Imprensa

Uma raridade regional: jornais dão
manchete de economia em apuros

DANIEL LIMA - 22/05/2014

Não estou cometendo heresia ao afirmar que um fato raro se registra nesta quinta-feira na Província do Grande ABC: tanto o Diário do Grande ABC quanto o Diário Regional, únicos veículos impressos com periodicidade e robustez que podem ser definidas como apropriadas à expressão que carregam nas respectivas marcas, abrem manchetíssima de primeira página com noticiário sobre a economia regional associado à situação desagradável.


 


Traduzindo em linguagem sem a obscenidade do politicamente correto ou politicamente conveniente: os dois jornais romperam a barreira do triunfalismo e (muito mais o Diário do Grande ABC do que o Diário Regional)  atingiram a jugular da informação que de fato interessa aos leitores, sem escamoteações, sem prestidigitações. Às duas publicações faltaram contextualizações históricas, mesmo que sumárias, sobre a essência do retorno da crise do emprego formal industrial na região, mas, nestas alturas do campeonato, seria demais exigir tanto.


 


Tanto a manchete principal de primeira página do Diário Regional quanto do Diário do Grande ABC expõem um assunto mais que triturado neste CapitalSocial e também na revista LivreMercado: o mercado de trabalho formal. O primeiro quadrimestre foi uma avalanche de complicações, com perda líquida de mais de quatro mil postos de trabalho na indústria de transformação da região.


 


O emprego industrial ainda não foi esquadrinhado editorialmente como prioridade de análise do jornalismo regional. Perde-se não diria tempo mas foco com empregos de outros setores que, por conta das características específicas da região, de baixo valor agregado das atividades no entorno do setor industrial, mais desqualificam do que qualificam os resultados estatísticos. O emprego industrial regional é nossa bússola de recuperação parcial ou de desastre total. Quando perdemos insistentemente postos de trabalho, é mais que sinal, é a certeza de que a bruxa está solta mais uma vez.


 


Situação menos grave


 


Não teremos nessa toada de déficits de carteiras assinadas números comprometedores como os dos anos 1990, os quais acompanhamos quase obsessivamente, mas tudo indica que seguiremos com vazamentos indicativos de que nossa Doença Holandesa, ou seja, a dependência excessiva do setor automotivo, é o começo do fim do comodismo. Principalmente dos gestores públicos que sempre navegaram nas ondas compulsórias de crescimento orçamentário sem o menor esforço de planejamento, exceto de tributação e fiscalização.


 


Tudo poderia ser diferente se a mídia da Província do Grande ABC não fosse tão descuidada com as questões econômicas locais. É escandalosa além de quilométrica para não dizer estratosférica a diferença entre a cobertura de fatos políticos e da regionalidade na Província do Grande ABC em amplos aspectos. As publicações impressas e digitais não vivem sem o noticiário político geralmente de balcão. Questões regionais importantíssimas, sobretudo econômicas e da inércia institucional, são relegadas a quinto plano.


 


Cadê os especialistas?


 


Procurem interessados em regionalidade na Província que atuam no jornalismo local e descobrirão que praticamente desapareceram. Alguns que sobraram dos tempos da revista LivreMercado, doutrinariamente vocacionada a decifrar os enigmas locais, estão por aí em assessorias de imprensa e em outros projetos. O pessoal da ativa nas redações está perdidinho porque mandachuvas acionários estão pouco se lixando para o temário. Simplifica-se a pauta porque à pauta mais profunda faltam especialistas.


 


Uma das razões da crise no jornalismo regional, mais aguda, muito mais, do que a crise no jornalismo das grandes capitais, é que existe conluio abrasivo em favor do estreitamento das relações entre donos das publicações e forças políticas. A esqualidez do mercado publicitário leva os jornais a apelarem aos cofres públicos. E não há alternativa senão a flexibilidade do conteúdo editorial.


 


Jornalismo de sala de visita é o padrão regional. Há os eleitos da agenda das chefias de reportagem subordinadas aos acionistas das publicações. Jornalista que pretender exercer o ofício para valer num dos endereços de comunicação da região pode tirar o cavalinho da chuva ou então se preparar para consumir calmantes. Há jornais mais e há jornais menos dóceis, mas no fundo existe a ditadura da publicidade a encabrestá-los. Quem ousar praticar algo diferente é malvisto, quando não desqualificado por uma confraria de sabotagem explícita.


