Um dos erros mais frequentes da mídia quando se mete a costurar informações e eventuais análises sobre o comportamento econômico de uma determinada região é restringir-se à área de operação. Como garantir que o Grande ABC de sete municípios deitou e rolou mesmo no aumento de receitas próprias durante um determinado período com resultado muito acima dos repasses do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sem cotejar outros municípios ou mesmo regiões? Como garantir que contrariamente à situação de tributos próprios, uma avalanche que atingiu a maioria dos municípios brasileiros, o ICMS de outras localidades ultrapassou os acanhados números do Grande ABC? Apenas com dados, evidentemente.
A desindustrialização do Grande ABC não é uma tese de estudos econométricos preparados em ambientes climatizados e sujeitos a contestações porque reuniria subjetividades profundas. Trata-se de mudança econômica e social que não desgruda das planilhas, para contrariedade dos triunfalistas, nem é escrava de obsessão derrotista. É preto no branco e está acabado.
No período de 1995 a 2008, com inflação do IGP-M da Fundação Getúlio Vargas de 232,25%, o Grande ABC elevou em 170,7% a arrecadação do ICMS. A comparação é ponta a ponta, entre os números de 1995 e os de 2008. Portanto, as receitas do Grande ABC perderam velocidade em relação à inflação do período. Basta confrontar 170,7% e os 232,25% de inflação para se chegar à queda de 36% do repasse.
Caminho da fuga
Agora, vejam o que aconteceu com três municípios-região, como os acadêmicos definem cidades rodeadas por localidades de médio e pequeno porte, sobre as quais mantém centro gravitacional de negócios e em muitos casos também de cultura. Algo semelhante ao que acontece na Região Metropolitana de São Paulo, onde a Capital lidera os demais 38 municípios, todos vítimas do Complexo de Gata Borralheira. Trata-se de Campinas, de Sorocaba e de São José dos Campos, para onde convergiram em larga escala os maiores pedaços de riquezas de produção que se escafederam da Grande São Paulo.
Pois estas três cidades, mesmo já sofrendo efeitos da sobrecarga de deseconomias de escala, registram no mesmo período de 1995 a 2008 crescimento médio de repasse do ICMS de 237%, um pouco acima, portanto, do índice inflacionário. Sorocaba foi quem mais atingiu avanço nominal, de 309%, contra 236% de São José dos Campos e 210% de Campinas.
Como se verifica, mesmo avançando abaixo do indicador inflacionário da FGV, Campinas sofreu menos consequências de enfraquecimento econômico do que a média dos municípios do Grande ABC. Individualmente, só perde para São Caetano de uma General Motors e de uma Casas Bahia e também da minúscula Rio Grande da Serra. São Caetano apontou avanço nominal de 285% e Rio Grande 231%.
Para quem entende que os nominais 237% de crescimento daqueles três municípios interioranos no quesito ICMS não é lá essas coisas contra os 170,7% dos sete representantes do Grande ABC, o mínimo que posso contrapor é a desconfiança de que precisa de consulta psiquiátrica, porque a diferença de 39% não é nada desprezível.
Querem mais um indicativo de que o mar do Grande ABC no repasse do ICMS não está para peixe? Em 1995, na cabeceira da pesquisa, o Grande ABC nadava de braçadas no confronto com o que chamaria de G3 (Campinas, Sorocaba e São José dos Campos) porque os R$ 465,6 milhões de repasse significavam 51% de vantagem sobre os R$ 307,8 milhões do G3. Já no outro extremo da pesquisa, em 2008, a diferença se estreitou para 21,5% porque o G7, do Grande ABC, atingiu a soma de R$ 1,260 bilhão de ICMS, enquanto campineiros, sorocabanos e joseenses chegaram a R$ 1,037 bilhão. Nesse ritmo de encolhimento da distância, provavelmente em meia década o G3 superará a economia do Grande ABC. Sem abusar da paciência dos leitores, o Grande ABC está para Rubens Barichello e o G3 para Felipe Massa.
