Economia

Vá pentear macaco!

DANIEL LIMA - 22/12/2009

Não encerraríamos a jornada de jornalismo digital nesta temporada, prevista para esta quarta-feira, dia 23 de dezembro, sem invadir mais uma vez a grande área do último anúncio do PIB dos Municípios Brasileiros, do IBGE. Há tempo para sufocar mais um pouco o triunfalismo rastaquera quem tenta dar cores mais vivas a um Grande ABC que melhorou nos últimos anos por conta da indústria automotiva, mas ainda está distante dos bons momentos.

A má notícia é que, mesmo com um ataque formado por Ronaldo, Kaká e Luiz Fabiano, que simbolizariam as montadoras de veículos locais, o Grande ABC vê aumentar a desvantagem em relação à Região Metropolitana de Campinas, uma das áreas de concorrência no Campeonato Nacional de Produção de Riqueza.

O adversário tem mais conjunto, reúne vários craques também e, principalmente, tem em campo um goleiro de categoria, enquanto jogamos com camisa um improvisado e outros jogadores igualmente fora de função técnico-tática. Não somos um time de verdade. Somos um agrupamento disforme.

Mesmo considerando apenas a privilegiada plataforma de embarque de 2003 e estendendo-se a numerologia a dezembro de 2007, conforme os estudos do IBGE, o Grande ABC perdeu a corrida para a Grande Campinas na geração de riqueza.

A média de crescimento daqueles 19 municípios do Interior do Estado nesse período chegou a 62,6%, contra 53,8% do Grande ABC. Ou seja, 8, 8 pontos percentuais ou 14,6% de diferença.

Não é pouca coisa, convenhamos, quando se sabe que a demografia é semelhante, com 2,6 milhões de habitantes de cada lado. Mais que isso, e agora estendemos o período de confronto sem descer a detalhes: quando da implantação do Plano Real, em meados de 1994, o Grande ABC contava com PIB um terço superior ao da Grande Campinas. A virada da biruta da competitividade sistêmica, que faz da chamada São Paulo Expandida a principal rota, jogou o Grande ABC para escanteio. Tanto que nem mesmo durante os últimos anos, os mais férteis das últimas duas décadas, reagiu à altura dos principais competidores. A Grande Campinas está 11% acima do nível do PIB do Grande ABC.

A vitória da Grande Campinas sobre o Grande ABC não é novidade e só está sendo colocada nestes termos agora, mais uma vez, para enfatizar uma realidade que precisa ser repetida à exaustão sempre que oportunistas aparecem para vender ilusão.

Que melhoramos depois de piorar seguidamente nos anos Fernando Henrique Cardoso não resta dúvida. Entretanto, estamos na condição daquele paciente que parecia desenganado e de repente lhe aplicaram terapia restauradora. Resta saber até quando vamos sustentar sinais de restabelecimento.

Enquanto a indústria automotiva continuar bombando graças a um ex-metalúrgico que está na Presidência da República, tudo bem, ou quase tudo bem. Dá para segurar as pontas. Mas segurar as pontas com os atacantes em questão é pouco. Precisamos de um time forte, que apenas e tão somente uma reestruturação produtiva planejada e executada com ciência será capaz de assegurar.

Desta feita, os números da Região Metropolitana de Campinas não foram compilados por mim. Por conta de complicações de final de ano, tratei de me virar para buscar números daquela área e os consegui junto à PUC (Pontifícia Universidade Católica) local. Só por esse detalhe se verifica o fosso de cultura informativa e de regionalidade entre a Grande Campinas e o Grande ABC.

Aqui, não há instância acadêmica, nem mesmo pública ou privada, que tenha preocupação com o andar da carruagem regional. Este jornalista, há duas décadas, prospecta sistematicamente esse terreno, raiz de incursões críticas que somente mal-informados, desinformados ou deformados detestam. A ausência de uma espécie de observatório econômico regional confiável talvez seja proposital, porque não interessa ao Grande ABC mostrar as planilhas nem sempre agradáveis. É mais fácil tentar manipular.

Estamos perdendo o jogo para a Grande Campinas como estamos perdendo também para a Grande Sorocaba, para a Grande São José dos Campos, para a Grande São Paulo (sem o Grande ABC) e para a Grande Baixada Santista. Faço essas afirmações com dados apresentados em vários capítulos da série “Metamorfose econômica”, disponível neste site. E tudo o que os leitores encontram decorre de inúmeras matérias publicadas ao longo dos anos em vários veículos.

O PIB do Grande ABC ao final de 2007 registrava R$ 63,7 bilhões. Já o da Grande Campinas alcançava R$ 70,7 bilhões. Dos 19 municípios da Grande Campinas, apenas Monte Mor, Paulínia e Cosmópolis avançaram entre 2003 e 2007 em velocidade inferior à média do Estado de São Paulo. Já o conjunto dos sete municípios do Grande ABC ficou abaixo da média paulista. Nem mesmo o crescimento individual de São Bernardo acima da média paulista ameniza a discreta performance do Grande ABC no ranking estadual.

Por série de razões, temos de estar mais que preparados para ver a distância entre a economia do Grande ABC e da Grande Campinas alargar-se. Contamos com apenas 840 quilômetros quadrados de área, contra quatro vezes mais daqueles endereços. Somos periferia da capital da metrópole, a Cinderela São Paulo, enquanto Campinas é o centro nervoso de uma região sem os mesmos problemas de qualidade de vida da Grande São Paulo. A logística da Grande Campinas é um convite a investimentos. A logística encalacrada do Grande ABC é um estorvo que nem mesmo o trecho sul do Rodoanel será capaz de contornar.

Dependemos excessivamente da indústria automotiva, contra a diversificação produtiva da Grande Campinas. Não resistimos à guerra fiscal que ainda se pratica naquelas paragens de industrialização mais recente e, portanto, sem amarras que possam ferir empresas já instaladas. Nossa guerra fiscal é autofágica, porque interna. E sem poder de sedução, porque perde feio para outras guerras fiscais.

Poderíamos desfilar extensa serpentina de motivos para enfiar o rabo entre as pernas antes de pretender enfrentar a Grande Campinas em competitividade econômica. A tendência de perda do vice-campeonato estadual em geração de riqueza está mais que confirmada. Pena que alguns insistam em pintar o cenário com cores fortemente ufanistas. Seria melhor se penteassem macacos.


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