Economia

Bala de prata

DANIEL LIMA - 17/07/2009

Goste ou não o prefeito Luiz Marinho (e acho que ele gosta, porque se não gostar é melhor pendurar as chuteiras de suposto pretendente ao governo do Estado de São Paulo em 2014), o rearranjo do setor automotivo do Grande ABC poderá ser o divisor de águas em sua carreira política.

Se se der bem, se ao menos encaminhar a solução ou solucionar algumas questões básicas entre as muitas de uma lista não necessariamente longa, estará credenciado a ingressar no restritíssimo grupo de prefeitos que tiveram importância de fato no âmbito regional.

Diria que, nessa categoria especial, fora Celso Daniel, nenhum outro prefeito, até agora, deve ser levado mesmo em conta. Sobram aqueles que deixaram ou poderão deixar muita saudade como prefeitos municipais. Como prefeitos regionais a escassez é estonteante, mas não surpreendente. Essa é uma das muitas razões da cristalização do que chamo de Complexo de Gata Borralheira.

Prefeito municipal é quem cuida exclusivamente das fronteiras geográficas que o consagraram nas urnas e que demandam mais diretamente respostas às reivindicações e planejamentos. Prefeito regional é quem vai muito além do convencionalismo cartográfico e eleitoral municipal e reconhece que o Grande ABC é muito mais que uma metáfora criada nos tempos em que tudo no Brasil era grande, do Castelão ao Mineirão. Tempos da Ditadura Militar.

Se, com tudo o que representa como prefeito, ex-sindicalista, ex-ministro, Luiz Marinho nadar, nadar e morrer na praia de resoluções municipais, enterrará qualquer pretensão de peso mais contemporâneo.

O prefeito de São Bernardo precisa ser avisado que o Grupo Automotivo inserido no Clube dos Prefeitos é mesmo mais importante para o futuro do Grande ABC do que o próprio Clube dos Prefeitos. Trata-se de criatura que dominará o criador. Mais que isso: não tem cabimento o equívoco de quase duas décadas, ou seja, desde a criação do Clube dos Prefeitos, de não constar do organograma um espaço privilegiado para o Grupo Automotivo.

Iria mais longe: o Grupo Automotivo, sim, deveria ser o próprio organograma, com complementaridades de que trata o Clube dos Prefeitos. Na prática de importância, o Clube dos Prefeitos está para o Grupo Automotivo assim como o basquetebol está para o futebol nos grandes clubes. O Grupo Automotivo é o principal provedor de uma família imensa de 2,5 milhões de habitantes e, pateticamente, o esqueceram durante todo o período de instalação do Clube dos Prefeitos.

Sabem por que isso se deu? Entre outros motivos porque o Grande ABC jamais teve autocrítica para reconhecer-se em crise, deitou no berço esplêndido da fama triunfalista de capital do automóvel e se esqueceu que enquanto o mundo gira, a Luzitana roda e o pau canta.

A possibilidade de alcançar resultados que demoram, demoram e raramente aparecem no Clube dos Prefeitos, é muito mais provável porque trata com a diversidade. A instância que reúne os sete prefeitos jamais teve competência para atingir alguns focos estruturalmente decisivos como respostas às dificuldades que se agigantaram na região.

A autonomia do Grupo Automotivo é uma chave sob medida para o prefeito de São Bernardo abrir as portas da efetividade de resultados.

A assessoria direta do secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, Jefferson José da Conceição, profissional de lustro e lastro, possivelmente não permitirá a reprodução de enganos do passado.
Até porque, pela primeira vez desde que Juscelino Kubitschek decidiu instalar aqui a indústria automotiva nacional, tem-se a composição de um organismo multifacetado voltado para a atividade que, mais que coração, é a própria razão da existência do Grande ABC.

Não é mesmo o fim da picada esse enunciado?

Ou passa pela cabeça de alguém minimamente previdente que somente depois de mais de meio século do desembarque das montadoras o Grande ABC chegaria à conclusão que precisava de um agrupamento de especialistas para arredondar ou tentar arredondar uma bola quadradíssima e maltratada?

Ou alguém é ingênuo a ponto de acreditar que todos os interesses do Grande ABC estavam devidamente contemplados nas reivindicações trabalhistas dos sindicatos dos trabalhadores metalúrgicos, na atuação da Anfavea, a entidade que cuida dos interesses das montadoras de veículos, ou no Sindipeças, que trata de cuidar dos destinos das autopeças?

Até porque, convenhamos, o modelo que dominou todas essas instâncias durante quase todo esse período era fundamentalmente corporativista. Por isso, imaginar que a regionalidade do Grande ABC, no sentido mais amplo da expressão, seria levada em conta, teria o sentido de acreditar que duas equipes que decidem um título da temporada estão de fato preocupadas com os candidatos ao rebaixamento. O Corinthians de 2007 é exceção à regra.

Não se pode, entretanto, criar expectativa de atuação revolucionária do Grupo Automotivo, porque há limites operacionais, estratégicos, políticos e institucionais que não podem ser descartados. Também eventual flacidez de conquistas não pode gozar de imunidade crítica por conta da complexidade macroeconômica e macromercadológica dessa atividade.
Quando resolveu criar e assumir o Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos, Luiz Marinho provavelmente reunia diagnóstico do que o esperava. Não bastasse isso, a própria trajetória de sindicalista foi mais que pós-graduação na matéria.

Luiz Marinho e sua equipe só não podem perder tempo com figurões manjadíssimos da vida cotidiana do Grande ABC que, pavões inúteis ou quase inúteis, frequentam com assiduidade as colunas sociais, cantarolam viagens internacionais, participam de festas e mais festas, prometem o mundo e os fundos mas, de fato, como supostos cidadãos e dirigentes inquietos com o futuro do Grande ABC, não reproduzem nada além de operações de marketing pessoal e corporativa.

Esses sanguessugas de plantão que saltam de candidatos em candidatos às prefeituras municipais na exata proporção das mudanças de humor do eleitorado nas pesquisas de opinião pública, esses sanguessugas, repito, são persistentes. Mais que isso: conseguem vender-se aos novos aliados como representativos de classes econômicas que dizem representar. E os novos prefeitos, como os novos prefeitos de antes, caem no conto da vigarice que se retroalimenta da demagogia de sempre.

Por isso, o prefeito Luiz Marinho não pode esquecer que conta com uma bala de prata para exorcizar os demônios do municipalismo autofágico.


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