Economia

Metamorfose econômica (13)

DANIEL LIMA - 12/05/2009

Dizer que é importante e faz bem à auto-estima sonegar informações que supostamente desagradem aos moradores do Grande ABC não passa de desculpa esfarrapada de quem, de fato, só pensa naquilo, nos ganhos financeiros e econômicos. Não há quem não queira saber a realidade do local em que vive. Por isso, esta série de análises é o caminho mais curto e mais garantido de que não há o menor interesse de trambicagem com dados econômicos e sociais. Nada diferente do que sempre fizemos em outros endereços jornalísticos.

É desagradável afirmar que o Grande ABC perdeu o terceiro lugar no Ranking de Potencial de Consumo para Belo Horizonte?

É desagradável, deselegante e desonesto esconder a informação, isto sim!

Como já resistimos a esse filme de horrores no passado, e a cobrança da fatura em forma de empobrecimento da região não demorou a aflorar, aconselho os leitores a ficarem atentos.

Uma das maneiras éticas de ajudar a construir um Grande ABC diferente do que temos é encarar os fatos de frente. E mobilizar forças para reação.

O preço da inapetência cidadã é muito maior do que imaginam os simplistas. Mesmo os mercantilistas de plantão deveriam saber que o silêncio de hoje custa muito alto amanhã.

Nosso mercado imobiliário não está entre os menos valorizados dos principais centros urbanos do País por puro acaso. Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) e do Potencial de Consumo balizam as relações comerciais. A mão invisível pode provocar loucuras no mercado financeiro internacional por conta de liberalidade demais, de ganância demais, mas é cirúrgica nos acertos de valores monetários de propriedades imobiliárias, por exemplo. Estão lá os Estados Unidos assombrados com a débâcle.

Chumbo grosso

Sempre que um determinado setor descola-se acentuadamente demais dos níveis de crescimento do PIB, podem acreditar que vem chumbo grosso mais à frente. No caso do Grande ABC, que perdeu mais de 1% em média por ano de produção de riqueza durante mais de uma década, mesmo com parcial recuperação nos anos-Lula, dá para imaginar os rescaldos.

Quando afirmo que o Grande ABC perdeu o quarto lugar no Ranking de Potencial de Consumo para Belo Horizonte e antecipo que dificilmente voltará a recuperar o posto, até porque passou a ser ameaçado pela quinta colocada Brasília, não pensem que escrevo com alegria. Muito pelo contrário, porque há 40 anos vivo intensamente esta região, onde os meus filhos nasceram. Só não posso praticar jornalismo indecente de esconde-esconde. Péssimos jornalistas são aqueles que se dobram aos interesses imediatistas.

Se já não praticava esconde-esconde nos tempos de pressão para adocicar a linha editorial da melhor revista regional (LivreMercado), hoje um simulacro de responsabilidade social, por que faria agora que o espaço de minha comunicação tem custo bem mais em conta, a audiência aumenta a cada dia e as fontes de financiamento já começam a aparecer por parte de parceiros igualmente preocupados com a região?

LivreMercado foi um projeto editorial tão vitorioso mas tão vitorioso que superou todas as expectativas numa região em processo de esqualidez econômica e diabruras jornalísticas. Resistiu durante duas décadas — mesmo ao sofrer estocadas administrativas fora da órbita editorial e cujas questões já começaram a ser tratadas em instâncias judiciais.

Capital versus Borralheira

Não há como ignorar que Belo Horizonte tem mais massa crítica para sustentar-se como terceiro potencial de consumo do País. Só o fato de ser capital estadual lhe dá condição de motor de arranque importante, enquanto o Grande ABC, convenhamos, sofre do Complexo de Gata Borralheira que refreia o ímpeto desenvolvimentista.

Não bastasse a condição econômica de Capital, Belo Horizonte é o centro capitalizador e difusor de um conglomerado de mais de 5,4 milhões de habitantes, a chamada Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ou seja: está para os demais municípios da área assim como São Paulo está para a nossa região metropolitana.

Se esses aspectos não fossem suficientes, ainda tem mais: também a massa crítica política e institucional de Belo Horizonte está disparadamente à frente do Grande ABC. Somos uma província que vive a reboque tanto do governo estadual quanto do governo federal. Fazemos das tripas coração para tentar chamar a atenção dos governantes. Já fomos piores. Hoje pelo menos tanto o governo paulista quanto o federal sabem que 1,8 milhão de votos não se desprezam. Mas os insumos de retorno dos impostos amealhados nos sete municípios estão muito aquém de uma reciprocidade séria e das necessidades sociais.

Os reflexos da suburbanidade do Grande ABC no contexto metropolitano, inversamente proporcional ao que ocorre em Belo Horizonte, são estressantes. Querem um exemplo em que a cidadania se manifesta grandemente e ajuda a construir o edifício de riqueza cultural de uma área? Peguem a volúpia de atleticanos e cruzeirenses na capital dos mineiros e comparem com a anorexia participativa dos times profissionais do Grande ABC. O Santo André não conseguiu levar dois mil pagantes ao jogo de domingo contra o Botafogo do Rio de Janeiro no Estádio Bruno Daniel.

Quem acha que vetores como esses não ajudam a construir ou a abalar ainda mais os alicerces econômicos e sociais de uma cidade ou de uma região provavelmente vive no mundo da lua.

Fontes de riqueza

Potencial de Consumo, que é o assunto do qual tratamos neste capítulo, é a consumação prática do acúmulo de riqueza dos moradores. É dinheiro que está disponível de alguma forma para consumo. O Valor Adicionado de Belo Horizonte é bem inferior ao registrado no Grande ABC (entenda-se VA como geração de riqueza da indústria de transformação) mas os mineiros desfazem a diferença e saltam para o ataque porque outras atividades econômicas lhe dão sustentação e impulso.

Esperar que o Grande ABC consiga suportar indefinidamente a pressão de Belo Horizonte na disputa pelo terceiro lugar seria exigir demais, até concordo. Há diferenças colossais que o tempo trata de hierarquizar em termos de valoração. Entretanto, mesmo assim, o que assusta é que o Grande ABC não se cansa de permanecer em situação política e institucional periférica, mesmo tendo na presidência da República, há seis anos, um dirigente que saiu de suas bases operárias. E olhem que jamais na história dos últimos 40 anos desta região um presidente da República fez tanto pelo Grande ABC, recompondo no sistema produtivo parte dos estragos provocados pelo antecessor.

O Grande ABC ingressou numa jornada de enfraquecimento sistêmico que parece incontrolável. Reage com atraso e insuficientemente em busca de reconfigurações sociais e econômicas. Quando os ventos federais auxiliam, minimizam-se os estragos. Quando a biruta vira, é um Deus nos acuda. Por isso vai ter de assistir a novas ultrapassagens no Ranking de Potencial de Consumo. Brasília será a próxima. É questão de tempo. Sem contar que outros endereços nacionais descontam a cada temporada a diferença que os separa do Grande ABC. Escreveremos sobre isso também.



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