A Prefeitura de Santo André não pode simplesmente anunciar a dissolução do projeto Cidade Pirelli, como divulgou com pompa e circunstância o prefeito Aidan Ravin do alto dos interesses de especulação imobiliária gerada a partir dos benefícios concedidos pela administração de Celso Daniel há pouco mais de uma década.
Há muitas pendências do projeto Cidade Pirelli que precisam ser esclarecidas. Falta transparência em quase tudo, tanto dos gestores públicos que se foram como dos que chegaram.
É o caso do Fundo de Desenvolvimento Urbano, ou simplesmente FDU, criado no mesmo pacote da Operação Urbana Pirelli, conforme a lei 7747 de 23 de novembro de 1998.
Há indicativos de que alguns vereadores de Santo André estão dispostos a botar o dedo nessa ferida de embromações que ganharam roupagem de desenvolvimento econômico por conta do anúncio de que as áreas da Operação Urbana Pirelli seriam fatiadas e negociadas com empreendedores decididíssimos a, entre outras vantagens, obter legítimos ganhos logísticos favorecidos pela proximidade com o trecho sul do Rodoanel, em Mauá.
Tomara que as iniciativas dos vereadores não morram na praia, diante de pressões que já se fazem.
De qualquer modo, não acreditem que a Cidade Pirelli seja assunto morto e enterrado, como pretendem fazer crer os detentores de poder político, econômico e midiático no Grande ABC. Há desavergonhada movimentação de peças para a camuflagem e a dissimulação de questionamentos e esclarecimentos.
Se a Cidade Pirelli permanecer na obscuridade, o melhor é fechar as portas de Santo André. A própria companhia multinacional com sede na Itália tem obrigação ética e social de prestar informações. Mas nada de prestação de esclarecimentos unilateral. A Câmara de Vereadores, por onde passou o projeto de Celso Daniel, é o ambiente mais adequado. Exceto se os legisladores atuais desprezarem a alternativa. Aí o melhor mesmo é chamar outras instâncias. Quem sabe a OAB de Santo André salte do muro e seu presidente, o jovem Fábio Picarelli, comprove na prática um novo modelo de gestão prometido durante a campanha que o levou à vitória.
Seria o fim da picada cometer-se novo crime de lesa-Santo André jogar na lata do lixo tudo que se definiu na Operação Urbana Pirelli, assinada pelo então prefeito Celso Daniel. Sobrepor àquela obra mal-acabada, para não dizer mal-iniciada, uma Operação Frankenstein, de vale-tudo ocupacional, não seria o pecado maior. A economia é dinâmica e o que parecia uma solução planejada há uma década se tornou elefante branco.
A empresa imobiliária detentora daqueles 142 mil metros quadrados não tem necessariamente a obrigação de bater no ferro frio da Cidade Pirelli, porque a Cidade Pirelli gestada pela multinacional italiana e pela administração de Celso Daniel se revelou frustrante. Até aí, tudo bem. Só não é possível admitir e aceitar que, com nova configuração econômica, aqueles terrenos valorizadíssimos pela Operação Urbana Pirelli apaguem todas as irregularidades que asseguraram a alavancagem de cada metro quadrado, principalmente porque alterou-se o padrão de construção.
A construção do Viaduto Cassaquera, que hoje custaria por volta de R$ 30 milhões, é, aparentemente, a maior de todas as transgressões da Cidade Pirelli. Consta da legislação que aquela obra era obrigação das empresas investidoras, em contrapartida às mudanças de uso e ocupação do solo daquela área. E quem pagou a conta, até prova em contrário, foi a Prefeitura de Santo André.
O Fundo de Desenvolvimento Urbano foi o instrumento criado para praticar todos os atos necessários à realização da Operação Urbana Pirelli, em especial o da celebração de acordos, judicial e extrajudicialmente, com os proprietários de imóveis, necessários à implantação de qualquer melhoramento previsto naquela lei.
Mais que isso: o FDU centraliza todos os recursos arrecadados em função do disposto na legislação daquele empreendimento, em conta vinculada à Operação Urbana Pirelli. Também o FDU daria conta da aplicação de recursos no pagamento de desapropriações relacionadas à implantação das obras referidas naquela lei, bem como em projetos e obras referentes a programas de requalificação em outras áreas da cidade.
Como notaram os leitores, estou reproduzindo literalmente aqueles termos legais. Mas, tem mais informações sobre o FDU. O parágrafo 2° do Artigo 23 determinava que a Prefeitura de Santo André ficaria obrigada a publicar no órgão de imprensa responsável pelos atos oficiais do Município os valores arrecadados a título de contrapartida, bem como a destinação dada a esses valores. Cadê essas publicações?
As receitas do Fundo de Desenvolvimento Urbano estão especificadas no artigo 25 e seus parágrafos, casos de doações em geral ou vinculadas a operações urbanas instituídas por lei, contribuições e legados; recursos provenientes de outorga onerosa instituída por lei, cuja contrapartida seja estabelecida em pecúnia; rendimentos, abrangendo atualizações, juros e outros acréscimos provenientes da aplicação de seus recursos.
Não será fácil apanhar o touro bravio da Cidade Pirelli, porque situação e oposição em Santo André estão no mesmo barco. Aos petistas apeados do poder nas eleições de 2008 há a possibilidade de estilhaços comprometedores. Aos petebistas há mais de um ano no comando da Prefeitura, há suspeitas de favorecimento à especulação imobiliária. Quem é do ramo imobiliário e quem é do ramo público sabe que quando a fome e a vontade de comer se juntam, tudo pode acontecer.
Agora, cá entre nós: o silêncio da imprensa regional não é mesmo um desses casos que comprovam que a liberdade de expressão não passa mesmo de balela, porque o que manda mesmo é a liberdade da empresa?
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