O Diário do Grande ABC não prescinde de uma mais que provável edulcoração político-ideológico para ser maior ou menor historicamente em mais de 50 anos de circulação, contando-se a fase de uma década do News Seller, semanário que lançou as estacas da publicação mais importante da região ao longo do século passado. Por isso mesmo o Diário do Grande ABC não deve forçar a barra para tentar vender a ideia de que foi um baluarte em defesa da democracia pós-1964, opondo-se rigorosamente ao regime militar.
Essa é a conclusão a que cheguei após uns dias de trocas de e-mails instigantes com outros dois jornalistas experientes, os quais pretendo consultar mais uma vez quanto à liberação de informações que julgarem relevantes, excluindo-se portanto tanto no meu caso quanto nos deles algumas inconfidências. Retirar os penduricalhos pessoais permitiria clarear um quarto ainda à meia luz sem tropeçar na cama de inconfidências ou esbarrar no guarda-roupa do desabafo.
Estou cada vez mais convicto de que o News Seller e o Diário do Grande ABC não tiveram participação relevante durante quase todo o período do regime militar.
Aliás, durante quase todo aquele período, de 1971 a 1986, convivi naquela Redação. É verdade que jamais me engajei à movimentação política, editor de Esportes que era, mas não um alienígena. Tanto que até participei de uma malfadada greve dos jornalistas, quando a direção do jornal tratou a todos duramente com demissões em massa. Opunha-me à iniciativa, mas segui com os grevistas. Não me arrependo.
Esquerda e direita são doutrinas que devassei e ainda devasso com leituras sistemáticas em busca de posicionamento seguro e sem cair no reducionismo de frases feitas, de slogans marqueteiros.
Título explicativo
Cheguei à conclusão (e um teste ideológico, por assim dizer me deu as respostas de que precisava) que sou uma fusão diria bem acabada entre porções em que prevalecem os mandamentos do Estado e outras em que o capital é que entra em campo. O título desta publicação, CapitalSocial, não é obra de imaginação nem de criatividade: é o espírito jornalístico que traduz o profissional responsável por cada parágrafo aqui editado.
Mas o que importa mesmo é que, para colocar de vez um ponto final na questão, prefiro acompanhar eventuais desdobramentos editoriais do Diário do Grande ABC sobre a avocada resistência ao regime militar. Trata-se, essa projeção, de uma temeridade informativa, totalmente dispensável, principalmente se submetida à tortura de subjetividades para comprovar uma tese.
Sei que sei, porque sou a soma de informações filtradas sob o conceito de legitimidade analítica, que os autores da matéria que sugeriram rebeldia do Diário do Grande ABC contra o regime militar não seriam capazes de oferecer aos leitores colorações artificiais. Ademir Medici, que conheço bem, e Evaldo Novelini, que não conheço mas está bem acompanhado, não cometeriam deslizes ao apresentar aos leitores um diagnóstico desgarrado dos fatos, ocupando-se, como espertalhões semânticos que não são, de dados seletivos completamente fora do roteiro integral.
A credibilidade de um profissional de imprensa e também de um veículo de imprensa não é resultado de uma jornada eventualmente curta mas destacada de brados contra determinados abusos, entre outros tópicos. O conjunto da obra é que estabelece juízo de valor de identificação do produto em relação às demandas da sociedade.
Realidade sonegada
O Diário do Grande ABC passou décadas negando a desindustrialização da Província que este jornalista, à frente de LivreMercado e deste CapitalSocial há um quarto de século, provou exaustivamente com dados, declarações, análises e tudo o mais. Não será uma eventual preciosidade de exceção do jornal, numa determinada matéria própria, num artigo de terceiros ou mesmo num editorial, que alteraria a realidade histórica dos fatos sobre a atuação durante o regime militar.
O Diário do Grande ABC contribuiu imensamente para uma enganação geral sobre a situação econômica da região. A resistência em adequar a linha editorial em relação à realidade dos fatos atrasou imensamente o embarque e a trajetória de recuperação institucional de um Grande ABC que virou Província.
Ao lembrar a desindustrialização negada pelo Diário do Grande ABC e por quase todas as fontes de informações, que entendiam ser a notícia um petardo contra os interesses regionais, pretendo transmitir a mensagem de que não poderei aceitar uma nova, mesmo que involuntária, falsificação dos fatos, agora no âmbito político-ideológico.
Confesso aos leitores que não me sinto à vontade ao tornar público as informações mais substantivas que pipocaram em meu computador nos últimos dias, daí a necessidade de obter principalmente de Ademir Medici e de Milton Saldanha, expositores e debatedores destes dias, os pontos que poderão ser expostos ao público, e os que devem ser retirados, já que o que parecia uma contribuição coletiva para reunir a maior densidade possível de informações, acabou se tornando, também, uma espécie de desabafo.
Contraposição incômoda?
Passei quase um terço de minha vida profissional no Diário do Grande ABC, espaço no qual vivi grandes momentos profissionais e pessoais. Não tenho prazer algum – muito pelo contrário – em envolver o jornal numa polêmica, mas, como escreveu o diretor de Redação daquela publicação durante 40 anos, naquela dedicatória do livro “Editoriais”, costumo ser bom de briga. Quando minha intuição, somatório de conhecimento técnico e vivência prática, me diz que há angu nesse caroço, ou caroço nesse angu, não resisto a exercitar o direito de contrapor ideias.
Tomara que não seja preciso (seria permitido tal tarefa?) vasculhar os arquivos mais antigos do News Seller e do Diário do Grande ABC. Nem tampouco vasculhar fontes de informações, como algumas que já se manifestaram e me alimentam com massa crítica suficiente para dizer provisoriamente o que posso tornar definitivo num futuro breve: o Diário do Grande ABC jamais teve compromisso tácito, irrevogável, cristalino e desimpedido com o combate ao regime militar. Será que os “Editoriais” de Fausto Polesi já não são suficientes ao simplesmente tratarem aquele período como “governo revolucionário” e “Revolução”?
Sobre o fato de o Diário do Grande ABC ter sido o maior veículo regional da Província no século passado e não sê-lo mais, por consequência, neste século, convém observação que já fiz em outros artigos: antes o Diário era monopolizador das atenções; hoje, com a disseminação das tecnologias de comunicação em associação com o enfraquecimento dos veículos impressos em todos os quadrantes do planeta, inclusive na região, seria puxassaquismo deslavado dizer que o Diário exerce a mesma centralidade de antes.
A soma dos demais veículos disponíveis é bem maior que o conteúdo informativo e analítico (analítico?) do Diário do Grande ABC. Essa é uma constatação elementar, não uma ofensa, falta de respeito ou suposto revanchismo que os idiotas de plantão identificam nos poucos que se atrevem a contrapor-se ao politicamente correto ou ao economicamente vantajoso.
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11/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (32)