Economia

Como acreditar nos indicadores
do unilateral mercado imobiliário?

DANIEL LIMA - 29/01/2010

O mercado imobiliário é tão sensível ao bolso e ao próprio futuro dos consumidores que deveria receber tratamento diferenciado. As forças privadas deitam e rolam sem constrangimento e nenhum tipo de restrição. Prevalece o domínio de informações imprecisas das forças empresariais, representadas por entidades que exprimem a coalização de interesses particulares. A sociedade e o Poder Público ficam à margem de tudo.


Por isso mesmo a sociedade é potencialmente vítima de maus empresários, inclusive de maus empresários que se instalam em entidades de classe como supostas lideranças e também como beneméritos num jogo de falsidades que chega a arrepiar o bom senso.


À parte a competência individual e corporativa de muitos desses empreendedores, as facilidades encontradas são campo fértil a locupletações de espertalhões travestidos de capitalistas.


Se a mídia como um todo, que enfrenta dura borrasca, tivesse algo semelhante em termos de tratamento inclusive de várias instâncias governamentais, com generosidades fiscais e tributárias, provavelmente não haveria a quebradeira geral e irrestrita dos últimos anos. A vantagem dessa suposição é que os veículos poderiam ser menos vulneráveis às forças políticas. A desvantagem é que a incompetência seria premiada.


É claro que não estou generalizando, mas o mercado imobiliário garante a festa de quem não está nem aí com certos pudores e se apresenta como uma pedra no sapato de quem segue à risca o receituário de empreendedor responsável. Há um salve-se quem puder genuinamente tupiniquim que não leva em conta nenhuma fronteira de civilidade e respeito.


A ganância está em primeiro, em segundo e em terceiro lugares. O lobby dos empresários é fortíssimo nas esferas governamentais. Há negociatas que deveriam impedir qualquer um dos protagonistas a sequer mencionar os políticos como agentes do mal. Eles o são fartamente e movem sobre os detentores de votos pressões inapeláveis porque, invariavelmente, lhes são presas desde o passado de aspirantes a cargos públicos.


Não pretendo revogar a lei da oferta e da procura, mas quando há flexibilidade excessiva nos relacionamentos e interesses específicos se sobrepõem ao conjunto da população, só pode dar o que deu nos Estados Unidos e que se espalhou por todo o mundo, aquele curto-circuito de subprimes. A mistura de mercado imobiliário e sistema financeiro sem limites é o pior dos mundos.


A proteção que o mercado imobiliário conta da mídia é escandalosa. Contrapartidas em forma de anúncios são a moeda de troca ao silêncio. Um exemplo de alto risco está plantado em Santo André, num empreendimento imobiliário de mais de 300 unidades de médio-alto padrão.


A megaconstrução num amplo terreno que serviu a uma empresa química, com passivo ambiental elevadíssimo, foi sustentada por influências político-partidárias regadas a bonificações financeiras. Está ali incubada uma versão de ricos do conjunto Barão de Mauá, mas é proibido tocar no assunto e quem o faz é perseguido. Houve até quem extraísse vantagens para calar-se. Politicamente não era tarefa das mais agradáveis a denúncia de irregularidades porque os próprios proprietários de apartamentos não querem ver os ativos desvalorizados. Tomara que o futuro não coloque tudo a perder. A gambiarra ambiental que sustentou a liberação da obra não passa mesmo de gambiarra.


São tantas as questões que envolvem a ética, a moralidade, os interesses financeiros e a segurança do mercado imobiliário que se lamenta o desinteresse das autoridades públicas e da sociedade em mobilizarem-se para enquadrar a atividade numa zona de responsabilidade social. Deita-se e rola sem a menor cerimônia. E isso vale para o Brasil inteiro, casa da sogra do capitalismo selvagem.


Esperar que as entidades representativas de empresários do mercado imobiliário tenham a generosidade de abrir as comportas do interesse público significa acreditar que os fornecedores de quentinhas liderem movimento para esvaziar os presídios superlotados. Compete ao Poder Público e à Sociedade, em conjunto com as forças de mercado, equilibrar um jogo completamente desigual.


Talvez o mais correto seria corrigir o título deste artigo porque de fato o Grande ABC não tem indicadores do mercado imobiliário, como de resto outras áreas do País. O que se publica nos jornais e revistas são números rasos, sem cientificidade alguma. Manipulam-se números como os alquimistas da inflação nos tempos da ditadura militar. Os responsáveis pelas informações não encontram barreira porque são os donos da bola, do campo, da torcida, do árbitro e de tudo o mais.


A única força que de alguma forma contribui para reduzir a carga de especulação no mercado imobiliário é a capacidade de compra dos consumidores. Mas, mesmo assim, as forças de pressão são mais poderosas mesmo. O marketing do mercado imobiliário é avassalador. Tanto que empreendedores do setor que não suportam os excessos de parceiros afastam-se de movimentos institucionais da categoria. A baixa representatividade dessas entidades é a prova do crime dos excessos cometidos ao longo dos anos em proveito individual. Por isso não passam de espécie de clubes fechados ao contraditório e ao diálogo sadio com a sociedade.


Vou dar apenas um exemplo da nocividade do mercado imobiliário sem freios sociais: o trecho sul do Rodoanel está chegando, mas os efeitos econômicos que poderiam ser expressivos acabaram abatidos por conta de especuladores que, de posse do mapeamento dos melhores espaços, trataram de privatizá-los como reserva de negociações.


Também o caos nas grandes e médias cidades não teria a dimensão que as águas de verão expõem se a terra não fosse tão desavergonhadamente objeto de um capitalismo sem compensações. Sem contar, é claro, as áreas de mananciais, que, para variar, agora ganham nova rubrica de paternalismo, com promessa de regularização do que é fundamentalmente uma agressão à natureza e ao que se convencionou chamar de qualidade de vida.


Uma sociedade só terá de fato maturidade quando resolver colocar um apito final num jogo de protagonista único, que faz o que bem entende e ainda propagandeia benemerência.


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