 


Por essas e por outras que, à expressão “ditadura militar” que durante 21 anos sequestrou este País, prefiro o caminho menos radical de “regime militar”. Não me distancio demais dos pressupostos dos esquerdistas duramente golpeados pelos militares, mas não vejo um buraco sem fundo em termos informativos entre os meios de comunicação daquele período e os meios de comunicação destes tempos de ditadura econômica e de ditadura política. Se naquele período os militares exerceram vigilância aviltante, nestes o que prevalece é uma pressão sórdida engendrada para sustentar verdades absolutas que não passam de verdades relativas, meias verdades e mentiras inteiras.


 


As cores partidárias e financeiras não são enigmáticas. Estão identificadas em cada abordagem dos veículos que circulam com periodicidades diferentes. Há publicações esquerdistas e há publicações direitistas, mas a maioria mesmo é formada pelo hibridismo de dançar conforme a música municipal e regional. O que é um escândalo na gestão de um prefeito passa em branco na gestão do prefeito amigo da casa. Não faltam donos de jornais que posam sem constrangimento ao lado de prefeitos e familiares de prefeitos em festinhas de aniversário.


 


Políticos em baixa


 


A classe política vive os piores momentos das últimas décadas segundo institutos de pesquisas. Jamais os políticos foram tão desprezados pela população. A preferência partidária desabou. Nem o PT escapou da degola. Nem poderia, após tantas barbaridades. O noticiário político é em volume um exagero editorial e em qualidade uma aberração porque geralmente não passa de superficialidades, de paroquialismos.


 


Posso falar dos políticos e posso falar também dos espaços dos jornais dedicados aos políticos porque os consumo diariamente. Por dever de ofício. Nem tudo que vejo transformo em leitura. Há entrevistas extensas com bagres políticos que mal têm o que dizer. Outros são tubarões da política, mas desperdiçam a oportunidade porque o dinheiro de que dispõem para lubrificar a imagem não é correspondido pela lucidez intelectual.


 


Não sou contra a presença de políticos nos veículos de comunicação, é bom que se ressalte. Muito pelo contrário. Sou contra é que a inserção seja geralmente inócua, varejista, publicitária. Não falta pauta à convocação da classe política para debater múltiplas questões regionais. É verdade que a maioria deles não reúne preparo técnico para se expressar com conhecimento, mas não custaria nada acabar com o controle que eles, os políticos, exercem sobre as redações.


 


Os políticos é que devem ser pautados sobre um conjunto de enunciados críticos das publicações, mas é exagerar na expectativa acreditar que exista um feixe programático a direcionar os veículos de comunicação da região. A maioria se limita à exposição invertebrada de informações. Os poucos que de vez em quando têm iniciativas mais arrojadas só o fazem com carregamento prévio. Por essas e outras temos um noticiário político chinfrim, entregue às baratas dos interesses dos entrevistados.


 


Escreve-se muito pouco sobre regionalidade na Província porque é fácil produzir jornalismo fastfoodiano com representantes da classe política mais próximos dos donos dos veículos. O verdadeiro desafio das empresas de comunicação é preparar especialistas para ouvir especialistas sobre questões que inescapavelmente atingem todas as cores partidárias. Não há meios de debater habitação, saúde, educação, mobilidade urbana, economia, desigualdade social e tantos outros temários senão apontando a origem de tantas mazelas – a incompetência e o despreparo dos gestores públicos.


 


Entrevista emblemática


 


A propósito, e para não dizerem que sou oportunista, porque sempre há predadores na praça dispostos a tudo, reproduzo abaixo uma entrevista que concedi ao Diário do Grande ABC em 20 de julho de 2004 (quase 10 anos atrás, portanto), sobre o que entendo como a forma ideal de conduzir uma redação de jornal diário. Os insumos são um resumo do Planejamento Estratégico Editorial com o qual cheguei ao Diário do Grande ABC e do qual não abri mão durante minha redentora passagem de nove meses extraordinariamente pedagógicos naquela empresa (além de outros 15 anos entre 1970-1986). A entrevista foi preparada pelo jornalista James Capelli, um dos profissionais que mais me impressionaram naquele período e que eventualmente encontro nas ruas do Jardim do Mar, eu correndo e ele chegando em casa recheadíssima de cachorros que, também, tanto amo. Leiam:


