Sinto muito mas, mais uma vez, prefiro a contramão da lucidez ao entusiasmo seletivo da mão única do noticiário triunfalista que dá conta do comportamento do PIB do Grande ABC entre 2003 e 2007. A situação do nosso G7, mesmo nesse período lulista de forte recomposição de parte da riqueza perdida com a crise econômica iniciada em outubro do ano passado e, principalmente, ao longo dos anos FHC, está longe de ser cantada com ênfase.
Principalmente quando os alquebrados intérpretes dos números esquecem um dado fundamental a qualquer análise: o valor da moeda nacional, o real, não pode deixar de ser deflacionado entre dois pontos distintos de tempo. A moeda nacional já não envelhece como a pele das mal informadas ou das pouco cautelosas ou das muito vaidosas mulheres que se bronzearam artificialmente por muitos anos, mas também não representa a experimentação revolucionária de uma alquimia que mantém eternamente o fulgor da juventude física.
Quando se esquece que, como o corpo, as moedas também sofrem de fadiga de material, cai-se na armadilha da patetice. Quem escreve sobre economia possivelmente não precisa entender tudo de economia, mas o mínimo que se espera é que não ignore fatores da gerontologia monetária, vítima preferencial de vírus inflacionários.
O crescimento do PIB do Grande ABC de 53,8% entre 2003 e 2007, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) supera o da China no mesmo período por causa da desconsideração da inflação no período. É claro que essa constatação extratifica a tremenda barrigada em forma de congelamento de células inflacionárias. O problema é que não é a primeira vez que a Imprensa comete tamanho descuido. Todo ano é tudo sempre igual.
Para não criar mais zonas de conflito, porque mais embaixo vou expor os números do comportamento da economia do Grande ABC sob os efeitos naturais do desgaste da moeda nacional, sigo a mesma trilha dos dados não deflacionados.
O crescimento nominal (diversamente de crescimento real, que implícita o desconto inflacionário) do PIB do Grande ABC está distante de gerar euforia. Afinal, 53,8% é menos que o crescimento nominal do PIB do Estado de São Paulo (55,69%), endereço da Federação que, como analisamos há alguns dias, avança em velocidade muito aquém da média nacional. Parece pouco, mas o PIB do Grande ABC ficou 3,5% abaixo do PIB paulista. Muito mal para uma região que viveu nos últimos anos os melhores momentos econômicos da indústria automotiva, carro-chefe da engrenagem social de mais de 2,6 milhões de habitantes.
Em resumo, o que quero dizer é que o Grande ABC festejado por conta da ressurreição da indústria automotiva nestes tempos de generosos benefícios fiscais e creditícios do governo Lula da Silva, não consegue alcançar a velocidade média de crescimento dos paulistas que, por sua vez, perdem o jogo para várias unidades da Federação.
Saímos da desindustrialização absoluta e relativa e do esvaziamento econômico absoluto e relativo para a desindustrialização e o esvaziamento econômico relativo. Menos mal, é claro, mas longe do ideal.
Desindustrialização absoluta no sentido convencional é quando um território como o Grande ABC sofre perdas líquidas de geração de riqueza em relação a outros endereços, com a retirada de empreendimentos em volume de produção maior que a chegada. Passamos por isso durante mais de duas décadas, quando despencamos no ranking paulista e no ranking brasileiro.
Já desindustrialização relativa significa a manutenção ou mesmo o acréscimo da produção da indústria de transformação de riqueza numa disputa tanto estadual quanto nacional sem, entretanto, acompanhar o ritmo daquelas áreas. Cresce-se menos, portanto. É o que tem ocorrido nos últimos anos com o Grande ABC, desde a chegada de Lula da Silva a Brasília.
Esvaziamento econômico absoluto é quando um território perde riqueza no conjunto do PIB que o envolve, na soma de atividades industriais, de serviços e agropecuárias. Isso significa que há refluxo do PIB quando os números das atividades que o compõem não resistem às intempéries. Em muitos casos o crescimento do setor de serviços e de agropecuária não compensa quedas da indústria de transformação.
Esvaziamento econômico relativo é quanto um território, mesmo com a manutenção ou com o crescimento do PIB, não acompanha a média de territórios estaduais e nacionais. É o que tem ocorrido com o Grande ABC nos últimos anos.
Há muitos outros sintomas claros de que a economia do Grande ABC que consta do PIB (o que não significa apenas a indústria de transformação, é bom reforçar esse ponto) mesmo num período de crescimento absoluto de geração de riqueza não consegue fazer frente a outros endereços.
Dos 32 municípios do Estado de São Paulo que registraram em 2007 (último ano da pesquisa do IBGE) mais de R$ 4 bilhões de PIB, apenas oito apresentaram rendimento abaixo do conjunto de sete municípios do Grande ABC.
Se retirarmos da relação de 32 municípios mais importantes do Estado os cinco relativos ao Grande ABC (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra estão abaixo do limite monetário estabelecido) restariam 27 endereços municipais.
Desse total, 19 apresentaram crescimento superior ao conjunto do Grande ABC. Ou seja: 70% dos maiores municípios do Estado de São Paulo fizeram o Grande ABC engolir poeira nos números do PIB entre 2003 e 2007.
Outro ponto que agrava a numerologia do Grande ABC quando confrontada com o Estado e também individualmente com os municípios mais importantes do território paulista é que, mais que qualquer outra atividade, a indústria automotiva, coração da economia do Grande ABC, estava tremendamente reprimida em 2003, ano-base do novo período de análise do PIB pelo IBGE, enquanto em 2007, no outro extremo da pesquisa, o setor vivia em lua de mel com a demanda, por conta de facilidades de crédito.
Ora, se mesmo em situação tão vantajosa o Grande ABC fortemente automotivo não assumiu a liderança estadual de avanço no PIB, o foguetório precisa ser relativizado, além de contextualizado em valores monetários sólidos.
Para completar, e conforme o prometido, eis que revelo a inflação entre janeiro de 2004 e dezembro de 2007, já que os dados anunciados pelo IBGE se referem ao período do PIB de 2003 a 2007: o IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado) da Fundação Getúlio Vargas registrou 27,30% de inflação. Isto quer dizer que o Grande ABC cresceu de fato no período não os 53,8% divulgados, mas sim 26,50, o que resulta em 6,62% ao ano em vez de supostos 13,45%.
Voltarei ao assunto antes das férias que começam na próxima quarta-feira. O assunto merece porque há prevaricadores de plantão.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES