Calma, calma que a indagação não é de minha autoria. Se fosse, seria plenamente coerente com o histórico de CapitalSocial de resistência a pressões da banda podre do setor imobiliário. Quem faz a pergunta, não necessariamente nos termos do título acima, porque título editorial depende da ditadura de caracteres, quem faz a pergunta é o jornalista Ricardo Melo, na coluna que assina semanalmente no jornal Folha de S. Paulo.
Vou reproduzir o texto de Ricardo Melo sobre o escândalo imobiliário do começo deste ano em São Paulo:
A Prefeitura de São Paulo informou que fiscais da máfia do ISS foram finalmente demitidos, oito meses depois de descobertos. Antes tarde do que nunca. Mas o que a prefeitura, Ministério Público e Justiça têm a falar sobre as incorporadoras, empreiteiras e construtoras que ganharam uma bolada subornando servidores? O que aconteceu com elas? E os políticos que fizeram vistas grossas diante da roubalheira? Qualquer um que teve acesso ao escândalo viu, no papel, listas detalhadas com o nome dos grupos corruptores, valores que deveriam ser pagos e os que foram efetivamente depositados para os gatunos à custa do contribuinte paulistano. Muita gente pertence à sobrenomecracia. Está aí a explicação para o silêncio? – perguntou o jornalista.
Um novo colunista
Coincidentemente, a crítica de Ricardo Melo é publicada na mesma edição em que a Folha de S. Paulo anuncia um novo colunista sazonal, o presidente do Secovi (Sindicato da Habitação de São Paulo), Cláudio Bernardes. Para quem ainda não relaciona o nome à obra, Cláudio Bernardes assumiu o Secovi, entidade denunciada pelo Ministério Público como fonte de corrupção eleitoral, anunciando novo modelo de gestão. Resultado após mais de três anos de duplo mandato: ele se parece cada vez mais com o presidente da Acigabc, o Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, Milton Bigucci. Nem deveria ser diferente, porque são velhos amigos. É claro que Cláudio Bernardes não chegou ao extremo. Nada se tem contra suas atividades profissionais, como as que transformaram Milton Bigucci numa sucessão de escândalos.
Aliás, por falar em escândalos, o dirigente do Clube dos Construtores e Incorporadores continua a dar nó de credibilidade em pingo d’água de prestidigitação. Uma fonte que não me deixa nunca na mão constatou em cores e ao vivo que não mais que meia centena de convidados (principalmente familiares) compareceu ao lançamento da fantástica obra literária de Milton Bigucci, que versa sobre seus supostos 70 anos de futebol.
Beijoqueiro do futebol
Milton Bigucci jogou peladas com grandes craques nacionais, segundo a versão em forma impressa. Uma leitura pouca atenta do anúncio da obra poderia sugerir que tenha sido um craque de grandes equipes que a mídia malvada ignorou solenemente. A mesma mídia que agora o recompensa com a proteção aos malfeitos nas atividades empresariais.
Milton Bigucci jogou tantas peladas com craques que ilustram o álbum de figurinhas a ponto de ser chamado, entre amigos não tão chegados quanto imagina, de “Beijoqueiro do futebol”, expressão que remete, com sarcasmo mais que provocativo e denunciatório, à vocação de Bigucci como vertente esportiva do folclórico Beijoqueiro. Quem não se lembra do Beijoqueiro, sempre a furar rígidos esquemas de segurança para correr atrás de celebridades de todos os tipos, inclusive do Papa de então, nos anos 1970. Bigucci é uma versão futebolística do Beijoqueiro de estrelas.
Não satisfeito com mais um livro de péssima qualidade (quem quiser conferir o analfabetismo literário de Milton Bigucci pode recolher alguns escombros de outros lançamentos em sebos disponíveis na Internet, como o fiz para não ser injusto na crítica) o dirigente do Clube dos Construtores se utiliza do site da entidade que preside há sete Copas do Mundo para anunciar que compareceram 400 convidados. Bigucci segue a misturar o público (institucional) e o privado (pessoal) com tamanha frequência e facilidade que, reflexo condicionado, transforma qualquer crítica deste jornalista às suas atividades públicas em atentado à integridade pessoal. E há quem na Justiça leve isso a sério.
Inflacionando os números
Para quem, como Milton Bigucci, está acostumado a divulgar estatísticas fajutas sobre o comportamento do mercado imobiliário na região, seguindo a doutrina do levar vantagem a qualquer custo, o inflar de convidados não surpreende. Tanto quanto as tentativas de levar este jornalista à Justiça e penalizá-lo até com prisão para cercear o direito de livre expressão da verdade que tanto detesta. E tanto quanto também se faz de filantropo, destinando o dinheiro da venda dos livros a instituições de caridade. Como é sensível esse empresário!
O jornalista Ricardo Melo, experiente e cortante, provavelmente desconhece os meandros do mercado imobiliário, atividade que tem compartimentados empreendedores, mercadores e predadores. A Máfia Imobiliária da Capital não é diferente da Máfia Imobiliária da Província do Grande ABC. Milton Bigucci está na relação dos mafiosos da Capital e são vários os apontamentos e participação nos escândalos do setor na região. Quem vive na Província identifica com facilidade as três categorias em que se divide o setor. Tenho doutorado jornalístico no assunto. Para desespero de Bigucci.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)