 


Daniel Lima assume redação do Diário


 


O jornalista Daniel Lima assume nesta quarta o cargo de diretor de redação do Diário. Ele deixa as atribuições de ombudsman do jornal, que serão ocupadas por outro profissional ainda a ser definido. “Ele terá de conhecer a região como eu conheço e precisará se guiar pelo meu Planejamento Estratégico Editorial”, disse. Lima continuará a escrever sua coluna Contexto, que poderá ter ampliada a sua periodicidade (atualmente sai às quintas-feiras e domingos). Ele também se manterá à frente da revista Livre Mercado, da newsletter Capital Social e Ieme (Instituto de Estudos Metropolitanos).


 


O novo diretor afirmou que a reestruturação editorial do jornal estará embasada no Planejamento Estratégico Editorial por ele elaborado e que prevê um período de cinco anos para ser totalmente implementado, mas ressaltou que o jornal mantém-se em uma marca respeitada e satisfatória no mercado regional. “Nós vamos aguçar ainda mais nosso senso crítico de jornalistas para produzir um jornal que, aliado à generosidade do leitor, irá surpreender num curto espaço de tempo.”


 


Um dos pontos prioritários de mudança, segundo Lima, é que os jornalistas se especializem nas áreas sobre as quais escrevem e que sejam profundos conhecedores da região. “Precisamos que o jornalista seja crítico, que conheça o Grande ABC e o assunto que aborda para poder se pautar e para evitar que fontes duvidosas ludibriem-no; ele precisa saber distinguir quem está interessado em aparecer de quem realmente está preocupado em fazer coisas produtivas para a região – esses sim serão reconhecidos. O jornal e seus jornalistas deverão se tornar protagonistas da transformação da região”, disse.


 


Ele também adiantou que o Conselho do Leitor do Diário será mantido, mas reformulado. “Vamos criar um conselho de especialistas de várias áreas. Eles serão convidados e terão seu papel na especialização dos profissionais Do Diário do Grande ABC. Serão fontes primárias, confiáveis, serão entrevistados especiais. Poderão, inclusive, escrever artigos para o jornal. Ainda estamos definindo nomes, mas serão personalidades representativas da região.”


 


Na entrevista a seguir, Lima fala sobre suas expectativas como diretor de redação do Diário.


 


DIÁRIO – O sr. se afastará do cargo de ombudsman?  


LIMA – Evidentemente, depois de 30 dias de experiência. Acho que a minha função de ombudsman acabou abrindo espaço para este novo cargo que assumo na empresa. Foi muito interessante esse trabalho, porque fez com que eu fosse mais crítico com o produto Diário e também com os outros jornais. Foi um pré-vestibular para aferir o produto que nós temos. O cargo de ombudsman vai ser ocupado por outra pessoa.


 


DIÁRIO – Já foi definido o substituto?



LIMA – Tenho algumas idéias que vou discutir com a diretoria. Mas há duas questões das quais eu não abro mão para o novo ombudsman: primeiro, que seja um jornalista que conheça o Grande ABC; segundo, que receba uma cópia do Planejamento Estratégico Editorial e faça o seu trabalho em cima disso.


 


DIÁRIO – E sobre o Conselho do Leitor?



LIMA – Vai ser reformulado. Mas ainda não temos o formato definido. Ouvirei meus companheiros de redação.


 


DIÁRIO – E o Conselho Editorial, o que será?



LIMA – Será formado por especialistas de várias áreas: infra-estrutura, saúde, educação, logística, economia, tudo o que tenha uma intrínseca relação entre economia, social e poder público. Nós vamos ter um Conselho Editorial com vários nomes. Esses especialistas vão dar assessoria ao jornal, vão ser um ramal da especialização do Diário do Grande ABC. Os profissionais que vão fazer parte do conselho terão uma relação direta com os jornalistas para orientação. E mais do que isso, eles vão também escrever artigos. Serão fonte e entrevistados especiais.


 


DIÁRIO – Qual a linha mestra do Plano Estratégico Editorial a ser implementada a curto prazo?



