Quem acha que apenas os jornais regionais se submetem ao lobby econômico do mercado imobiliário, não conhece da missa de mistificações um terço das manobras. O dirigente classista Milton Bigucci, conhecido no Grande ABC porque ocupa a presidência da Acigabc, entidade que supostamente reuniria construtoras, administradores e imobiliárias, é um filhote do esquema nacional de industrialização de dados geralmente nebulosos preparados sob medida para dourar a pílula da atividade. Milton Bigucci reza pela mesma cartilha de megadirigentes e consultorias do setor. A embromação faz parte do show. É verdade que os shows são cada vez mais mambembes em sustentabilidade de dados, mas quase ninguém liga para isso neste País que finge ter cidadania só porque comparece às urnas a cada dois anos.
Ainda estamos distantes do que ocorreu no Estados Unidos, onde a bolha imobiliária está na raiz da crise financeira internacional que abalou as estruturas de grande parte da economia real. Nem chegaremos a tanto, porque reunimos alguns contrapesos tanto no sistema financeiro quanto nos mecanismos de financiamento imobiliário, além de tantos outros ingredientes que diferenciam os dois países na modalidade.
Mas não falta sem-vergonhice. Fico na dúvida se há dolo ou incompetência. De vez em quando me bate uma porção de ingenuidade, apenas isso.
A Folha de S. Paulo estampou em manchete principal de primeira página de domingo e replicou no caderno Dinheiro uma matéria emblemática do despreparo ou da conveniência em abordar o mercado imobiliário. Sob a manchete “Preços de imóveis disparam em São Paulo”, um dos três maiores veículos impressos diários do País cometeu a sandice de tomar uma pequena porção de riqueza imobiliária por um todo muito aquém dos números propalados.
Fico ofendido como leitor e jornalista quando subestimam minha parca inteligência. E a Folha de S. Paulo de domingo me irritou profundamente. Muito mais que o Diário do Grande ABC alguns dias antes quando, mais uma vez, colocou o propagandista imobiliário Milton Bigucci a desfilar números medonhos tanto do mercado ao qual pertence como da economia do Grande ABC. Tudo ao sabor de interesses materialistas que causam muitas complicações sociais no seio de famílias ludibriadas por cenaristas de plantão.
É isso que dá deixar que lobos corporativistas cuidem do galinheiro da informação sem pudores.
Vamos aos fatos da Folha de S. Paulo. Reproduzo os parágrafos mais importantes da matéria publicada na edição de domingo:
Quem procura imóvel residencial para comprar na cidade de São Paulo está levando um susto. Em cinco anos, os preços de casas e apartamentos novos subiram em média entre 30% e 40% na capital paulista, ante os 22% de inflação registradas no período. No caso dos usados, a elevação dos valores beira os 30% em um intervalo de três anos, quando o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) ficou em 16%. Em 2005, o metro quadrado de uma casa ou um apartamento de dois quartos recém-lançados no município valia cerca de R$ 1.894, de acordo com dados levantados exclusivamente para a Folha pela consultoria Embraesp. Esse montante passou a R$ 2.706 em 2009. Assim, um apartamento de 100 metros quadrados passou de R$ 189.4 mil para R$ 270,6 mil no final desses cinco anos — uma alta de 43%. Entre os bairros que tiveram as maiores valorizações na capital paulista estão Jardins, Barra Funda e Butantã, aponta outro estudo elaborado pela Inteligência de Mercado Lopes e obtida pela Folha. Segundo a pesquisa, o preço do metro quadrado nos Jardins passou de R$ 7.360 para R$ 9.980 entre os triênios 2004/2006 e 2007/2009, uma alta de 36%. Na Barra Funda, o aumento foi de 25% e no Butantã de 23%.
Segue o trabalho jornalístico com entrevistas que ouvem principalmente raposas do mercado, inclusive o titular da Embraesp, uma consultoria privada. A reportagem não se esquiva — até mesmo para potencializar o tom de grandiloquência — dos riscos de uma bolha imobiliária. Nesse caso, foi entrevistada uma professora de economia da Insper, que descarta a possibilidade, embora oferecesse a ressalva de que “uma bolha se justificaria apenas se houvesse aumento irracional do preço dos ativos”.
Mas, afinal, aonde pego a Folha de S. Paulo no contrapé, apesar da escassez de dados dos estudos realizados pelas fontes das jornalistas que assinam a matéria?
Um gráfico que toma exatamente o mesmo espaço destinado ao texto aponta o Ranking por Bairro, comparando o valor médio trianual conforme consta do texto, referindo-se ao preço do metro quadrado de uma casa ou um apartamento de dois quartos recém-lançados.
A precariedade do texto se soma ao gráfico como espécie de parafernália informativa que mais confunde que esclarece. Não seria mesmo esse o objetivo? De qualquer forma, o que se observa é que apenas cinco bairros (Jardins, Barra Funda, Butantã, Vila Mascote e Pirituba) registraram entre 23% e 36% de variação, ou seja, acima dos 22% apontados como desgaste do Real no período de cinco anos.
Os demais bairros da Capital ficaram abaixo de 22%. Para ser mais preciso, dois terços desses bairros apontaram variação inferior a 10% no preço do metro quadrado entre 2007 e 2009, muito abaixo da inflação, portanto.
Comparação com ativos financeiros, inclusive Caderneta de Poupança? Qual nada. Com a Bolsa de Valores? Nada. Comentar os bairros que apresentaram queda em valores nominais, independente da inflação no período, casos de Santo Amaro (-3%), Itaim Bibi (-9%), Morumbi (-13%) e Panamby (-16%)? Nem pensar.
Quem disse que a indústria imobiliária está a fim de apresentar transparência no trato dos ativos? Quem disse que a mídia tem alguma preocupação em questionar os números, a metodologia, os processos que desabam em amontoados de dados e avaliações muitas vezes sem nexo? Quem será capaz de acreditar que uma reportagem que desnude para valer o mercado imobiliário de São Paulo e do Grande ABC passará pelo crivo editorial, plugadíssimo no organograma comercial?
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22/11/2024 SÍNDROME DA CHINA AMEAÇA GRANDE ABC