A ultrapassagem do Grande ABC na disputa pelo terceiro lugar no Ranking de Potencial de Consumo da População Brasileira consolidará muito provavelmente Belo Horizonte em posição de supremacia nos próximos anos. Quem sabe será ameaçada apenas por Brasília, hoje na quinta colocação. A quarta colocação ostentada pelo conjunto de sete municípios da região tem viés de provisoriedade, porque a Capital federal enriquece na velocidade dos tentáculos burocráticos que a alimenta e a fortalece. Enquanto isso, símbolo da produção física de riqueza e de escalada impressionante de mobilidade social até os anos 1980, o Grande ABC deverá passar mais agudamente por novas sacolejadas. A competição industrial sem fronteiras e sem firulas está cada vez mais intensa.
A distância entre a agora terceira colocada Belo Horizonte e o Grande ABC no Ranking de Potencial de Consumo parece bobagem aos olhos menos atentos. Afinal, os mineiros registram nos estudos da Target Marketing o índice de 1,97192% de tudo que é potencialmente consumível no Brasil nesta temporada, contra 1,88828% do Grande ABC.
A tradução didática disso é que de cada R$ 100 que os brasileiros potencialmente consumiriam neste ano, Belo Horizonte ficaria com R$ 1,97 e o Grande ABC com R$ 1,88. No ano passado o Grande ABC estava em terceiro lugar com 1,93030%, contra 1,91249% dos mineiros.
Parece pouco a distância entre Belo Horizonte e o Grande ABC (exatamente 0,08364%), mas quando decodificado em valores monetários o resultado não é nada desprezível: o Potencial de Consumo do Grande ABC para esta temporada alcança R$ 35.186.669 bilhões, enquanto os mineiros daquela Capital chegarão a R$ 36.744.788 bilhões. Dá R$ 1.558.119 bilhão de diferença — um pouco mais que o R$ 1,3 bilhão previsto de Potencial de Consumo de Ribeirão Pires nesta temporada.
Nada é por acaso
Fosse apenas esse o problema, tudo seria menos complicado. Chamar reiteradamente a atenção para a essência de Potencial de Consumo é impedir ou pelo menos desestimular possível desinteresse de autoridades públicas e lideranças econômicas em relação aos indicadores da Target Marketing, empresa respeitadíssima na formulação de estudos que têm a capacidade de consumo dos municípios como ferramenta de trabalho.
A queda contínua do Grande ABC no Ranking de Potencial de Consumo não é obra do acaso: com perda do Valor Adicionado (espécie de Produto Interno Bruto industrial) de mais de 1% ao ano nos últimos 13 anos (entre 1995 e 2007) só poderia dar no que está dando: o afastamento contínuo dos lideres (as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro) e a incômoda derrota para os mineiros de Belo Horizonte.
Como o Potencial de Consumo não é indicador de reação vigorosamente imediatista, determinado por uma ou algumas temporadas seguidas de vacas gordas de geração de Valor Adicionado, e também porque o Grande ABC viverá já a partir deste ano uma reviravolta da indústria de manufatura por conta da crise internacional, esperar qualquer resultado no futuro que fuja da ritualidade de inquietação com novas quedas relativas e absolutas é desdenhar fatos e tendências.
O Grande ABC começou a perder essa disputa faz muito tempo e se quiser reagir não poderá protelar medidas desenvolvimentistas. Mostraremos em outros capítulos desta longa série que tanto em Potencial de Consumo como em Valor Adicionado (espécime mais seletiva e menos completa do Produto Interno Bruto), os competidores por riquezas acumuladas e riquezas geradas ganham cada vez mais terreno então ocupados pelo Grande ABC.
Jogo disputado
A disputa entre Grande ABC e Belo Horizonte é mais interessante e enseja mais reflexão do que parece. Há intersecção entre os dois conglomerados humanos que formam a estrutura genética do Potencial de Consumo: a demografia é semelhante.
Enquanto o Grande ABC projeta para este ano população de 2,604 milhões de habitantes, Belo Horizonte alcançará 2,450 milhões. São, como se nota, universos parecidíssimos. O Potencial de Consumo é o resultado da riqueza acumulada de todos os moradores de um determinado espaço urbano. Comparar o Grande ABC com um território demograficamente bastante diferente não é uma boa pedida. A densidade demográfica dos mineiros é bem maior, porque estão concentrados em pouco mais de 300 quilômetros quadrados de território, contra 840 do Grande ABC.
