Estava prontíssimo para dar nota 10 ao Diário do Grande ABC de domingo, no caso envolvendo a suposta participação da publicação como fortaleza da democracia durante o regime militar, quando, nos últimos parágrafos, enxerto extravagante em matéria sóbria, fui obrigado a recuar. Não dei zero, claro, mas a nota foi rebaixada à discrição de um cinco. O 10 era exagero benevolente. Afinal, o Diário deixava de publicar que incorreu em erro em matéria anterior. Entretanto, vieram os parágrafos finais e tudo desandou. Um texto digno dos melhores momentos de Sandoval Quaresma, aquele que saia do máximo para o mínimo em instantes.
Sem entrar em detalhes sobre o conceito que o Diário do Grande ABC decidiu assumir no conteúdo da matéria da edição de domingo, o conceito de que há 56 anos luta em defesa do Grande ABC, certo mesmo é que o jornal deixou de dar estardalhaço à bobagem de que teria se oposto ao regime militar. O assunto está mais que batido neste espaço. Esperei a edição de domingo para ver qual seria a resposta editorial do jornal à repercussão nesta revista digital à intempestiva e completamente fora da realidade histórica arremetida do jornal contra os militares.
Seria justo preparar uma nota 10 que fugisse do espectro de frustração de Sandoval Quaresma, aquele brilhante e em seguida desastrado aluno da Escolinha do Professor Raimundo, notavelmente dirigido pela inventividade de Chico Anísio. A nota 10 minimizaria o fato de o Diário do Grande ABC ter deixado de incorporar ao texto comemorativo dos 56 anos de circulação sinceras desculpas pelo erro de informação contido na matéria de 20 de abril, quando se descreveu uma saga antimilitares que jamais existiu.
Mesmo sem que o Diário do Grande ABC recorresse ao expediente que exige humildade editorial, lhe daria nota 10 porque ao menos desistiu da fanfarronice contraproducente à lógica capitalista da qual o jornal, como todos os jornais, ou quase todos os jornais, jamais abriu mão. Mas eis que entra em sala de aula o Sandoval Quaresma dos parágrafos finais com informação manquitola: “À cobertura dos fatos, soma-se a coragem do jornal em se posicionar ao lado dos interesses do Brasil. No regime militar (1964-1985), por exemplo, o Diário chega a chamar de “Ditadura”, na manchete de 31 de julho de 1978, o que alguns classificavam de Revolução. Em 1979, critica em Editorial a intervenção do governo federal nos sindicados e as prisões dos trabalhadores” – escreveu Evaldo Novelini.
O jornalista que insistiu na besteiragem sabe que tanto uma citação quanto outra não estão associadas à realidade dos fatos. A descontextualização poderia ser evitada. A resistência em assumir o erro anterior se agravou com a edição desse enunciado. Como afirmou categoricamente ainda outro dia neste espaço o jornalista Milton Saldanha, este sim um adversário claro, contundente e resiliente do que chama de ditadura militar, não existe nos arquivos do Diário do Grande ABC nada que dê suporte à insistência mesmo que marginal, suplementar, como na matéria de domingo, de que a publicação se posicionou para valer contra o regime imposto em 31 de março de 1964.
Mais que isso – e agora é este jornalista quem faz a afirmação, ou a repete tendo em vista textos anteriores – o Diário do Grande ABC tratou ao longo do período os governos militares com desvelo editorial. “Governo revolucionário” e “Revolução” são rios que passam pela vida dos editoriais assinados pelo diretor de Redação Fausto Polesi, inclusive em forma de livro.
Pretendia tanto dar nota 10 ao Sandoval Quaresma, mesmo uma nota 10 excessivamente generosa, mas, como a vida imita a arte, Chico Anísio deve estar a se remexer no tumulo porque lhe usurparam a criatividade.
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