Tirem da chuva da recuperação industrial do Grande ABC o cavalinho da solução mágica do trecho sul do Rodoanel. Esse novo pedaço que representa um terço dos 170 quilômetros de um traçado que circundará a Região Metropolitana de São Paulo chega com atraso de mais de uma década. Quem acha que isso não faz diferença não sabe da missa da competitividade econômica um terço de informações substanciais.
Ao perder politicamente, sempre politicamente, em meados da última década do século passado, a disputa para desbravar o traçado do Rodoanel Mário Covas, o Grande ABC ficou na mesma posição do SBT e da Record em relação à Rede Globo: fixou-se nas limitações de uma disputa secundária que, nestas alturas do campeonato de competitividade, é um tormento.
Perdemos para a chamada Grande Osasco a disputa política à largada da construção do Rodoanel. A obra começou pelo trecho Oeste, inaugurado em outubro de 2002 mas cuja influência gravitacional à atratividade de empreendimentos se deu pelo menos uma década antes. É nesse ponto que entramos pelo cano. Ficamos na fila de espera enquanto a Grande Osasco deitava e rolava no chamamento e ocupação econômica.
Paralelamente a isso, o Grande ABC já vivenciava, naqueles meados dos anos 1990, a dura rotina de mudanças significativas no setor automotivo, corpo e alma de sua economia. Nunca é demais repetir que somente no governo Fernando Henrique Cardoso o PIB industrial emagreceu em média 4% ao ano durante oito anos. Um escândalo se o Grande ABC fosse um País. Como o Grande ABC é periferia metropolitana, o desastre foi escamoteado -- principalmente por agentes públicos, econômicos e sociais locais.
Lamentavelmente, a badalação em torno da Câmara Regional, do Fórum da Cidadania, do Consórcio de Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico não teve efeito prático no relacionamento com o governo estadual. Não necessariamente porque o governo estadual optasse preferencialmente pela Grande Osasco, mas porque a agenda dos tomadores de decisões do Grande ABC jamais atentou para a importância econômica de o Rodoanel começar a virar realidade a partir do traçado sul.
Casamento desfeito
Mal comparando, o Grande ABC ficou na mesma situação do noivo que esperava no altar por uma donzela e foi comunicado por um parente mais corajoso que os convidados deveriam ser persuadidos e voltar pelo mesmo rastro porque a prometida preferiu casar com um amigo com o qual flertara durante todo o tempo de noivado desfeito.
Dez anos depois, ainda sob forte influência emocional do casamento renegado, o noivo que ficou a ver navios recebe nova informação do mesmo parente corajoso: aquela cerimônia poderia ser remarcada, porque o divórcio abatera-se sobre os fugidios do passado. É claro que a noiva já não era mais noiva no sentido mais amplo do termo, principalmente para os pendores virginais do noivo enganado. Pois o Grande ABC vive o papel do noivo enganado. Ou seja: o trecho sul do Rodoanel está longe de ter o impacto potencial que determinou o sucesso do entorno do traçado oeste, da Grande Osasco. Em outros capítulos explicaremos as razões.
Sei que os leitores mais exigentes não se satisfazem com conceitos e nem devem satisfazer-se mesmo porque não faltam na praça especialistas em embromação, gente que usa de artifícios retóricos mais rebuscados, adquiridos em academias ou nas lides político-partidárias, para vender gato por lebre.
Por isso mesmo, já em outubro de 2006, ainda à frente daquela que foi a melhor revista regional do País (estou me referindo à LivreMercado), produzi análise inédita sobre desencadeamentos econômicos da inserção do trecho sul do Rodoanel no mapa metropolitano. Descobri que enquanto a Grande Osasco crescia persistentemente num indicador básico que mede a temperatura econômica, no caso Valor Adicionado, que é a capacidade de geração de riqueza, o Grande ABC declinava.
