Economia

Metamorfose econômica (5)

DANIEL LIMA - 25/03/2009

Embora o propósito seja facilitar, não é exagero supor que a didática pode ser comprometida quando este trabalho for consumido de forma aleatória, ou seja, sem considerar a cronologia. De qualquer forma, acredito que será possível, quando esta série se encerrar, entender a mecânica conceitual, independentemente da ordem dos capítulos. O resumo da ópera de que vamos mostrar múltiplos aspectos que dão segurança técnica e convicção interpretativa aos enunciados aqui expressos não fugirá dos trilhos. A metamorfose econômica que tornou o Grande ABC maior e mais complexo laboratório de mudanças sociais do País não se explica única e exclusivamente com dados econômicos, financeiros e tributários — mas essa base é essencial para compreender a situação. Quem, ao longo de duas décadas, desconsiderou essa premissa, caiu do andaime do triunfalismo.

Por isso mesmo, não se pode subestimar a força irradiadora do Valor Adicionado. Se nos primeiros capítulos nos fixamos nas Receitas Próprias dos municípios e também no repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), agora procuraremos extrair o básico do Valor Adicionado, espécie de PIB (Produto Interno Bruto) da indústria de transformação e guarda-chuva arrecadatório. O Valor Adicionado está para o repasse do ICMS, com peso de 76% na planilha de distribuição, assim como o tanque de combustível para um veículo. Quanto menos Valor Adicionado, menos quilometragem tributária.

Valor Adicionado pode ser traduzido simplificadamente como a diferença monetária entre um insumo que deixa a linha de granulados do Pólo Petroquímico de Capuava e vira para-choque de veículo numa autopeças. O que se acrescenta na cadeia de produção em forma de salários, de prestação de serviços, de investimentos, vira Valor Adicionado.

Portanto, quanto mais forte e enraizada uma cadeia produtiva, mais riquezas serão internalizadas. Evasão industrial é hecatombe porque leva embora o Valor Adicionado de forma integral e deixa rastro de complicações sociais em forma de desemprego, ônus no atendimento público nas áreas de saúde, educação e transporte, entre outras.

Exemplo didático

Tentaremos traduzir de forma mais didática o significado de Valor Adicionado com novo exemplo: o quadro de trabalhadores de uma empresa faz parte do Valor Adicionado com os vencimentos e benefícios que recebe. Esse conjunto de valores integra a cadeia de valoração do produto juntamente com outros quesitos, como serviços públicos de água, saneamento, comunicação, energia elétrica, além de prestadores de serviços diversos. A diferença entre o valor de compra da matéria prima ou do insumo e o preço do produto ganha a forma de Valor Adicionado. Quando essa cadeia se torna pouco competitiva em relação a outros endereços, a transferência de produção é levada em conta.

O Grande ABC não perdeu Valor Adicionado por acaso. A guerra fiscal e a abertura desmesurada e sem contrapartidas do setor automotivo jogaram água no chope da reserva de mercado que garantiu à região, entre outros benefícios mobilidade social espantosa: em menos de três décadas miseráveis viraram pobres, pobres viraram proletários, proletários viraram classe média e classe média virou classe rica. Nos anos de chumbo do governo Fernando Henrique Cardoso, o refluxo foi gigantesco.

A compreensão do quadro regional na investigação do comportamento do Valor Adicionado a partir do Plano Real em 1994 tendo como extremo oposto os números de 2007 talvez se torne compulsória e preocupante com a seguinte informação: perdemos nesse período ponta a ponta, ou seja, entre a origem e o extremo, quase uma Santo André inteira de produção de riqueza. Quem entender que não se deva atribuir à débâcle o verbete desindustrialização que levante o braço sem esconder a cara.

Desindustrialização é processo insidioso em que camadas sobrepostas tendem a mascarar a realidade porque nem todos enxergam, nem todos detectam, nem todos compreendem. Há armadilhas estatísticas que podem turvar a visão mais crítica, da mesma forma que incrementa interpretações alucinógenas em que permeiam cores alegres. No caso do Grande ABC gataborralheiresco, o desembarque de grandes conglomerados nacionais e internacionais de comércio e de serviços em meio ao corte de milhares de empregos industriais turvou o senso crítico.

Números da queda

Peguem o Valor Adicionado do Grande ABC em 1994, acrescentem 248,69% de inflação do IGP-M até dezembro de 2007 e vejam o que acontece: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra acumularam em 1994 o total de R$ 55.903 bilhões. Na ponta de 2007, os mesmos municípios atingiram R$ 48.983 bilhões.

O crescimento nominal de 205,52% não acompanhou a recarga inflacionária. A queda de 12,37% denuncia que o Grande ABC perdeu praticamente 1% do PIB da indústria de transformação por ano durante aquele período. A diferença de R$ 6,9 bilhões é quase equivalente aos números de Santo André registrados em 2007, de Valor Adicionado de R$ 8 bilhões. Para quem gosta de mais precisão, sugiro a soma de Mauá (R$ 5,4 bilhões), Ribeirão Pires (R$ 725 milhões) e Rio Grande da Serra (R$ 106 milhões) e ainda teremos um buraco a ser preenchido.

Quando chamo a atenção para o fato de o Grande ABC não se aperceber ou ter feito ouvidos de mercador ao esvaziamento econômico durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, mal-informados ou deliberadamente partidários procuram minimizar os dramas sociais embutidos na situação. Dizem que a crítica é política. Desclassificar com verborragia de campanha eleitoral argumentos e provas técnicas é uma das táticas dos procrastinadores do futuro. Como há interesses nem sempre éticos no esquartejamento de notícias desagradáveis, principalmente porque afetam valores materiais de propriedades imobiliárias, é mais cômodo tentar golpear o analista.

No próximo capítulo vou apresentar dados mais detalhados sobre os municípios do Grande ABC nesse período de avaliação do Valor Adicionado e lançar comparativos em relação a outras áreas geográficas do Estado. E também mostrar que, não fossem as intervenções do governo Lula da Silva num quadro internacional bastante favorável, à perda de praticamente uma Santo André de produção de riqueza se acrescentaria outra localidade da região.

A crise que nos atingiu em cheio a partir de setembro do ano passado provavelmente emagrecerá os resultados do governo Lula da Silva no Grande ABC, mas duvido que por mais que as complicações se agigantem, a situação seja ao menos parecida com a patrocinada por Fernando Henrique Cardoso. A explicação é simples: FHC parecia estar decidido a acabar com o sindicalismo oposicionista da CUT no Grande ABC durante os oito anos em que governou o País. Todos pagaram a conta.

 



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