LIMA – A linha mestra é atacar a regionalidade com especialização. Nós temos de ser especialistas no Grande ABC. Todos os profissionais do Diário – jornalista, repórter, fotógrafo – têm de ter um conhecimento maior da região, saber o que está acontecendo. E na medida em que você centraliza o trabalho de cada um numa respectiva pasta de atuação, ele vai produzir mais rápido e melhor.


 


DIÁRIO – Quais as diferenças que o leitor verá no jornal?



LIMA – O nosso objetivo no Diário é transformar todo profissional de redação em especialista, e como tal ele vai ser protagonista também das transformações que a região precisa passar. O jornalista vai ter um compromisso muito maior com a região. Ele não vai ser apenas um repassador de informação de terceiros, ele será protagonista. Não vamos mais aceitar das fontes de informações pouco confiáveis. Vamos questionar mais. Vamos ancorar e pautar as questões regionais. O jornal vai fazer com que as lideranças sociais, econômicas e políticas se pronunciem. O aspecto do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, a Bancada do ABC, associações comerciais, Ciesps, Câmara Regional, questão de tributos municipais, do ICMS, da saúde, educação – todos esses pontos vão ser esmiuçados. O jornal vai pautar-se com compromisso e com resultados. E aqueles que apresentarem resultados vão ser devidamente valorizados. Através desse trabalho de apuração das fontes de informação, o leitor automaticamente vai começar a entender quem, de fato, dentro da sociedade regional, está comprometido com mudanças.


 


DIÁRIO – O Diário mantém afinidade com o leitor?



LIMA – O Diário é uma marca respeitada, apesar de todos os problemas societários e econômicos que atingiram o jornal – e que também atingiram o Grande ABC como um todo, por uma desindustrialização irresponsável do governo Fernando Henrique Cardoso. O Diário mantém uma imagem satisfatória no mercado. Eu vejo o jornal como elemento decisivo para tudo aquilo que eu imagino de bom para o Grande ABC. Isso aumenta a nossa responsabilidade. Por isso, os resultados positivos que vierem, vão ser do ponto de vista de repercussão, mais ágeis e de maior ressonância do que se fosse uma outra empresa. Nós temos condições de fazer um bom trabalho e acelerar a identificação que já existe do Diário com a sociedade regional. Se nós mantivermos nosso grau de criticidade de jornalistas com relação ao produto, vamos encontrar resultados muito favoráveis do mercado. Não podemos, de forma alguma, observar o jornal pela ótica do leitor comum. Temos de observar o produto final pela ótica crítica.


 


DIÁRIO – O sr. imagina uma mudança de visual no Diário?



LIMA – Vai ser sempre um processo gradual, tanto no aspecto gráfico, quanto editorial. Leva-se no mínimo cinco anos para fazer isso, se começarmos a mudar já. Esse processo não vale só para o Diário, vale para qualquer jornal. Não existe no Brasil, hoje, nenhum jornal que mereça mais do que nota 7, no máximo 8. Então nosso objetivo em cinco anos é atingir a nota 7.


 


DIÁRIO – O Planejamento Estratégico Editorial vai se estender até 2008?



LIMA – Até o 50º aniversário do Diário, 2008 exatamente. Há toda uma lógica temporal aí.


 


DIÁRIO – O sr. continua na revista LivreMercado e na newsletter Capital Social?



LIMA – Na Livre Mercado eu continuo como diretor executivo; no Capital Social On-Line, vou dar uma reconfigurada, porque não posso ter o mesmo nível de trabalho.


 


DIÁRIO – Qual sua expectativa com a volta ao jornalismo diário depois de 15 anos afastado?



LIMA – Sair dessa roda viva dos jornais diários foi muito importante para mim. Aproveitei esse distanciamento físico e isso me ensinou exatamente o que vou levar para o Diário: é fundamental que se quebre essa mesmice do jornalismo de achar que os profissionais de comunicação são apertadores de parafusos. Essa industrialização do processo de fazer informação diária é desumana. Como tive a experiência de ter participado disso durante 15 anos e de estar fora disso por outros 15 anos, chego à conclusão de que é preciso alguém de fora, no caso sou eu, para colocar um paradeiro nesse processo.


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