Entornos fortalecidos
Quem ainda acredita que nada disso é tempestuoso para a autoestima regional não sabe que a comparação seria ainda mais inquietante se os números abrangessem municípios que formam aquelas microrregiões, ou seja, o Grande ABC de Sorocaba, de São José dos Campos e de Campinas. É forte a tendência de crescimento menos intensos desses municípios-região em favor de localidades vizinhas de preços de terrenos mais competitivos, de infra-estrutura pública subsidiada, de mão-de-obra preparada em escolas especializadas, entre outros atrativos. Peguem o entorno de Campinas, com Hortolândia, Sumaré, Indaiatuba e tantos outros municípios e tirem conclusões.
Pelo menos os prefeitos que já passaram por aqui e os que estão nos respectivos cargos têm uma vantagem para contar aos contribuintes: num período semelhante ao dos números do ICMS, agora entre 1994 a 2007, Campinas, Sorocaba e São José dos Campos avançaram nominalmente em 885,3% na arrecadação de Tributos Próprios, contra 771,9% do Grande ABC. Em termos reais, sempre deflacionando os números, o G3 cresceu no período 256%. Como se observa, as receitas com ISS (Imposto Sobre Serviços) e IPTU (Imposto Predial Territorial e Urbano) não compõem um fosso profundo entre o G7 e o G3. A vantagem do G3 pode ser considerada discreta. Poderia ter sido maior se Campinas não avançasse apenas 766,8%, contra 1.169% de São José dos Campos e 1.095% de Sorocaba.
Mesmo assim, convém evitar conjecturas precipitadas. Não é o fato de ao se confrontarem os números de 1994, quando foi implantado o Plano Real, e os dados de 2007, quando o PIB nacional cresceu mais de 5%, que pode se chegar à conclusão de maior apetite fiscalista dos prefeitos que passaram ou estão no G3. Não se pode assegurar que a carga tributária do ISS e do IPTU tenham sido mais rigorosas nos três municípios interioranos. É possível que defasagens de valores anteriores ao Plano Real tenham levado os prefeitos daquelas localidades a encaixar golpes mais poderosos para contornar a perda do imposto inflacionário.
De qualquer modo, tanto Campinas quando São José dos Campos como Sorocaba estão mais robustas em termos orçamentários porque além de superarem o Grande ABC em Tributos Próprios, também viram os cofres locais muito mais bem abastecidos com repasses do ICMS. Exceto Campinas, com números abaixo da inflação do período mas, mesmo assim, acima da média do Grande ABC.
Se no conjunto de repasses do ICMS os municípios do G7 levam vantagem de 21% sobre os integrantes do G3, nos Tributos Próprios o G3 está levemente na frente. Em 1994, o G7 registrava R$ 119 milhões de Tributos Próprios, contra R$ 113 milhões do G3. Treze anos depois, o G3 somava R$ 1,037 bilhão, contra R$ 1,117 bilhão de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos associados.
Conclusão desse capítulo: estamos perdendo o jogo para os municípios-sede de três importantes regiões econômicas do Estado, tanto no repasse de ICMS como de Tributos Próprios. Não é integralmente sustentável que o desempenho do G3 nos Tributos Próprios é resultado de positivismos desenvolvimentistas, porque vai a reboque do avanço do ICMS, umbilicalmente relacionado ao Valor Adicionado que, por sua vez, é espécie de PIB da indústria de transformação. Mesmo assim, com possíveis reparos a essa pretendida lógica, parece claríssimo que ao menos o G3 tem a possibilidade de fugir do estigma de pantagruelismo tributário. Já o G7 do Grande ABC não tem escapatória: está avançando o sinal sobre atividades ditas improdutivas e, com isso, sobrecarrega os contribuintes. Não faltarão capítulos que tornarão mais evidentes o rebaixamento e a perda de qualidade de vida no Grande ABC.
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