Alguém precisa dizer a quem manda no Diário do Grande ABC que credibilidade não se compra na esquina e que o conjunto de editorias da publicação é avaliado pelos leitores como peça única de uma engrenagem de informação com responsabilidade social. Quando se afirma numa página de Política, por exemplo, que o prefeito Luiz Marinho anda pintando e bordando com o dinheiro público, o leitor acredita piamente até que, esse mesmo leitor, algumas páginas adiante, dá de cara com a fantasia publicitária de que o Atrium Shopping está com metade da capacidade ocupada e que, juntamente com o Golden Square, bomba de consumidores.
Está certo que há confusão dos diabos envolvendo o título, o subtítulo e o corpo da matéria que tenta vender a imagem de que os dois mais recentes centros de compras inaugurados na Província do Grande ABC são sucesso de público e bilheteria. Nada mais constrangedor, provavelmente imposto pelo Departamento de Publicidade do Diário do Grande ABC que, como todos os setores análogos das publicações que conheço, quer mandar e desmandar no noticiário.
Sei bem quantas lutas enfrentei quando associado estava ao Diário à frente da redação da revista LivreMercado, sobretudo em meados da última década do século passado. Pretendia-se esconder a desindustrialização da região a qualquer custo. O Diário bancou essa bobagem e quando fizer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento econômico da região vai ter de assumir que cometeu um crime de lesa-informação, ou então encarar a realidade dos fatos passados e deixar claro que cometeu uma barbeiragem a mando de poderosos de ocasião sem compromisso com a sociedade regional.
Nem a TV Globo titubeia mais ante os fatos que o cotidiano carioca vomita. Não dá para esconder do Jornal Nacional trombadinhas e trombadões a perseguirem turistas nas praias, por mais que a Copa do Mundo esteja ali na esquina a incentivar a indústria dos negócios e a estimular um marketing triunfalista.
Forçando a barra
Voltando ao presente, não fica bem para o Diário do Grande ABC forçar a barra em cima dos dois shoppings que acabaram de chegar. O Atrium é um fracasso de lançamento com 48 lojas disponíveis de um total de 350 previstas. O Golden Square está muito abaixo da expectativa, embora este jornalista deva aos leitores uma abordagem mais detalhada, que farei indo mais uma vez pessoalmente ao empreendimento.
A tentativa de evitar que se propague que o Atrium Shopping é, por enquanto, um tiro nágua, porque inaugurado fora de hora, chega ao ponto de se perpetrar operação de encolhimento físico. Anunciado fartamente como detentor de 350 espaços a lojistas, agora dá no Diário que são apenas 200 lojas, vejam só.
A matéria publicada na edição de hoje do Diário do Grande ABC peca em todos os sentidos. A precisão foi para a cucuia. Basta ler o título (“Novos shoppings recebem 950 mil visitantes”), descer ao subtítulo (“Golden Square, com 70% das lojas abertas, e Atrium, com 50%, completam seu primeiro mês”) e chegar o texto propriamente dito para que se dê o encontro entre a imprevidência e a precipitação. Leiam:
No andreense Atrium, a visitação também animou os empreendedores. “Entraram 250 mil visitantes no primeiro mês”, comemora o presidente da Nassau Empreendimentos, empresa responsável pelo Atrium, Marcos Romiti. O complexo comporta 200 lojas e até o dia da inauguração 150 espaços já haviam sido comercializados. Desses, no entanto, apenas 28, cerca de 15%, estavam em pleno funcionamento. “A realidade é que surpreendemos os lojistas por cumprir a data prevista de abertura”, diz Romiti.
Torcida organizada
Notaram os leitores que o ambiente é de torcida organizada? Aceitam-se declarações que agridem a lógica empresarial. O que houve no caso do Atrium foi um escandaloso descasamento entre o anúncio da inauguração, o fluxo das obras e principalmente o cronograma de ocupação das lojas. Os 250 mil frequentadores no primeiro mês de atividades do centro de compras são um chute estatístico. O Atrium está às moscas porque já se espalhou entre os potenciais consumidores o antimarketing de corredores tomados por tapumes multicoloridos. Só não são um show de horrores porque, pelo menos, há bom gosto nos painéis gigantes em que se transformaram aquilo que seriam fachadas de lojas que insistem em não chegar. Mas muito antes da decepção de um shopping praticamente sem lojas é o enfrentamento da odisseia viária, com o entorno do megaempreendimento da Brookfield a ameaçar os corajosos desbravadores daqueles corredores em direção ao estacionamento de veículos.
Fosse a classe dos jornalistas mais unida e tivesse como moeda saudável de troca a ameaça de retaliação dentro dos limites do bom senso ante o avançar incontido de predadores publicitários que influenciam cada vez mais as pautas, tudo seria diferente. Mas o que se pode fazer se entregaram ao que existe de pior no mercado o poder supremo de editar matérias? Sem contar que também na esfera político-administrativa a pauta jornalística foi surrupiada em nome da governabilidade de alguns em detrimento da maioria?
Por isso liberdade de imprensa é uma expressão abusivamente desprestigiada. Quanto mais uma publicação se divorcia da realidade dos fatos, menos audiência e respeito terá sobre o conteúdo de matérias que não fogem um milímetro de suposta verdade.
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08/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (31)