Vamos revelar amanhã, terça-feira, detalhes sobre um dos resultados da quebra da economia da Província do Grande ABC, cuja origem remonta há três décadas. Um quadro que se iniciou com as tumultuadas relações trabalhistas no final dos anos 1970 e que se acentuou com a chegada do Plano Real, em 1994. São Bernardo é o retrato mais bem (ou mal) acabado da situação da Província nos últimos 20 anos, porque é a lanterninha.
Na lista dos municípios que compõem o G-20, bloco dos endereços mais poderosos do Estado de São Paulo, fora a Capital, a Capital Econômica da Província registra o menor crescimento de famílias de classe rica. Um golpe e tanto no orgulho regional. A mobilidade social aquecida a partir dos anos 1950 entrou em parafuso em toda a Província do Grande ABC, mas é mais acentuada em São Bernardo, epicentro do sindicalismo e alvo preferencial do desmonte automotivo do governo Fernando Henrique Cardoso.
Repetindo: embora São Bernardo seja o núcleo mais importante da desestruturação do sistema produtivo industrial da região, com repercussões sociais e econômicas que as autoridades públicas e supostas lideranças empresariais insistem em desdenhar, os demais municípios da Província do Grande ABC sofrem golpes semelhantes.
A verdade dos fatos e das estatísticas dá cada vez mais força à proposta deste jornalista, formulada há quase duas décadas, sobre a relevância de a comunidade regional (políticos, empresários, liderança sociais e outros) sair do casulo do comodismo e da conveniência e buscar alternativas que precisam ser coordenadas sob diretrizes, planos e ações que levem a Província a macroplanejamento estratégico. A cada dia que passa, mais as dificuldades se agigantarão.
Choque? Que choque?
Os dados e a análise que reservamos para esta terça-feira deveriam chocar a Província do Grande ABC, mas é pouco provável que ganharão alguma forma de conteúdo reativo. Afinal, jamais em toda a história regional estivemos tão paralisados como sociedade. Gestores públicos e representantes de instituições que deveriam liderar mudanças estratégicas deram-se as mãos e outras partes do corpo numa simbiose de oportunismos e compadrismos. Não há oposições nos municípios que almejem senão a tomada do poder político. Somos um balaio de gatos de interesses mesquinhos.
As cordilheiras de torres comerciais e de torres residenciais à espera de compradores na Província do Grande ABC não são obra apenas da gulodice do setor que acreditava na disponibilidade de uma população maciçamente ávida por novas residências e empreendimentos. Trata-se de projeções desencadeadas por amplo desconhecimento da realidade regional que CapitalSocial e, anteriormente, a revista LivreMercado, cansaram de alertar.
Os números sobre a ocupação de famílias de classe rica na região desde a implantação do Plano Real são representativos de uma crise que se prolonga no tempo. Mais que isso: números que, acrescentados e sistematizados num bolo de outros indicadores, como Valor Adicionado, PIB, geração de empregos com qualidade e tantos outros, comprovam que uma cratera de perdas se abriu no centro da economia da Província.
Precisamos de um Plano Marshall, mas o que as autoridades de Brasília nos deram de presente para calar a boca oposicionista de então, e situacionista destes tempos, foi uma Universidade Federal sem qualquer imbricamento regional.
Precisamos de um Plano Marshall, mas o que o governo estadual nos repassou tangencialmente, sem maiores influências econômicas, foi um traçado necessariamente segregado e por isso pouco interativo do trecho sul do Rodoanel.
Mais autoenganos
Gataborralheirescos, adoramos ser ludibriados. Agora vem aí ou se promete que vem aí um ramal do monotrilho, que os espertalhões imobiliários chamam de metrô. Mais uma salvação da lavoura que não vai mudar para valer o desastre econômico que prossegue e aprofunda a suburbanidade desse território de 840 quilômetros quadrados que já não compete em atratividade nem mesmo com a Grande Osasco, e vem perdendo terreno para a Grande Guarulhos. Depois de perder de goleada para a Grande Campinas e ver a Grande Sorocaba e a Grande São José dos Campos cada vez mais próximas no retrovisor.
Enquanto a maioria da mídia regional se perde em pautas furadas, quando não óbvias, e se esmera em tratar políticos e falsas lideranças empresariais como salvadores da pátria, ou, eventualmente, no caso dos políticos, como cães sarnentos a serem evitados, como se fossem os únicos agentes da depauperação regional, a agenda econômica é procrastinada, quando não jogada no lixo.
Lustram-se algumas botas de temas eventualmente com dados positivos sobre a região para, em seguida, dada a abrangência das questões, abrem manchetes sobre as penúrias sociais que vivemos. Falar bem da maioria dos políticos, enaltecer a maioria de uma sofrível elite classista e bater com a cara na realidade dos fatos que obrigatoriamente são levados às manchetes, como os índices escandalosos de criminalidade – eis uma contradição a que a mídia regional está invariavelmente sujeita a engolir.
Presas fáceis
Inegavelmente hipnotizada pelo piloto automático de pautas que mais conciliam interesses econômicos do que mudanças sociais, a maioria da Imprensa da região se tornou presa fácil dos donos do poder institucional e político frequentemente controladores também do poder econômico. A Província do Grande ABC virou uma terra sem leis e sem autoridades. A corrupção grassa. Somos a incubadora da Brasília de amanhã.
Enquanto isso, a degringolada econômica regional se acentua. Como estamos cansados de mostrar. Nosso PIB (Produto Interno Bruto) não acompanha o pífio crescimento do PIB nacional. Em 2011, últimos dados municipais disponíveis, caímos 0,45%. Nem mesmo os benefícios que o governo federal destina sistematicamente ao setor automotivo, coração e alma da economia regional, nos mantém a salvo de tropeços. Nossa Doença Holandesa está a nos levar a uma morte lenta e demorada em competitividade regional. Sem a Doença Holandesa, já teríamos perecido.
Até o prefeito Luiz Marinho vai sentir o golpe dos números que vamos apresentar nesta terça-feira. “Até o prefeito” significa dizer que o titular do Paço de São Bernardo, tão alheio a questões econômicas mas sempre ávido por tirar uma casquinha marquetológica de eventuais vitórias, como a fábrica dos caças Gripen, que mascaram inúmeras derrotas, até o prefeito Luiz Marinho vai se dar conta de que estão a lhe vender gato por lebre.
Talvez Luiz Marinho até aprecie a notícia sobre a quebra do dinamismo ocupacional da camada mais endinheirada de São Bernardo. Ele é uma das vítimas políticas da aversão dos ricos, entre outros motivos porque não os coleciona em quantidade necessária para sustentar vitória no regime democrático. Sem os pobres e os remediados da parte de baixo da tabela social, estaria o petista frito e mal pago.
As escaramuças do passado de sindicalista, geradoras do processo de desindustrialização, ajudam a explicar as razões de a classe rica crescer bem menos na Província do que nos demais municípios mais poderosos do Estado. Aguardem pela terça-feira que vai chegar. Somos campeões na produção de novas famílias ricas entre os 20 municípios mais poderosos do Estado. Basta virar o ranking de cabeça para baixo, claro.
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11/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (32)