O galope de Receitas Próprias das prefeituras do Grande ABC desde a implementação do Plano Real e o arrastar de receitas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), como estamos mostrando nesta série, deriva de uma ordem de importância e da combinação de facilidade operacional e estratégica que precisam ser levadas em conta: é muito mais fácil apertar o cerco contra sonegadores, praticar a guerra fiscal e incrementar medidas de aparelhamento técnico e funcional da máquina arrecadatória do que criar mecanismos de desenvolvimento econômico — na maioria dos casos, convenhamos, dependentes de esferas, estadual e federal.
Não bastasse tudo isso, as desvantagens sistêmicas dos sete municípios da região para atrair indústrias só são inferiores às facilidades ofertadas por municípios de várias regiões do Estado, sobremodo próximos da Grande São Paulo, porque exalam poros de oportunidade e mesmo de oportunismo.
Não faltará situação para destrincharmos as desvantagens sistêmicas que colocam o Grande ABC na rabeira da corrida por novos investimentos, sobretudo de pequenas e médias indústrias. Mais que isso: mesmo nestes tempos em que se procura santificar a chegada do trecho sul do Rodoanel, a situação do Grande ABC no ranking de investimentos em pequenas e médias indústrias é a mesma que levou o Jabaquara a praticamente desaparecer do mapa do futebol profissional.
Desvantagens comparativas
Estaremos perdidos se não houver consciência e reconhecimento de que estamos num terreno muito distante da fertilidade das regiões de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos. E olhem que aquelas áreas absorveram a hostilidade sindical que migrou do Grande ABC. Nossos sindicalistas são amorzinhos perto daqueles.
Enquanto lideranças empresariais, sociais, sindicais e institucionais utilizarem linguagem manipuladora para proteger patrimônios individuais e grupais acumulados, mais inviável se tornará qualquer mobilização que possa dar diversidade à matriz econômica da indústria de transformação, excessivamente concentrada no setor automotivo.
Sempre que leio uma ou outra entrevista de gente tomadora de decisão ou formadora de opinião que descola da realidade e que procura obter credibilidade argumentativa em momentos pontuais, de avanço econômico, fico de orelha em pé.
Sei que há tendência entre os brasileiros de levar para o noticiário econômico o ambiente motivacional e propagandístico dos jogos de futebol. Desníveis sociais e desarranjos econômicos são entulhos de um clássico que precisam ser esquecidos em nome dos interesses econômicos e políticos.
A farsa se estende até o período eleitoral quando, aí sim, observa-se radicalismo reverso, de desclassificação de todas as medidas econômicas e o sepultamento de programas sociais que, gostem ou não as elites, como é o caso do Bolsa Família, amenizam a quilométrica distância entre incluídos e deserdados.
Nessa trajetória de crescimento de Receitas Próprias e de murchamento dos valores de repasse de ICMS por conta da desindustrialização em primeiro lugar e da fome pantagruélica das máquinas públicas em compensar parte dos impostos perdidos, o IPTU e o ISS dos sete municípios locais mantêm disputa acirrada. Os 150% de aumento do volume de reais amealhado pelo Poder Público do Grande ABC nos 13 anos pesquisados refletem exatamente isso.
Conferir os níveis desse crescimento por Município do Grande ABC é uma maneira de impedir generalizações e de evitar injustiças. Fui a campo e consegui registros oficiais dos valores monetários de 1997 e 2007. O enfrentamento ponta a ponta pode não ser integralmente correto, mas não deixa de ser mais que explicativo. O ideal para alcançar números cumulativos reais seria a comparação ano a ano dos dois impostos, mas aí seria exagero. O método ponta a ponta dá mais que uma idéia completa do que se passou: é o próprio resumo qualificado das mudanças. O gradualismo se manifesta ao longo dos anos. É algo como um organismo que se debilita ou se fortalece a cada temporada.
IPTU é carro-chefe
Há equilíbrio entre municípios do Grande ABC que aumentaram a carga de Receitas Próprias tendo o IPTU como carro-chefe e os que apontaram a liderança do ISS. Convém aos leitores não se precipitarem em conclusões baseadas nos números relativos. A realidade apontada em 1997 de cada um dos municípios poderia apresentar desvantagens históricas que comprometeriam o raciocínio.
É muito difícil dizer que determinado Município forçou mais a mão no IPTU do que no ISS porque o percentual de crescimento foi maior no primeiro quesito. Quem garante que o nível de arrecadação do IPTU na largada de 1997 não estava por demais defasado em relação ao ISS? Certo mesmo é que tanto um tributo quanto outro estavam abaixo da capacidade contributiva dos moradores e dos empreendedores, porque vivíamos inebriados pela riqueza industrial, capaz de segurar todas as pontas de demandas sociais.
Entretanto, seguramente há desconfiança de que, na ponta do período, em 2007, os dois impostos apresentavam gulodice pública. O contexto de esvaziamento econômico do Grande ABC, simbolizado pela baixa mobilidade social, quando não pela desmobilidade social, não permitiria salto tão expressivo. Ou 150% de avanço acima do índice inflacionário da Fundação Getúlio Vargas não é resultado para preocupação, mesmo quando se levam em conta algumas peculiaridades arrecadatórias, como os números anabolizados pela guerra fiscal?
Cuidado com os números
Se fôssemos nos prender apenas ao percentual de crescimento da arrecadação do IPTU, Mauá estaria na liderança nos 10 anos pesquisados porque alcançou 494% em termos nominais (sem descontar a inflação do período). São Bernardo (439%) e São Caetano (433%) estariam praticamente empatadas. Abaixo estariam Ribeirão Pires (404%), Santo André (374%), Diadema (229%) e Rio Grande da Serra (119%).
Repito que não se deve elevar esses números à comissão de frente para análises conclusivas. Quem garante que Mauá liderou o aumento nominal no período porque anteriormente simplesmente marginalizou mais que os demais municípios a cobrança do IPTU? Aspectos socioeconômicos precisariam ser esmiuçados em cada Município para obter resposta segura, mas nem as próprias prefeituras dispõem de fato de diagnósticos arrebatadores. Não faltam distorções na cobrança do IPTU porque não se tem, entre outros pontos de apoio à segurança de dados, a especificidade econômico-financeira de cada uma das famílias residentes.
O que vale mesmo nestas alturas do campeonato é que o IPTU regional nesse período de 10 anos deu um baile no ICMS.
Já com o ISS, a sugestão de cautela é igualmente válida. São Caetano desbravadora da guerra fiscal está folgadamente à frente com crescimento nominal de receita de 455%. Nesse caso, algumas conclusões são possíveis sem risco de quebrar a cara. São Caetano tem várias empresas fomentadoras de ISS nas áreas de consórcio, financiamento e mão-de-obra. São corporações cujos trabalhadores estão alocados em outros endereços municipais, principalmente São Paulo, mas a contabilidade oficial está registrada em São Caetano por conta do rebaixamento de alíquotas do ISS em meados da última década do século passado. A iniciativa do então prefeito Antonio DallAnesse foi levada ao extremo por Luiz Tortorello, para desespero dos demais prefeitos. Rompeu-se ali qualquer sentido de uniformidade de tributos próprios.
IPTU maior que ISS
Em termos percentuais, Rio Grande da Serra registrou o maior avanço de ISS nos 10 anos mencionados, com 691% nominais. A quase irrelevância de incidência do tributo antes do Plano Real e a atração de uma ou outra empresa do Grande ABC tendo como chamarizes alíquotas quase desprezíveis inflaram a arrecadação. Santo André que não quis saber da guerra fiscal ficou com índice de apenas 214% em 10 anos. Bem menos que Mauá, com 347%, abaixo dos 245% de Ribeirão Pires e aquém dos 312% de São Bernardo, também beneficiária da guerra fiscal ao atrair corporações financeiras de montadoras de veículos.
Nessa corrida doméstica entre IPTU e ISS para saber quem influenciaria mais a alavancagem de Receitas Próprias no Grande ABC, o Imposto Predial e Territorial Urbano chegou a 380% nominais entre 1997 e 2007, contra 299% do Imposto Sobre Serviços. Uma diferença de 27%.
O que impressiona também no rastreamento dos valores monetários de Receitas Próprias no Grande ABC desde a chegada do Plano Real é que o quesito Divida Ativa, ou seja, os recursos que as prefeituras buscaram nos tribunais, não deve ser subestimado. Tanto que, em 2007, representavam 7% de todos os impostos próprios, enquanto em 1997 eram praticamente subestimados pelos administradores municipais. Dever para as prefeituras já não é mais sinônimo de calote porque o cerco é cada vez mais forte. E possivelmente vai ser ainda mais asfixiante nestes tempos de quebra do ciclo de crescimento econômico.
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