Debandada industrial
Já à época contava este jornalista com informações preciosas sobre a debandada de empreendimentos industriais e de serviços do Grande ABC em direção à região oeste da Grande São Paulo, Osasco à frente. Havia nítida percepção dos empreendedores — nestas horas sempre bem assessorados por empresas que vasculham cada metro quadrado imobiliário — de que o trecho Oeste representaria vantagens competitivas que ultrapassavam a visibilidade mais flagrante do setor de logística, de fato o carro-chefe dos chamarizes do traçado.
As terras daquelas áreas eram mais fartas e menos disputadas do que no Grande ABC entre outros motivos porque não havia a barreira natural e tampouco as restrições ambientais da Serra do Mar. A Grande Osasco se descortinava como imenso território a ser desbravado, principalmente nas áreas sob maior influência do traçado oeste do Rodoanel.
Três anos depois daquele trabalho de investigação resolvi atualizar os dados. Mais que isso: resolvi acrescentar novo condimento à formulação de um prato mais robusto: juntei ao Valor Adicionado, que, repito, é geração de riqueza, o indicador de Potencial de Consumo, que é acumulação de riqueza. Nem tudo que é gerado de riqueza num determinado endereço vira acumulação de riqueza.
Em relação ao trabalho de agosto de 2006, introduzi apenas uma mudança, ditada pela composição geográfica da chamada Microrregião de Osasco: retirei Cotia da relação. Permaneceram, além evidentemente de Osasco, Barueri, Cajamar, Carapicuiba, Itapevi, Jandira, Pirapora de Bom Jesus e Santana do Parnaíba. Poderia de fato acrescentar outros municípios, inclusive Cotia, mas preferi a restritividade embutida na expressão “Microrregião” de Osasco.
Perdas seguidas
Pois agora vamos de forma prática às transformações que ocorreram no período pré e pós construção e inauguração do trecho oeste do Rodoanel. Em Valor Adicionado, o crescimento nominal da Grande Osasco alcançou 488,36% entre janeiro de 1994 e dezembro de 2007. Eram R$ 4,664 bilhões que viraram R$ 32,1 bilhões. No mesmo período de 13 anos, o Grande ABC registrou aumento nominal de Valor Adicionado de 205,52%. Menos da metade da Grande Osasco. Eram R$ 16 bilhões em dezembro de 1994 e passou para R$ 48,9 bilhões em dezembro de 2007.
Atualizados os valores pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) da Fundação Getúlio Vargas, o Grande ABC acusa no período pesquisado a perda de 12,37% do PIB industrial, enquanto a Grande Osasco alcançou resultado positivo de 97,4%. Isso mesmo: praticamente dobrou de tamanho. A capacidade da indústria de transformação do Grande ABC em 1994 era 3,5 vezes superior a da Grande Osasco, mas ao final de 2007 a diferença se reduziu a 1,5 vez. Convenhamos que o estreitamento não é pouca coisa.
Também em Potencial de Consumo a situação se alterou substancialmente. Embora a Grande Osasco tenha perto de 800 mil habitantes a menos que o Grande ABC (e população faz diferença enorme na essência de Potencial de Consumo), o período pesquisado que coincide com a pré-chegada e a ativação do trecho oeste do Rodoanel não deixa dúvidas quanto aos estragos.
Se em dezembro de 1994 o Potencial de Consumo do conjunto dos municípios do Grande ABC era mais que o dobro (114%) do dos moradores da Grande Osasco (índice nacional de 2,90040% contra 1,35229%) para este 2009 a Target Marketing registra 1,88828% na contabilidade do Grande ABC e 1,18644% para a Grande Osasco. Ou seja: a distância foi reduzida para 59%.
Como a diferença demográfica é de 30% em favor do Grande ABC (2,6 milhões de habitantes contra 1,8 milhão da Grande Osasco), o que temos no final das contas, se contas per capita forem feitas, é a persistente aproximação de empate técnico. Isso mesmo: o Grande ABC cantado aos quatro cantos como endereço da prosperidade nacional, da mobilidade social sedutora, caminha para o patamar de acumulação de riqueza do conjunto dos municípios que enxergam o traçado do trecho oeste do Rodoanel.
Deu para compreender a metáfora do noivo traído? Aguardem os próximos capítulos porque o Rodoanel é um manancial inesgotável de análises.
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