Se o leitor chegou a imaginar algum dia a possibilidade de a Fiat construir uma fábrica na Província do Grande ABC, juntando-se à General Motoros, Ford, Volkswagen e Mercedes, além da Scania, pode tirar o cavalinho da chuva da esperança. A Fiat quer distância do Custo ABC. Se viesse, seria muito, mas muito melhor que a fábrica de estruturas que a Saab anuncia em São Bernardo para tropicalizar a produção dos caças Gripen, escolhidos pelo governo brasileiro para abastecer nossa segurança aeroespacial.
O prefeito Luiz Marinho e assessores muito especiais, que não aparecem nos jornais mas trabalham intensamente num governo paralelíssimo, devem, em nome do bom senso, não exagerar na dose do investimento sueco. Como, aliás, o prefeito já exagerou, ao projetar cinco mil empregos diretos. Uma falácia logo desmentida pela direção executiva da Saab, que não contabiliza mais que possíveis mil postos de trabalho.
Não é difícil acreditar que a Administração Luiz Marinho, medíocre no indicador nuclear de uma sociedade, o desenvolvimento econômico, venha a propagandear mais e mais os potenciais efeitos miraculosos da fábrica de caças. Tudo não passará de cortina de fumaça para ludibriar o distinto público. Os R$ 150 milhões prometidos pelos suecos são quase nada, por exemplo, quando se traça um paralelo com o que a Fiat e seus fornecedores investem bem longe daqui.
O grupo de 11 empresas que erguerão 16 unidades de produção no complexo de Goiana, Pernambuco, onde o Grupo Fiat constrói uma nova fábrica, gerará nada menos que quatro mil empregos diretos como resultado de R$ 2 bilhões de investimentos. Somem esses números aos R$ 4 bilhões investidos diretamente pela multinacional italiana e outros quatro mil empregos diretos para a produção de veículos, sem contar R$ 1 bilhão diretamente em tecnologia.
Radares distantes
Tudo isso foi divulgado recentemente pelo Estadão e outros jornais e é emblemático da realidade. Estamos cada vez mais distantes dos radares de investimentos automotivos. Grande parte das empresas escafedeu-se em primeiro momento em direção ao Interior do Estado mais próximo. Depois, debandou Brasil acima e abaixo.
Luiz Marinho não sofre das bolas quando afirma como já afirmou que pretende contar com um polo aeronáutico na Província do Grande ABC, particularmente na São Bernardo em que detém mandato público e onde construiu a carreira sindical e política sob a proteção de Lula da Silva. Em tese, olhando-se a economia de forma simplória como observa esse ex-metalúrgico habilidoso nos bastidores dos poderes, um parque aeroespacial aonde já existe um parque automotivo seria uma barbada. Só esqueceu que o parque automotivo há muito é contestado e, senão desprezado, está distante dos sonhos de consumo dos investidores. E que o jogo político e econômico é ainda mais pesado no setor aeroespacial, fortemente concentrado no Vale do Paraíba.
Criar uma cultura da atividade à semelhança do espalhamento das plantas automotivas é desprezar as fundas diferenças entre um setor e outro. O parque aeroespacial pretendido para São Bernardo é improvável demais, mesmo com a chegada da fábrica de estruturas do Gripen, cuja essência de produção não carregará tecnologia cerebral reservada à Embraer, em São José dos Campos. Os limites político-diplomáticos de uma ação coordenada por Luiz Marinho e sua tropa de bastidores esbarram em outras forças políticas que não pretendem afrouxar o centro de gravidade da atividade no País.
Muito porcamente os gestores públicos da região estão conseguindo segurar as empresas em seus respectivos territórios. Melhor dizendo: muito porcamente os gestores públicos da região estão observando o andar da carruagem de seus respectivos territórios. O noticiário, embora pobre e longe da realidade dos fatos, pipoca aqui e ali informações sobre novas deserções. O crescimento do PIB da Região Metropolitana de São Paulo à Oeste, à Leste, à Norte, à Sul, em proporção muito maior que os mirrados números locais, denuncia pronunciado e gradativo deslocamento do eixo de desenvolvimento econômico. Já fomos ultrapassados pela Grande Osasco e agora quem nos ameaça é a Grande Guarulhos. Estamos perdendo feio uma batalha inicialmente infligida pelo Interior mais próximo. Se perdemos em nosso próprio terreno metropolitano, o que esperar do futuro?
Entusiasmo programado
A fábrica dos caças Gripen é uma boa notícia para a economia da região desde que não se faça dos investimentos, como se pretende em alguns setores da Prefeitura de São Bernardo e também de parte da mídia subserviente, o pó de pirlimpimpim de sucesso da política regional de desenvolvimento econômico. Até porque, não existe política regional de desenvolvimento de coisa alguma na Província, exceto de cristalização de mecanismos que nos colocam em posição privilegiadíssima no ranking informal de corrupção a salvo de penalidades.
A fábrica dos caças em São Bernardo deveria ter merecido, de imediato da Administração Luiz Marinho, uma entrevista coletiva que reunisse a cúpula do governo municipal, representantes suecos e também parceiros oficiais do negócio. Entrevista coletiva que eliminasse todas as dúvidas sobre a localização da fábrica anunciada, bem como o histórico de ocupação e de propriedade do terreno previamente reservado ao investimento.
O vazamento de que a decisão do governo federal, anunciada no final do ano, foi apenas um jogo de cena, porque havia muito tempo os acertos com a Saab encaminharam medidas ostensivas de preparação literal do terreno, poderia ser um dos pontos a esclarecer no encontro. O prefeito Luiz Marinho, entretanto, é avesso à questionamentos públicos. Reunião com representantes da mídia exclusivamente para comunicados de mão única para encher a bola do anfitrião. Talvez fosse indigesto ao ex-sindicalista enfrentar jornalistas que não se submetessem à doutrina da informação unilateral. Possivelmente ele teria de esclarecer as razões de levar assessores especiais de sua Administração a viagens internacionais que trataram da fábrica dos caças.
Apesar de todas as imperfeições que agridem o que se poderia chamar de convencionalismo de relacionamento entre ocupantes do poder e intermediários de informações junto à sociedade, a fábrica do Gripen é bem vinda num ambiente econômico regional de quase prostração, porque não existe reação alguma, coordenada e prospectiva, à queda de geração de riqueza. Só não se deve aceitar passivamente que transformem o investimento em suposto renascimento regional. Basta a lorota do Aeroportozão que insisto em citar porque é emblemática do desprezo à inteligência com que os gestores públicos tratam a sociedade.
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11/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (32)