Imprensa

Um leitor rabugento prepara-se
para infernizar vida de editores

DANIEL LIMA - 04/07/2014

A Copa do Mundo está começando a terminar (terminaria hoje para a Seleção Brasileira, como previ aqui ainda outro dia ou os colombianos não abandonaram o velho hábito de substituir competição por romantismo?) e isso significa que já-já vou começar as funções de ombudsman das manchetíssimas dos jornais impressos da Província do Grande ABC. Manchetíssima, é sempre útil repetir, é a manchete principal de primeira página. Um neologismo que criei e que deveria constar da próxima edição do Houaiss.


 


Analisar as manchetíssimas vai ser um aprendizado aos leitores de CapitalSocial. Sem pretender ser abusivo ou arrogante, vai ser ótimo, podem acreditar. Sou jornalista há quase 50 anos e aprendo muito com os desafios de decifrar as publicações que consumo. Sou especialista que não abre mão do aprendizado. Por que então os leitores, leigos em encontrar o caminho mais próximo da verdade possível no labirinto de textos que invariavelmente não são o que mostram, não aprenderiam com os conhecimentos que acumulei?


 


Não vou passar aos leitores a imagem de falso humilde para tentar esconder as pretensões que anuncio como providenciais para que possam começar a entender melhor o jogo jogado pela mídia regional. Cada publicação impressa e também digital tem suas vocações, seus interesses, suas vontades, suas falhas e o escambau.


 


Sacos bem diferentes


 


Quem as coloca no mesmo saco não sabe a bobagem que comete. Uma notícia por mais próxima da realidade que venha a ser transposta aos leitores pode esconder penumbras semânticas, catequeses ideológicas, turbinagens de marketing, intolerância partidária e muito mais. Não há jornalismo integralmente isento. Há sempre um conjunto de vetores a permear cada redação. Ingênuos são aqueles que confiam plenamente na mídia. Seja qual for a mídia. Entender a mídia é uma maratona com obstáculos que alguns confundem com corrida de 100 metros rasos. A simplificação do complexo é o caminho mais curto ao autoengano.


 


A tarefa de ombudsman não vai alterar meu dia a dia profissional porque não será uma ação com rigidez típica de escravagismo cronológico. Tenho horror à rotina do jornalismo diário, de horários rígidos para o fechamento editorial de páginas. Vivi dezenas de anos sob controle do relógio.  As abordagens que pretendo levar aos leitores vão ser salpicadas no tempo. Sem aviso prévio. Posso escrever três edições seguidas sobre o que os consumidores de informação andam digerindo nos jornais da região e passar uma semana sem me envolver diretamente com o jornalismo local. No fundo, o que pretendo mesmo é pegar os jornais impressos de supetão e no contrapé da informação mais qualificada.


 


A diferença entre o trabalho que executarei e o que paus mandados de políticos vagabundos costumam manifestar em mensagens eletrônicas enviadas a esta revista digital é que não faltarão elementos explicativos às críticas. Os mensageiros dos políticos que aparecem de vez em quando na tela de meu computador são vazios de intelecto e rancorosos por excelência. Distribuem adjetivações com a mesma lógica dos policiais da Rota que matavam bandidos e inocentes sem parar. Não os suporto por isso. Nada enriquece mais qualquer profissional de comunicação que o contraditório combativamente denso. Palavras de ordem, clichês e destemperos? Sempre respondi com indiferença, mas ultimamente tenho reagido à altura. Ou à baixeza. Pelo menos desopila a alma.


 


Analista rabugento


 


O recado que posso mandar aos companheiros de jornalismo das publicações impressas da região é que não vou lhes dar moleza. Por mais que reconheça as enormes dificuldades operacionais que os castigam, porque as redações estão esfaceladas à falta de recursos financeiros de uma região empobrecida além da conta também no setor de comunicação, a função de ombudsman informal desses veículos me impele a ser o mais rabugento entre todos os leitores. Não lhes darei trégua, portanto. Nada que se diferencie demais do que a ombudsman da Folha de S. Paulo nos oferece nas edições de domingo. Aliás, há diferença sim: ela recebe para distribuir porradas. Eu serei voluntário.


 


Quando a Copa do Mundo terminar para todos, vamos iniciar uma jornada que os leitores entenderão como algo diferente de tudo que imaginavam sobre como entender o jornalismo regional. Vamos triturar cada manchetíssima. Os leitores  precisam saber que tipo de produto estão consumindo à formação de juízos de valor. 


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