Economia

Metamorfose econômica (11)

DANIEL LIMA - 28/04/2009

Tudo que tenho exposto nesta série que aprofunda, harmoniza, uniformiza e desvenda com exatidão as grandes transformações econômicas e sociais no Grande ABC nas duas últimas décadas não é um apanhado simples de números, de estatísticas, como sugerem os mais simplórios, como imaginam os ignorantes. E como desconfiam os pobres de espírito que preferem informações banais, principalmente de sites de celebridades e de curiosidades.

Costumo dizer que mais que audiência (que, diga-se de passagem cresce a cada dia, conforme indicam as planilhas da Somai) minha preocupação é com informação qualificada. Sobretudo a informação inédita. E nesse “inédita” abrem alas dois núcleos: o ineditismo no sentido de abordagem diferenciada de tudo que já saiu por aí e o ineditismo no sentido de desvirginamento de tudo que não saiu em lugar algum ou,se saiu, saiu com manchas e imprecisões.

O leitor que imagina que o passado, o presente e o futuro individuais e coletivos do Grande ABC não passam por estas páginas está cometendo engano imperdoável.

Tudo gira em torno da ciranda econômica. Quando se constata, como há muito constatamos e agora estamos detalhando ainda mais, que o Grande ABC é a única das cinco principais áreas territoriais do Estado de São Paulo que acusou perda de geração de riqueza da indústria de transformação (Valor Adicionado) durante os últimos 13 anos, contados entre 1995 e 2007, tendo a implantação do Plano Real (1994) como base, a repercussão é comprometedora para o mercado imobiliário, para o mercado de trabalho, para as finanças públicas, para os investimentos, para o consumo, para tudo que respira, afinal.

Referencias diferentes

Então, como esse cenário é absolutamente verdadeiro e contundente, o que posso sugerir é que mais e mais leitores se debrucem nos computadores, se munam de copiadoras e se dediquem em princípio ao exercício de absorver os dados. E, particularmente, que os tomadores de decisão e os formadores de opinião estejam prontos para a ir muito além nas iniciativas. Faz tempo que o bicho está pegando e faz tempo que, sob o conceito de regionalidade, que é o que de fato faria o Grande ABC reagir, praticamente nada produzem.

Como escrevemos na mais recente edição desta série, há distinção profunda entre Valor Adicionado e Potencial de Consumo.

Valor Adicionado é a capacidade de um Município gerar riqueza na indústria de transformação. Uma espécie de PIB (Produto Interno Bruto) da produção.

Potencial de Consumo, especialidade da Target Marketing, é a acumulação de riqueza, espécie de PIB de consumo.

Memorizem esse diferencial para que o entendimento destes capítulos seja automático. Algo como decifrar o valor de cada vogal, de cada consoante, à compreensão de uma frase.

Valor Adicionado é geração de riqueza. Potencial de Consumo é acumulação de riqueza. Nem sempre um Município industrialmente forte se converte em Município com potencial de consumo semelhante.

Para aferir com mais segurança o que se passa nos territórios municipais, o Potencial de Consumo é o mais recomendado, porque chega pertíssimo do conceito central de PIB.

Ainda chegaremos ao capítulo em que provaremos que o Estado de São Paulo vem perdendo, ano a ano, participação relativa no bolo nacional do PIB por conta da frouxidão do setor produtivo.

Paulistas perdem

E o principal reflexo dessa situação está no Potencial de Consumo. Entre 1995 e 2009, segundo a Target, os paulistas perderam 23,71% de participação relativa nacional, caindo de 36,65% para 27,96%.

É claro que o Grande ABC, atacadíssimo pela abertura econômica desenfreada e pela guerra fiscal desumana, perdeu mais no confronto com o País: foi rebaixado em 34,97% — contabilizava 2,90040% numa ponta e passou para 1,88828% em 2009. Traduzindo melhor: de cada R$ 100 que o Brasil potencialmente consumia em 1995, R$ 2,90 saiam do Grande ABC; para esta temporada serão apenas R$ 1,88.

Lembram-se os leitores que incorporei no chamado G90 os municípios das cinco regiões mais importantes do Estado de São Paulo, desmembrando-se, entre outros “Gs”, o G7, referente ao Grande ABC?. O G32, formado por todos os municípios da Região Metropolitana de São Paulo, menos o G7, registrou queda do Potencial de Consumo de 39,62% nos 15 anos abrangidos por esta pesquisa: deixou a plataforma de participação nacional de 20,34225% para 12,28210%.

A pergunta do leitor mais atento é automática: como pode o Grande ABC ter perdido relativamente menos em termos nacionais em Potencial de Consumo que a Grande São Paulo se em Valor Adicionado a Grande São Paulo apresentou desempenho melhor que o Grande ABC? Não teria o estudo caído em contradição?

Nada, nada disso. A explicação é simples: a riqueza acumulada (Potencial de Consumo) não evapora do dia para a noite, da mesma forma que não é algo que se acrescenta a um determinado Município também do dia para a noite. É um processo. A quebra do ciclo de crescimento do Valor Adicionado (geração de riqueza) atinge diretamente a acumulação de riqueza (Potencial de Consumo) mas não necessariamente segue no mesmo ritmo. A recíproca é verdadeira quanto se trata de aumento do Valor Adicionado.

Não se pode esquecer jamais que Valor Adicionado muito vezes mascara pela produtividade dos fatores de produção a realidade prática de acumulação de riqueza.

Os empregos industriais que desapareceram da Grande São Paulo, principalmente no último decênio do século passado, retiraram milhões de reais da praça porque os trabalhadores sofreram profundas perdas de rendimentos com recolocações em outras atividades. O emprego industrial é muito mais bem pago e agrega ganhos indiretos maiores que o comércio e os serviços.

Entretanto, em termos de Valor Adicionado, a velocidade não seguiu o mesmo ritmo entre outros motivos porque as unidades industriais ganharam reforços tecnológicos, mão-de-obra mais qualificada e métodos de produção que elevaram a produtividade individual.

Outras regiões

Também a Baixada Santista, com desempenho satisfatório na geração de riqueza durante 13 anos pesquisados do Valor Adicionado a partir da implementação do Plano Real, caiu em participação relativa no País nos 15 anos relacionados à acumulação de riqueza do Potencial de Consumo. Houve queda de 25,30%. Menor, portanto, que a do Grande ABC e da Grande São Paulo. E semelhante aos 24,98% do G19, da Região Metropolitana de Campinas, os 15,51% do G15, da Microrregião de Sorocaba e os 25,17% do G8, da Microrregião de São José dos Campos.

No conjunto da obra, o G90 acusou a perda de 35,70% de acumulação de riqueza em 15 anos de Potencial de Consumo — pois caiu de participação relativa de 29,67952% em 1995 para 19,08252% em 2009. Nada mais lógico, dada a fragilidade econômica do Estado de São Paulo no período.

O que quero dizer com isso? Quero dizer que a economia paulista (e os desdobramentos disso, em forma de acumulação de riqueza) é cada vez menos líder no universo nacional.

Para diminuir o tamanho desse buraco e tornar a situação menos caótica, há a contraposição de que é natural que, atingido determinado grau de maturidade econômica, uma determinada área tende a perder espaços relativos para outros territórios cujo desenvolvimento se dá mais tardiamente. Tudo bem. Também é assim no confronto entre países. Estão aí a China, a Índia e outros corredores internacionais atingindo números sequencialmente fantásticos de crescimento do PIB anual.

Entretanto, o problema do Estado de São Paulo é que está muito distante da capacidade potencial de crescimento, com enormes faixas territoriais desprovidas de investimentos. Aliás, a prova mais eloquente disso é que o G90 representa praticamente 80% da economia paulista. Há mais de 500 municípios distantes de padrão minimamente sustentável. A concentração da produção e de acumulação de riqueza no Estado de São Paulo deveria ser o principal desafio numa política estratégica de longo prazo. Inclusive para diminuir os impactos urbanísticos selvagens das regiões metropolitanas, principalmente da Grande São Paulo.

Descentralização cuidadosa

A descentralização econômica jamais poderia, entretanto, subestimar recolocação demográfica planejada, para que moradores de áreas mais densamente ocupadas não continuem a disputar cada vez menos riqueza.

Todos esses números que desfilei neste capítulo referem-se ao confronto dessas regiões econômicas com o conjunto nacional de Estados. É São Paulo versus Brasil. Agora, quando o confronto é interno, São Paulo versus São Paulo, ou seja, esquecendo-se que os paulistas fazem parte de um território nacional, a acumulação de riqueza determinada pelo Potencial de Consumo também exprime situações diferenciadas.

Um exemplo: a queda de participação relativa do G39 (Região Metropolitana de São Paulo) no Potencial de Consumo paulista atingiu no período de 15 anos exatamente 20,09%, muito acima dos menos de 5% da redução do Valor Adicionado. Em 1995, a acumulação de riqueza da Grande São Paulo representava 63,41% do Estado de São Paulo. Baixou para 50,67% neste 2009. A Grande São Paulo se empobrece em relação ao Estado de São Paulo.

Nesse mesmo período, o G7 (Grande ABC) apontou perda de 14,66%, o G32 (Grande São Paulo sem o Grande ABC) apontou 20,85%; o G9 (Baixada Santista), queda de 2,14%; o G19 (Grande Campinas), não mais que 1,66%; o G8 (Microrregião de São José dos Campos) caiu 2,01%; e o G15 (Microrregião de Sorocaba) resistiu com crescimento relativo de 10,78%.

Os números não se encerram por aí: o G90, o conjunto desses municípios, apontou queda de 15,71% em confronto com os demais municípios paulistas (são 645). A descentralização, como se vê, é absolutamente residual. Faltam políticas específicas para áreas dependentes demais do Estado.

Perdendo participação

Para provar que Valor Adicionado e Potencial de Consumo não correm necessariamente na mesma raia, o G51 (municípios da Grande Campinas, da Baixada Santista, da Microrregião de Sorocaba e da Microrregião de São José dos Campos) apresentou em 2009 participação relativa de acumulação de riqueza semelhante a 1995 — 17,56% de tudo que existe no Estado de São Paulo, contra 17,55% na origem da pesquisa. Como se sabe, em Valor Adicionado, o avanço em números absolutos e relativos do G51 foi de mais de três pontos percentuais. Principalmente por conta da Grande São Paulo (G39), cujo peso proporcional em 2009 é metade de tudo que potencialmente se consome no Estado, o G90 perdeu participação relativa em acumulação de riqueza entre os paulistas de 80,96% para 68,24% (menos 15,71%) no período de 15 anos.

No próximo capítulo mostraremos por que o Grande ABC dificilmente recuperará o terceiro lugar no ranking nacional de Potencial de Consumo, perdido nesta temporada para Belo Horizonte.

Diferentemente de anos anteriores, quando o troca a troca de posicionamento se tornou rotina, desta vez tudo indica que há dados consolidados que, mais que a ameaça de Belo Horizonte, o Grande ABC passa a correr para não perder posição no G4 para Brasília.

Uma tarefa inglória porque, neste País de burocratas, a Capital Federal dá um banho na acumulação de riqueza dos incluídos sociais. A periferia brasiliense? Que se dane, é claro. Como toda periferia.



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