Segundo a contabilidade da Target Marketing, originária de diversidade de fontes oficiais para produzir esse coquetel de dados econômicos e sociais, o Grande ABC conta com 774.059 domicílios urbanos, contra 736.253 de Belo Horizonte. Mais um jogo praticamente empatado. A morfologia do Potencial de Consumo desta temporada do Grande ABC e Belo Horizonte apresenta os seguintes números:
O Grande ABC conta com 6.634 domicílios de famílias consideradas ricas (0,85% do total), enquanto Belo Horizonte reúne 7.970 (1,08% dos domicílios). A média nacional é de 0,58%.
O Grande ABC registra 53.580 domicílios de classe média-alta (6,92% do total), contra 60.442 de Belo Horizonte (8,20%). A média nacional é de 4,40%.
O Grande ABC contabiliza 104.580 domicílios de classe média-média (13,51%), enquanto Belo Horizonte chega a 98.764 (ou 13,41%). A média nacional é de 9,18%.
O Grande ABC soma 177.252 domicílios de classe média-baixa (22,89% do total), contra 168.120 de Belo Horizonte (22,83%). A média nacional é de 18,01%.
O Grande ABC conta com 315.353 domicílios do que chamaríamos de classe popular, pretendente à classe média baixa (40,74% do total), enquanto Belo Horizonte soma 299.422 (40,66%). A média nacional é de 48,36%.
O Grande ABC registra 109.903 domicílios das classes pobre e miserável (14,20%), enquanto Belo Horizonte conta com 101.535 (13,79%). A média nacional é de 19,44%.
Melhor entre ricos
Basta uma passada de olhos nos respectivos números para detectar a supremacia mineira nos escalões monetariamente mais nobres da população, sempre considerando o Grande ABC como megamunicípio.
Separadamente, numa comparação da camada da classe rica, Santo André tem números relativos semelhantes ao de Belo Horizonte (1,04%). Já o embate com São Caetano seria desfavorável aos mineiros, porque a capital da qualidade de vida do Grande ABC alcança 1,34% de domicílios ocupados pelas famílias ricas.
É claro que o divisionismo seletivo dos municípios do Grande ABC para efeitos estatísticos cor-de-rosa é um drible na realidade prática. O princípio de megamunicípio vale para dar densidade à participação relativa do Grande ABC no bolo de Potencial de Consumo do País. Por isso não pode ser simplesmente atirado sob o tapete do triunfalismo municipalista para obter um brilho específico.
Principalmente São Caetano, no Grande ABC, pode sim gabar-se de contar com população proporcionalmente privilegiada em acumulação de riqueza nas classes rica, média-alta, média-média e média-baixa em relação à média nacional e também à maioria dos municípios brasileiros.
Entretanto, São Caetano não tem como ignorar os efeitos deletérios da proximidade com os demais municípios da Grande São Paulo quando indicadores de sustentabilidade social são chamados ao campo de jogo.
É impossível isolar São Caetano do restante da Região Metropolitana de São Paulo tanto na equação positiva quanto na negativa. Em contraposição ao bem dos ganhos de escala de estar incrustada numa área econômica dinâmica do País, maior centro de riqueza da América do Sul, instalaram-se os nós das deseconomias de escala com patologias sociais invasivas.
Um exemplo didático de contaminação: o mercado imobiliário de São Caetano é o mais valorizado do Grande ABC, embora esteja abaixo do que ocorre na vizinha Capital. E seria mais valorizado ainda se o entorno regional e também paulistano não explicitasse tantos problemas sociais.
Por isso, a premissa de regionalidade como fator de ganhos e perdas mútuos jamais deverá ser desconsiderada por quem quer que seja no Grande ABC. Mesmo por aqueles que só pensam em dinheiro. Menos regionalidade, menos valorização dos ativos.
No próximo capítulo ingressaremos em outros aspectos relacionados ao combate Grande ABC versus Belo Horizonte. Estamos em maus lençóis porque somos subúrbio da Capital e Belo Horizonte é Capital.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES