom senso dos empreendedores e no zelo de representações da sociedade. Como se vê, sou um idiota completo. Aliás, um idiota repetitivo na arte, porque ainda recentemente denunciei o Escândalo da Cidade Pirelli e nenhuma voz, até agora, se ouviu para colocar os pratos a limpo.


O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


Na edição de 23 de outubro de 2007 do então Blog do Daniel Lima, cujos textos migraram para os arquivos deste site, sob o título “Terreno contaminado“, escrevi sobre o assunto. Explico, como poderão acompanhar os leitores, as razões que me levaram a não editar material jornalístico sobre o Residencial Ventura na revista LivreMercado, então sob meu controle editorial.


A comparação com o condomínio popular do Bairro São Vicente, em Mauá, construído sobre uma montanha de lixo industrial, não é nenhum disparate. Sinceramente, sabendo e conhecendo os poderes de sensibilização dos responsáveis pela venda do terreno de 14 mil metros quadrados e reconhecendo no relatório inicial do Semasa uma bomba de imparcialidade que, mais tarde, passou por correções que provavelmente fugiram do torniquete técnico, sugiro aos compradores dos apartamentos que se cuidem.


O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média em Santo André.


Mais que isso: que exijam dos responsáveis pelas obras, num encontro que deveria ser público, inclusive com a participação de promotores de Meio Ambiente, uma detalhadíssima prestação de contas ambiental. Uma prestação de contas ambiental sem mistificações e sem mandraquismos, que fique bem claro.


Que o senhor Sergio De Nadai, que não cansa de posar de agente de responsabilidade social, azeitado frequentemente por elogios fáceis de colunistas sociais, venha a público em nome da família e prove que aquele laudo do Semasa e aqueles 70 anos de Atlântis não mereceriam nada especial no relacionamento com os adquirentes dos apartamentos que agora estão à espera de habite-se.


Que a entidade que representa os setores do mercado imobiliário do Grande ABC pensem seriamente em dar um exemplo de vanguarda a este País e abram suas portas e deliberações a representações da sociedade que não querem e não podem ficar à mercê da sanha mercantilista de empresas do ramo ou de penetras.


O Residencial Barão de Mauá pode sim se transformar no Barão de Mauá dos ricos de Santo André.


A administração do prefeito Aidan Ravin poderia pegar esse bonde de desconfianças fundamentadas em certezas, até prova em contrário, e transformá-lo em coisa séria se em vez de levar vantagem com o habite-se requisitado, dar tratos a bola no atendimento das solicitações aqui expostas.


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