Imprensa

Diário promete mudanças. Isso é
ótimo, mas precisa reparar erro

DANIEL LIMA - 30/04/2014

O Diário do Grande ABC se prepara para comemorar 56 anos de atividades, 10 dos quais com a marca de News Seller. A edição de hoje dá conta de que serão introduzidas novidades editoriais e gráficas. Nada que fuja à rotina de jornais e revistas em datas comemorativas ou não. A publicação deveria aproveitar a ocasião, ou nem esperar pela ocasião, para consertar um equívoco cometido ainda outro dia pelos jornalistas Ademir Medici e Evaldo Novelini: dinamitar a informação de que atuou historicamente contra o regime militar.


 


Por mais esforços que Ademir Medici e Evaldo Novelini façam para tentar garantir o contrário, principalmente com a seletividade do noticiário ou a exumação de um ou outro editorial, dando-lhes roupagem interpretativa especificamente contestatória, a realidade é que o Diário do Grande ABC, como a maioria dos jornais brasileiros, ou quase todos, não teve coragem de enfrentar os militares.


 


O “coragem” não vai necessariamente como crítica, mas como estado de ânimo editorial generalizado que se resumia à preservação da própria existência do produto. Em situações de anormalidade institucional é indispensável rearranjar o plano de voo. Mesmo que o plano de voo não careça de mudanças.


 


Escrevo estas linhas após debate virtual informal com Ademir Medici, velho companheiro de guerra. Medici é um profissional responsável, dedicado, mas não sinalizou recuo na interpretação que inferiu em dupla com Novelini. Muito pelo contrário: procura explorar fragmentos, como se fossem estruturas sólidas, que deem respaldo à tese de que o Diário do Grande ABC montou uma barricada editorial contra os militares.


 


Massa perigosa


 


Com a mão numa massa de que não disponho – ou seja, todo o arquivo do Diário do Grande ABC, desde os tempos de News Seller – Ademir Medici e Evaldo Novelini teriam supostamente a vantagem de reunir elementos editoriais que alimentariam a tese apressadamente levada aos leitores do jornal ainda outro dia. Mas o que parece vantagem é um problemão: por mais que vasculhem vão encontrar quase nada para provar o impossível: o Diário do Grande ABC jamais adotou, quando o ambiente nacional não era favorável, qualquer política editorial de contraposição ao regime militar.


 


Ainda outro dia reproduzi aqui um texto pinçado do livro “Editoriais” do diretor de Redação do Diário do Grande ABC durante o regime militar. Fausto Polesi, morto em 2011, se referia aos militares como “Governo da revolução” ou “Revolução”. Sem contar que encaixou sentenças mais que ácidas, agressivas, condenatórias, a militantes de esquerda que teriam exorbitado na articulação e na execução de ações que visavam a novo recorte constitucional do País.  


 


Jamais em todo o período em que os militares estavam francamente em vantagem no tabuleiro politico da Nação o jornalista Fausto Polesi se opôs ao regime instaurado em 31 de março de 1964. Como a quase totalidade dos articulistas dos jornais de médio e de grande porte.


 


São os editoriais que definem a linha editorial dos jornais. Diferentemente, portanto, do que aplicamos durante 20 anos à frente da revista LivreMercado, quando os textos sobre economia e política eram editorializados. Revista é produto diferente de jornal. Os editorais dos jornais mostram a cara ideológica e partidária dos acionistas. O noticiário dos jornais, nem sempre.


 


De centro-direita


 


O Diário do Grande ABC de Fausto Polesi e dos três sócios que criaram o News Seller era um jornal de centro-direita, mas nem por isso fez pouco caso dos movimentos de centro-esquerda, aos quais foram reservadas coberturas noticiosas permanentes. Sem contar, como bem mencionam os autores da matéria do Diário do Grande ABC, espaços a colunistas de todos os matizes.


 


Talvez Ademir e Novelini não tenham entendido que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ou talvez entendam muito bem, mas, sitiados pelos fatos históricos, resistem a um recuo que longe de ser quixotesco, seria prova de humildade. Jornalista que já não comete erro é jornalista mentiroso.


 


Era tão governista o Diário do Grande ABC que não lhe faltaram benesses por conta do bom relacionamento nas esferas federal, estadual e municipais próximos dos militares. Uma concessão de rádio FM, mais tarde vendida por milhões de dólares, foi uma das recompensas pelo alinhamento ao regime militar ou, para ser mais suave, por aquiescer ao regime militar.


 


O Diário do Grande ABC que vai às ruas com novidades gráficas e editoriais não pode perder o contato com a história ao fabricar um universo paralelo de conveniência ou de desinformação. A matéria assinada por Ademir Medici e Evaldo Novelini, com direito à chamada de primeira página, não é propriedade intelectual de ambos, apenas. Representa uma posição do jornal, que a aprovou.


 


A saída ensaiada por Ademir Medici nas correspondências digitais que trocamos (e que contam também com a participação do experiente jornalista Milton Saldanha, que atuou em dois períodos distintos na publicação) não encontrará trégua desta revista digital porque agride a lógica, o bom senso e a história. 


 


Não há amizade cristalizada ao longo dos tempos, no caso a convivência profissional com Ademir Medici, somada à admiração que lhe tenho pela manutenção de um espaço voltado à memória regional, que afrouxará meu senso crítico e, principalmente, o bom senso. É doloroso mas inevitável separar uma coisa da outra.


 


Pretender transformar Fausto Polesi em paladino das esquerdas é o fim da picada. Fausto Polesi foi um dos idealizadores e executores da Frente Andreense, movimento informal que durante muitos anos combateu os ideais esquerdistas, principalmente dos petistas, e ajudou a fazer de Duílio Pisaneschi, entre outros, parlamentar eleito pelo povo.


 


Fausto Polesi era um jornalista-empresário e um empresário-jornalista com convicções fortes, de combate a governantes corruptos, fossem civis, fossem militares, mas, diferentemente do que pretende Ademir Medici fazer crer, não direcionou baterias específicas e sequenciais contra o regime militar como, por exemplo, àquele período de guerra ao prefeito Lincoln Grillo, socialista de origem.


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