Imprensa

E lá se foi também Irati Motta, que
tanto me emocionou no Diário

DANIEL LIMA - 18/10/2013

Outro dia foi Luiz Carlos Sperândio; agora Irati Motta. São companheiros de trabalho no Diário do Grande ABC que vão embora e nos deixam a refletir sobre o sentido da vida.  Ao receber o comunicado do também jornalista Ricardo Hernandes de que Irati Motta nos deixou, cai mais uma vez na real de que entre o alvorecer do amanhã e o falecer de hoje basta estar respirando.

 

Sobre Luiz Carlos Sperândio foi possível escrever mais. Trabalhamos juntos na mesma editoria e tínhamos relacionamento de amizade que ultrapassava os limites da Redação.

 

Sobre Irati Motta pouco sabia, mas o suficiente para lhe ser eternamente grato. Irati lutava fazia tempo pela vida. Aliás, lutou praticamente a vida toda pela vida. Aquela doença maldita não lhe dava paz.  E cumpriu seu trajeto por aqui com dignidade dos bem-aventurados. Foi extraordinariamente leal, digna e solidária comigo durante os nove meses em que dirigi a redação do Diário do Grande ABC, entre julho de 2004 e abril de 2005. Irati era conciliadora, apaziguadora, generosa.

 

Discreta, eficiente na função que diagramadora com visão global do produto, Irati estava muito mais emocionada do que eu quando me despedi daquela empresa. Aliás, para ser sincero, estava aliviado. Foram nove meses de insanidade construtiva, mas insanidade. Não fosse tudo o que ocorreu, possivelmente já teria partido desta para outra muito antes de Luiz Carlos e de Irati. O Diário do Grande ABC era uma fábrica de loucos naqueles meados da primeira década deste século. Bem diferente da fábrica de fantasias do primeiro período em que ali estive, nos anos 1970 e 1980.

 

Os olhos salpicados de lágrimas furtivas de Irati Motta, estes sim me comoveram naquela tarde da demissão de quem, todos sabem, não aceita encabrestamento. Irati chorou discretamente porque tinha sensibilidade para entender que aquele projeto de 90 mil caracteres não era uma brincadeira para enganar os leitores em forma de planejamento estratégico para os próximos cinco anos. Irati chorou discretamente, falou até em algum movimento de greve para que aquela ação coletiva de reestruturação do produto tivesse continuidade. Dissuadi Irati sem, entretanto, jamais esquecer o gesto.  Sabia de seu caráter, da paixão pelo jornalismo que dividíamos, mas jamais imaginei que pretendesse radicalizar tanto. Justamente ela, a quem procurava como âncora de serenidade nos momentos de dificuldades.

 

Irati não sabia que a admirava pela capacidade de absorver a turbulência de uma redação a ser reconstruída. Por mais que fosse natural aquela iniciativa de reagir à troca mais que planejada nos bastidores diretivos para atender a interesses políticos partidários, tratei de instalar uma trava de segurança. Não seria justo comprometer outros profissionais por suposta salvação de um projeto inédito.  A empresa não merecia mais meu sacrifício e tampouco de outros profissionais que acabaram, devagar e sempre, escafedendo-se ou demitidos.

 

Serei eternamente grato àquela reação de Irati Motta. Uma vida de dignidade a desafiar o sofrimento permanente de uma sentença de morte que tanto conseguiu adiar. Os filhos de Irati Motta certamente jamais esquecerão quão grande foi o exemplo humano com o qual dividiram o cotidiano. Eu, que a conheci tão pouco mas, paradoxalmente, tão intensamente naqueles nove meses de Diário, jamais vou deixar de colocá-la em meu inventário profissional. O peso relativo de Irati Motta será sempre compensador a um saldo extremamente positivo do jornalismo. 



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